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Associação Portuguesa de Apoio à Vítima encontrou pensamentos “misóginos" nos acórdãos polémicos de 2017. E pede formação obrigatória para os juízes sobre um crime que matou pelo menos 19 pessoas no ano passado.
As vítimas de violência doméstica estarão bem representadas nesta associação? É que parece que os membros militantes desta associação de pressão sobre a opinião pública e agora sobre os tribunais serão os donos de uma verdade que pelos vistos considera que lhes está reservada. Os outros não compreendem o que eles julgam saber e por isso falam de uma cátedra que montaram para si mesmos, no palanque mediático.
Os magistrados que lidam com problemas de violência doméstica, para ficarmos apenas por esse elo último da cadeia de intervenientes nos processos respectivos, não são mentecaptos como estas pessoas julgam e agora afirmam sumariamente. Os magistrados, formados em direito e treinados para aplicar leis, julgam de acordo com princípios e valores conhecidos. Um deles é o princípio da verdade material, ou seja, a Verdade verdadinha e não apenas a verdade da vítima ou do arguido.
Este grupo de pressão, constituído como associação em 1990 deveria existir para proteger vítimas verdadeiras e não apenas as que lhes parecem, segundo os seus conceitos que afinal definem a vítima como sendo " vítima de um crime", ponto final.
Os tribunais não lidam apenas com "vítimas" de crimes. Lidam também com outros intervenientes processuais, para balizarmos essa realidade. E entre eles estão os arguidos. O papel dos tribunais e da Justiça é aplicar a lei e o direito segundo os vários princípios penais, incluindo vários de natureza processual e substancial como aquele enunciado.
A "vítima de um crime" não pode ser o centro do processo penal, porque não compete aos tribunais em exclusivo, sanar, remendar, compor ou restituir integralmente o que perderam com a prática do crime. Compete aplicar Justiça, em modo geral e em particular refazer a legalidade quebrada, se tal se revelar possível.
Os tribunais e a Justiça lidam por isso com realidades que não se confinam apenas ao problema da vítima mas se estendem a outros intervenientes com diferentes graus de valoração, fixados legalmente por reflexo da noção de Justiça que se sedimentou em dada sociedade.
Quando alguém é vítima de violência, no caso doméstica, será necessário atender à natureza, grau e qualidade dessa violência e não tomar os factos como planos e de evidência inquestionável sempre que alguém se queixa de tal.
O papel de quem investiga, averigua e julga os casos de violência doméstica não se circunscreve ao que a vítima declara ou propõe, como esta APAV julga.
Para além disso revela-se de uma estultícia aflitiva entender que os magistrados não estão formados para compreenderem os problemas da violência doméstica.
Não estarão formados certamente para aplicar a justiça sumária que a APAV enuncia nos casos concretos que picotou mediaticamente. E ainda bem que não estão. Segundo os justiceiros da APAV os arguidos de violência doméstica estariam a ferros ou deveriam ser capados. E não me parece que seja apenas uma imagem. Tudo o que não seja prisão firme e durante muito tempo não satisfaz a sede de justiça que exalam e em cuja actividade se justificam como agremiação.
Nunca será a APAV que conseguirá dar a formação adequada e segundo o que entendem como correcto, aos magistrados que julgam nos tribunais.
Evidentemente que o jornalismo caseiro, com profissionais formados à pressa e com uma noção da realidade que pouco vai além do politicamente correcto, dá cobertura mediática de grande relevo a estas pessoas que falam do palanque de uma importância que não deveriam ter.
A APAV é mais uma associação radical de defesa de interesses de associados de categoria indefinida. Serão os seus militantes mais visíveis também vítimas que precisem de ser protegidas por outra associação? Estou em crer que sim.
O fenómeno da APAV não andará muito longe do fenómeno raríssimas, no plano dos objectivos: confundir o essencial com o acessório e obter notoriedade como objectivo principal. Os media que se afadigaram em conquistar, farão o resto porque tal lhes parece politicamente correcto e disso já aqueles se aperceberam há muito.
Talvez seja necessário reparar melhor quem são os dirigentes, de onde vêm e para onde querem ir. E talvez seja essencial reparar na estrutura organizativa e burocratizada que a associação já tem...
Durante o ano de 2016 os gastos com pessoal chegaram quase ao milhão de euros...
Aqui chegados a APAV já é quase um "parceiro social".
Percebe-se assim porque pretendem burocratizar o conceito de "vítima" e ainda o papel de "divulgação" da associação que evidentemente passa pela análise crítica de decisões judiciais que lhes parecem fora do conceito correcto e que pretendem impor com ajuda da cretinice mediática do parece logo tem que ser, para dizer o mínimo. É provável que alguns membros da associação sejam já "profissionais" da vitimologia ambiente que pretendem criar e por isso digno de alta desconfiança e carente de sindicância apropriada.
Tudo isto é muito mau sinal. E quem sofrerá mais serão as vítimas. As verdadeiras, entenda-se.