A jornalista Inês Serra Lopes, na Sexta-Feira passada e depois do escrito do dia anterior, aqui comentado, escreveu sobre o caso de A. Vara ter sido apanhado numa estranha história de violação de segredo de justiça ( daquelas a sério mas que nunca incomodam os arguidos e que apenas se sentem vilipendiados quando são notícia de jornal pelos mesmos factos).
Depois de noticiar o facto de haver uma suspeita, inspectora da PJ, refere o processo em que tal sucedeu, precisamente o que chama de "processo Banif- movido pelo Estado angolano contra três cidadãos portugueses que Angola teria incumbido de comprar 49% das acções do banco Banif. Angola fazia queixa-crime contra o advogado F.C.M., o gestor E.C. e o tenente-coronel , já falecido, A. F., contra quem apresentava um pedido cível de quase 105 milhões de euros".
E a seguir escreve a jornalista que tal processo "encontra-se arquivado por desistência de queixa do Estado angolano", porque tal se declarara em requerimento desse mesmo estado : " 4 de Janeiro deste ano, [o estado angolano] já foi totalmente ressarcido do montante que era pedido. " E acrescenta que "a desistência refere-se apenas à queixa inicial entregue na PGR."
Há aqui confusão, pela certa e derivada de incorrecção e/ou falta de compreensão do que significa um processo deste género.
Os crimes denunciados, atentos os valores envolvidos e os factos relatados- eventual abuso de confiança ou burla, por exemplo- não admitem desistência de queixa. Ou seja, a mesma é irrelevante, mesmo que tenha sido apresentada e com a declaração de aceitação por parte dos denunciados. Claro que pode valer para o pedido cível, mas este só é deduzido numa fase posterior do inquérito pelo que até isso é irrelevante.
Porém, a confusão ainda é maior quando se relata que houve um complemento à queixa inicial e dos factos resultam elementos que indiciam crimes públicos, por exemplo de branqueamento de capitais. Que impedem ipso facto o arquivamento do inquérito e sem um despacho que o justifique devidamente, o que não é indicado relativamente aos termos do mesmo.
Em suma: o processo de inquérito nunca deverá ter sido arquivado, se é que o foi, por efeito da mera desistência de queixa, ao contrário do que se escreve e portanto desinforma, na notícia.
Explicações? Não há, mesmo que a jornalista tenha consultado o processo.
Por isso, não entendo este tipo de jornalismo e a minha crítica , agreste, não tem hipóteses de polimento.
Quanto ao jornalismo e ao anonimato, apetece também dizer uma ou outra coisa.
O jornalismo deste tipo, curiosamente, vive do anonimato mais soez. Daquele que viola o sigilo de justiça e que os jornalistas, erradamente na maior parte dos casos, se julgam isentos de respeitar, mesmo que a lei penal os inclua como potenciais criminosos se o não fizerem.
Vejamos no caso: quem deu a informação à jornalista e neste caso, ao i, sobre o tal processo do BANIF? Aparentemente um "garganta de cima" da PJ. É apenas um palpite, um procedimento de intenção, mas com grande probabilidade de acerto. Mas na fímbria do erro também se pode alvitrar o palpite que o "informador" seria alguém com interesse em tornar o assunto público Quem? Quem ganharia com isso. O estado angolano ou alguém por ele? Ninguém se incomodou com o facto de este processo ter um tratamento "vip", com intervenção das mais altas esferas judiciárias. Porquê? Por ser o estado angolano, metido como vítima de uma burla ou abuso de confiança? E era mesmo e Estado angolano ou algumas figuras que passam por isso? E onde fica o princípio da igualdade neste caso?
Quem vive do anonimato, criminoso ainda por cima, para escrever notícias, mesmo erradas e portanto com crédito diminuído, não tem qualquer autoridade para chamar a outros "cobarde" por não expor o nome todo no que escreve.
É só isto. Para já.
E um acrescento, já agora:
Na edição de ontem do i, um artigo da mesma jornalista, sobre "O dvd de Charles Smith" merece um elogio, porque vai no sentido certo: ouvir especialistas sobre o assunto da notícia.
É pena que a jornalista não tenha lido o relatório do MEDEL, publicado esta semana, ou assistido à entrevista de António Cluny, ao Jornal da noite de Mário Crespo para poder perguntar ao penalista Costa Andrade, um dos penalistas justamente ouvidos, o que pensa da solução alemã para o problema das gravações "ilícitas". Deverão ser sempre nulas e de nenhum efeito ou tal circunstância deveria ser ponderada casuisticamente, pelo poder judicial para não originar escândalos maiores e absurdos incríveis, como tem acontecido com inusitada frequência em Portugal, por causa da doutrina de Costa Andrade e outros?
Admite-se que o Apito Dourado tenha ido pelo cano por causa disso? É decente, juridicamente, uma solução teórica nesse sentido e que Costa Andrade defende e assim deu ( vendeu) parecer?
Porque não lhe perguntar simplesmente: em nome de quê e de quem se defendem estas teorias bárbaras e de efeito terrorista sobre a verdade material?
Dos alemães que estudou e eventualmente copiou, não é de certeza.
Aditamento: depois da leitura do despacho referido que tive oportunidade de fazer por me ter sido remetido, tenho a rectificar o que escrevi e de algum modo dar meia razão à visada. Com meia desculpa, também.
De facto, o processo foi arquivado mesmo depois de se ter entendido que poderiam existir os seguintes tipos de crime:
a) burla qualificada e/ou abuso de confiança, agravada.
b)infidelidade.
c) branqueamento de capitais.
d) outras infracções económico-financeiras de dimensão internacional.
No caso da burla e abuso de confiança, mesmo qualificados e agravados, são os mesmos crimes públicos e não deixaram de o ser.
Por isso, resultaria irrelevante a desistência de queixa.
Mas actualmente, mesmo esses crimes podem trasmudar a natureza mediante certas circunstâncias.
Havendo acordo do ofendido e arguido ( ou suspeito, no caso), extingue-se a responsabilidade criminal, se não subsistir dano ilegítimo de terceiro, desde que tenha havido restituição da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou reparação integral dos prejuízos causados. Isto segundo o artº 206º do C.Penal, na redacção de 2007 e que, confesso, me tinha escapado.
Mas o que sucedeu, por isso mesmo, foi a extinção da responsabilidade criminal por causa desse efeito. E qual? O da desistência de queixa? Não. A existência de acordo entre ofendido e arguido e a reparação integral do prejuízo.
Mas...atenção! Esta reparação só é válida se.. "não causar dano ilegítimo para terceiro", isto é, se o agente não tiver cometido outro crime com vista a obter meios para reparar o crime inicial , como diz Figueiredo Dias na, anotação ao artigo 206º publicada na obra CCCP, 1999).
Portanto, a notícia está substancialmente correcta nesse aspecto, se bem que imprecisa e que se presta à confusão aludida.
O que subjaz, no entanto é outra coisa curiosa: o MP do DCIAP entendeu que o crime de branqueamento de capitais era passível de branqueamento. Disse que era muito antigo ( de 1993) e que por isso não adiantava investigar.
Quanto à aludida circunstância de o Estado angolano ( ou alguém por ele, o que se tornaria muito curioso investigar em relação à legitimidade da denúncia na qualidade de ofendido) ter sido integralmente reparado, sem prejuizo para mais ninguém, isso, deu-se de barato.
E fiquemos por aqui, com agradecimento a quem me facultou o despacho.
Este artigo 206º do Código Penal, na redacção de 2007 tem muita piada. Lá isso tem. E condiz com um aggiornamento recente de Figueiredo Dias que anda muito entusiasmado com o direito penal...americano e a possibilidade de acordos entre o MP e os suspeitos e arguidos, com vista á negociação de penas e redução das mesmas e julgamentos prè cozinhados. Como nos EUA. É a modernidade? É, parece.
E pela mão e benção de Figueiredo Dias.
E isto tem tanta piadas que nem me tinha apercebido que já estava plasmado no artigo 206º do C.Penal.
O que dá alguma razão à jornalista quando perguntava aí em baixo se nunca errei...
Claro que errei e erro. Mas dou o braço a torcer sempre que tal sucede . E admito com facilidade e explico porquê.
Depois de noticiar o facto de haver uma suspeita, inspectora da PJ, refere o processo em que tal sucedeu, precisamente o que chama de "processo Banif- movido pelo Estado angolano contra três cidadãos portugueses que Angola teria incumbido de comprar 49% das acções do banco Banif. Angola fazia queixa-crime contra o advogado F.C.M., o gestor E.C. e o tenente-coronel , já falecido, A. F., contra quem apresentava um pedido cível de quase 105 milhões de euros".
E a seguir escreve a jornalista que tal processo "encontra-se arquivado por desistência de queixa do Estado angolano", porque tal se declarara em requerimento desse mesmo estado : " 4 de Janeiro deste ano, [o estado angolano] já foi totalmente ressarcido do montante que era pedido. " E acrescenta que "a desistência refere-se apenas à queixa inicial entregue na PGR."
Há aqui confusão, pela certa e derivada de incorrecção e/ou falta de compreensão do que significa um processo deste género.
Os crimes denunciados, atentos os valores envolvidos e os factos relatados- eventual abuso de confiança ou burla, por exemplo- não admitem desistência de queixa. Ou seja, a mesma é irrelevante, mesmo que tenha sido apresentada e com a declaração de aceitação por parte dos denunciados. Claro que pode valer para o pedido cível, mas este só é deduzido numa fase posterior do inquérito pelo que até isso é irrelevante.
Porém, a confusão ainda é maior quando se relata que houve um complemento à queixa inicial e dos factos resultam elementos que indiciam crimes públicos, por exemplo de branqueamento de capitais. Que impedem ipso facto o arquivamento do inquérito e sem um despacho que o justifique devidamente, o que não é indicado relativamente aos termos do mesmo.
Em suma: o processo de inquérito nunca deverá ter sido arquivado, se é que o foi, por efeito da mera desistência de queixa, ao contrário do que se escreve e portanto desinforma, na notícia.
Explicações? Não há, mesmo que a jornalista tenha consultado o processo.
Por isso, não entendo este tipo de jornalismo e a minha crítica , agreste, não tem hipóteses de polimento.
Quanto ao jornalismo e ao anonimato, apetece também dizer uma ou outra coisa.
O jornalismo deste tipo, curiosamente, vive do anonimato mais soez. Daquele que viola o sigilo de justiça e que os jornalistas, erradamente na maior parte dos casos, se julgam isentos de respeitar, mesmo que a lei penal os inclua como potenciais criminosos se o não fizerem.
Vejamos no caso: quem deu a informação à jornalista e neste caso, ao i, sobre o tal processo do BANIF? Aparentemente um "garganta de cima" da PJ. É apenas um palpite, um procedimento de intenção, mas com grande probabilidade de acerto. Mas na fímbria do erro também se pode alvitrar o palpite que o "informador" seria alguém com interesse em tornar o assunto público Quem? Quem ganharia com isso. O estado angolano ou alguém por ele? Ninguém se incomodou com o facto de este processo ter um tratamento "vip", com intervenção das mais altas esferas judiciárias. Porquê? Por ser o estado angolano, metido como vítima de uma burla ou abuso de confiança? E era mesmo e Estado angolano ou algumas figuras que passam por isso? E onde fica o princípio da igualdade neste caso?
Quem vive do anonimato, criminoso ainda por cima, para escrever notícias, mesmo erradas e portanto com crédito diminuído, não tem qualquer autoridade para chamar a outros "cobarde" por não expor o nome todo no que escreve.
É só isto. Para já.
E um acrescento, já agora:
Na edição de ontem do i, um artigo da mesma jornalista, sobre "O dvd de Charles Smith" merece um elogio, porque vai no sentido certo: ouvir especialistas sobre o assunto da notícia.
É pena que a jornalista não tenha lido o relatório do MEDEL, publicado esta semana, ou assistido à entrevista de António Cluny, ao Jornal da noite de Mário Crespo para poder perguntar ao penalista Costa Andrade, um dos penalistas justamente ouvidos, o que pensa da solução alemã para o problema das gravações "ilícitas". Deverão ser sempre nulas e de nenhum efeito ou tal circunstância deveria ser ponderada casuisticamente, pelo poder judicial para não originar escândalos maiores e absurdos incríveis, como tem acontecido com inusitada frequência em Portugal, por causa da doutrina de Costa Andrade e outros?
Admite-se que o Apito Dourado tenha ido pelo cano por causa disso? É decente, juridicamente, uma solução teórica nesse sentido e que Costa Andrade defende e assim deu ( vendeu) parecer?
Porque não lhe perguntar simplesmente: em nome de quê e de quem se defendem estas teorias bárbaras e de efeito terrorista sobre a verdade material?
Dos alemães que estudou e eventualmente copiou, não é de certeza.
Aditamento: depois da leitura do despacho referido que tive oportunidade de fazer por me ter sido remetido, tenho a rectificar o que escrevi e de algum modo dar meia razão à visada. Com meia desculpa, também.
De facto, o processo foi arquivado mesmo depois de se ter entendido que poderiam existir os seguintes tipos de crime:
a) burla qualificada e/ou abuso de confiança, agravada.
b)infidelidade.
c) branqueamento de capitais.
d) outras infracções económico-financeiras de dimensão internacional.
No caso da burla e abuso de confiança, mesmo qualificados e agravados, são os mesmos crimes públicos e não deixaram de o ser.
Por isso, resultaria irrelevante a desistência de queixa.
Mas actualmente, mesmo esses crimes podem trasmudar a natureza mediante certas circunstâncias.
Havendo acordo do ofendido e arguido ( ou suspeito, no caso), extingue-se a responsabilidade criminal, se não subsistir dano ilegítimo de terceiro, desde que tenha havido restituição da coisa furtada ou ilegitimamente apropriada ou reparação integral dos prejuízos causados. Isto segundo o artº 206º do C.Penal, na redacção de 2007 e que, confesso, me tinha escapado.
Mas o que sucedeu, por isso mesmo, foi a extinção da responsabilidade criminal por causa desse efeito. E qual? O da desistência de queixa? Não. A existência de acordo entre ofendido e arguido e a reparação integral do prejuízo.
Mas...atenção! Esta reparação só é válida se.. "não causar dano ilegítimo para terceiro", isto é, se o agente não tiver cometido outro crime com vista a obter meios para reparar o crime inicial , como diz Figueiredo Dias na, anotação ao artigo 206º publicada na obra CCCP, 1999).
Portanto, a notícia está substancialmente correcta nesse aspecto, se bem que imprecisa e que se presta à confusão aludida.
O que subjaz, no entanto é outra coisa curiosa: o MP do DCIAP entendeu que o crime de branqueamento de capitais era passível de branqueamento. Disse que era muito antigo ( de 1993) e que por isso não adiantava investigar.
Quanto à aludida circunstância de o Estado angolano ( ou alguém por ele, o que se tornaria muito curioso investigar em relação à legitimidade da denúncia na qualidade de ofendido) ter sido integralmente reparado, sem prejuizo para mais ninguém, isso, deu-se de barato.
E fiquemos por aqui, com agradecimento a quem me facultou o despacho.
Este artigo 206º do Código Penal, na redacção de 2007 tem muita piada. Lá isso tem. E condiz com um aggiornamento recente de Figueiredo Dias que anda muito entusiasmado com o direito penal...americano e a possibilidade de acordos entre o MP e os suspeitos e arguidos, com vista á negociação de penas e redução das mesmas e julgamentos prè cozinhados. Como nos EUA. É a modernidade? É, parece.
E pela mão e benção de Figueiredo Dias.
E isto tem tanta piadas que nem me tinha apercebido que já estava plasmado no artigo 206º do C.Penal.
O que dá alguma razão à jornalista quando perguntava aí em baixo se nunca errei...
Claro que errei e erro. Mas dou o braço a torcer sempre que tal sucede . E admito com facilidade e explico porquê.
2 comentários:
Um anónimo agradecido
De tudo isto, tiro uma conclusão:
O nosso Direito, o Penal e o Processualo Penal em particular, é uma grande confusão.
Particularmente depois da reforma de 2007.
Essa mesmo, que foi feita a preceito para encaixar em situações concretas.
E as soluções ecnontradas nunca são a bem da Justiça e da Verdade.
Pelo contrário.
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