quinta-feira, dezembro 26, 2019

O Zip Zip apareceu e desapareceu há 50 anos

Há 50 anos, em Portugal e por esta altura, findava-se um programa de televisão que foi uma pedrada no charco de conformismo televisivo de então: Zip Zip.

O programa tinha começado em finais de Maio de 1969, sendo gravado ao vivo, aos sábados, numa sala de espectáculos de Lisboa e passava na tv na segunda-feira seguinte. Tinha o formato que vulgarmente se conhece como talk-show, de proveniência americana.

A ideia do programa e conteúdo ficava por conta de três indivíduos do mundo do espectáculo de então, com destaque para o actor Raul Solnado, então célebre pelas rábulas revisteiras e discos populares com anedotas que agora se conhecem como "comédia stand-up", riso em pé. Acompanhavam-no ainda Fialho Gouveia e Carlos Cruz, ambos locutores no rádio e depois tv.

Logo que surgiu o primeiro programa foi um sucesso, como atestam as reportagens das revistas Flama e Século Ilustrado.





A série de programas que passou todo o verão e outono de 1969 originou algumas a artistas até então desconhecidos e que se apresentavam a um público ávido de novidades artísticas e não só.

Em finais de 1969 publicou-se mesmo um disco Lp, combinando vários temas de artistas que passaram no programa. Para além deste disco foram depois publicados outros, geralmente singles, sob a etiqueta "Zip":


Nessa altura também tinha surgido uma revista de actualidades artísticas e musicais que já se chamava Mundo Moderno depois de ter começado em finais de 1968 como Cine-Disco.
O número de 1 de Agosto de 1969 destacava um artista que aparecera no Zip ao vivo mas não aparecera na tv:


Esta revista, aliás, é um bom barómetro sobre a sociedade portuguesa de então, bem mais correcto e objectivo do que outras publicações, como o Mundo da Canção, pertença do nicho de esquerda comunista e que reflectia tal ambiente.

A Mundo Moderno era uma espécie de publicação politicamente descomprometida e do grupo editorial de Mário de Aguiar e da Agência Portuguesa de Revistas.

Vale a pena mostrar mais algumas páginas desse ano de 1969 para dar um panorama mais preciso do ambiente social de então.
No número de 1.12.1969 a revista publicou dois artigos sobre dois artistas cujas musiquinhas poderiam ser uma banda sonora de tal época.

A primeira um single de um cantor belga, pop. Oh Lady Mary passava tantas vezes no rádio que se tornou êxito.


A segunda era um pastiche de um tema clássico de Beethoven, talvez o mais conhecido: a canção da Alegria, do coral da 9ª Sinfonia. Sucesso no rádio devido ao "aligeiramento" orquestral e toada pop.


Em 15 de Setembro tinha dado conta de um fenómeno curioso: numa rubrica habitual, "na era lunar ainda há coisas assim"... fotos de "lavadeiras" em Lisboa. Ao lado, os discos do momento.


Um dos discos era o de Jane Birkin, um escândalo na Europa que levou à proibição do disco em vários lados, mas não em Portugal:


Em 15 de Outubro um inquérito sobre...a mini-saia:


E em 1.12.1969 um inquérito sobre a própria revista:



A revista que terá dado maior atenção ao programa de tv foi a revista Rádio & Televisão, semanal e dedicada aos assuntos.

No nº de 18 de Outubro de 1969 tinha várias páginas com referências ao Ziz Zip. Porventura outros números ao longo do ano terão ainda mais.


E o cartoon de última página mostrava bem o espírito da época: o filme Helga, o segredo da maternidade era filme para adultos...


Por outro lado no Século Ilustrado de Maio de 1969 há um pequeno obituário e notícia acerca de um acidente de viação que tinha vitimado um jornalista da casa, Waldemar Monteiro. O estilo, hoje, seria completamente estranho e no entanto relata os acontecimentos do ponto de vista mais real possível. Com fotos e tudo.

O jornalismo de então não tinha tantos filtros como o de hoje, apesar da censura. Hoje a censura é outra e parece-me bem pior.


Sem comentários:

A obscenidade do jornalismo televisivo