segunda-feira, janeiro 24, 2011

O contentinho da silva

Rui Tavares, deputado independente ao PE, pelo B.E. escreve crónicas regulares no Público. Hoje escreve uma de antologia pelo significado. Sobre as eleições que decorreram ontem, Rui Tavares extrapola para a beleza do acto em si mesmo, prelúdio das maravilhas do sistema democrático e porventura finalidade do mesmo. As nossas eleições e sistema que as consagra, para Rui Tavares, são a oitava maravilha do sistema democrático, tal como o conhecemos. Mesmo sendo um sistema em que os mesmos de sempre são sempre eleitos, pelos mesmos partidos de sempre, numa perversão democrática que segrega oligarquias e castas políticas, Rui Tavares sente-se como um dos apaniguados do regime que se baseia em eleições e na legitimidade do voto que escolhe representantes do povo, apresentados a este, previamente, pelos partidos.
Foi assim que Rui Tavares conseguiu a quase sinecura em Bruxelas que lhe permite a magnanimidade de ser mecenas de pequenos bolseiros que aspiram a mestrados e doutoramentos para serem, também eles, parte deste sistema eleitoral de blocos. Um círculo virtuoso da democracia, tal como Rui Tavares a vive. Mas não como a entende...

Tavares escreve sobre o pai, nascido nos anos vinte e que viveu no tempo do "fassismo" em que não podia votar, mas aspirava ardentemente a tal benefício. Depois de contar uma historieta , de fazer chorar as pedras da calçada, passada nas semanas depois de 25 de Abril de 74, Tavares conta que... "Um ano depois [ do 25 de Abril] o meu pai, e espero que aquele homem também, votaram pela primeira vez numas eleições livres e justas."
Sem dúvida alguma que foram justíssimas porque concorreram às mesmas, as forças de esquerda, quase exclusivamente, porque até o CDS se dizia então, complexadamente envergonhado, como sendo "rigorosamente ao centro".
A direita deixou de existir politicamente no 25 de Abril de 74, a não ser para se vituperar por todos os males passados e vindouros, como "fassista", " reaccionária", "retrógrada", até mesmo ultramontana, porque para a esquerda os nomes contam e por isso definiu o léxico desde então, sem direito a revisão linguística. Mudou os nomes às coisas que lhe interessavam, mas esses não lhes tocou nem toca. A Esquerda portuguesa vive de nomes, apenas e por isso os reserva e resguarda, para liquidar, segregar e sonegar.
Assim, a "direita", definida pelos nomes da "esquerda", ficou arredada, "justamente" e "livremente" de todos os actos eleitorais, reservados aos progressistas e vencedores do regime que definem as regras democráticas.
Daí também a festividade de Rui Tavares e do pai que ontem votou, outra vez, " com a mão direita e num candidato de esquerda."

No mesmo jornal Público, António Barreto, não é tão entusiástico e o retrato que faz do regime é pouco contentamento, mesmo e apesar das eleições "livres":

"O Governo, refém iterna e externamente, administra a democracia como quem preside ao saque do Estado: na economia, satisfaz, para além das exigências do país, os interesses económicos; na sociedade, distribui, mesmo sem os recursos necessários, a protecção social. Enquanto houve crescimento económico, rendimentos e crédito externo, o Governo e os seus partidos alimentaram a democracia com aquela distribuição, compatibilizando assim as mais absurdas, socialistas e sectárias políticas sociais e de saúde, educação e segurança social, com as mais predadoras e vorazes iniciativas capitalistas. Os recursos financeiros esgotaram. O crescimento económico estagnou. O crédito evaporou-se. Pela primeira vez em trinta anos, a democracia portuguesa está em perigo, porque perdeu os seus instrumentos favoritos. A nossa democracia ligou-se perigosamente aos favores concedidos e à demagogia providencial. Sem esquecer o facto de que a confiança nas instituições políticas, públicas e judiciárias, essencial à liberdade, estiola."

Este requisitório contra a democracia deste regime, tal como o conhecemos e que é apenas um retrato impressionista da realidade que vivemos, tem a assinatura de um indivíduo que nunca se assumirá como sendo de direita. Portanto, é de esquerda.

Rui Tavares pode muito bem limpar as mãos à parede democrática em que deposita tantas esperanças por causa do voto. A mesma esquerda que dizia ser esse voto a arma do povo, fartou-se de disparar para os pés, com a ajuda preciosa de todos os ruis tavares contentinhos da silva por votarem em "liberdade".
Com uma agravante de vulto: aqueles em quem depositaram a confiança do seu voto, a tal esquerda clássica, pura e dura, se tivessem a maioria necessária para governar e mandar, não demorariam sequer o tempo de outras eleições para eliminarem todas as veleidades das liberdades a que chamam "burguesas". E fariam pior, muito pior do que aqueles que vituperavam por não os deixarem votar livremente nos que lhes retirariam a liberdade completa e os mandariam para campos de reeducação ou asilos psiquiátricos.
Se calhar, estes líricos da Esquerda precisavam de uma experiência assim, para perderem de vez as ilusões sobre os amanhãs a cantar.

Às vezes só pergunto a mim mesmo, como pessoas minimamente inteligentes e que acabaram cursos superiores acreditam neste tipo de pais natais.

Questuber! Mais um escândalo!