domingo, janeiro 09, 2011

Elevação no Supremo

Esta crónica do juiz-desembargador jubilado Narciso Machado foi publicada no Público no mês de Dezembro passado. Vinha na sequência de uma outra, visando pessoalmente o presidente do STJ, Noronha Nascimento. Narciso Machado, na crónica de Novembro de 2009 era particularmente violento na apreciação do papel de Noronha, enquanto vice-presidente do STJ, na altura, na eleição para o primeiro presidente do tribunal da Relação de Guimarães. As vicissitudes dessa eleição , já com oito anos em cima, continuam a merecer a atenção desses dois juizes de tribunais superiores.

Agora, em, Dezembro de 2010, aquele desembargador volta à carga contra Noronha, por causa da atitude deste, pública, em desmerecer os comentários dos media ao facto de o tribunal Europeu dos Direitos do Homem ter condenado o Estado português, devido a uma decisão do STJ, sobre liberdade de expressão. A crónica de Narciso pode ler-se aqui:


Agora, passado quase um mês, Noronha responde ao assunto, repescando a crónica daquele de há mais de um ano, já esquecida e porventura nunca lida por quem não se interessa sobre as tricas das eleições para juiz presidente de Relação. Pode ler-se a violência do escrito de Noronha, no Público de hoje, assinando como "presidente do STJ", com punhos de renda estilística que ressuma hostilidade ad hominem por todas as virgulas. Uma violência bem maior, no meu entender, do que a de outros escritos que mereceram acções cíveis de indemnização...

Em complemento destes fait-divers, importa talvez trazer à colação o editorial de José Manuel Fernandes a que o presidente do STJ se refere, na sequência do processo cível que instaurou contra aquele, ( a decidir pelos tribunais) em que pede a modesta soma de 150 mil euros, para lavar a sua honra poluída nesse editorial.

O que dizia esse editorial, de tão gravoso e acintoso para a quarta figura institucional do Estado? Entre outras coisas, isto:

"Querem um símbolo, um expoente, um sinónimo, dos males da justiça portuguesa? É fácil: basta citar o nome da Noronha de Nascimento e tudo o que de mal se pensa sobre corporativismo, conservadorismo, atavismo, manipulação, jogos de sombras e de influências, vem-nos imediatamente à cabeça.
O juiz - porque é de um juiz de que se trata - é um homem tão inteligente como maquiavélico. Anos a fio, primeiro na Associação Sindical dos Juízes, depois no Conselho Superior da Magistratura, por fim no Supremo Tribunal de Justiça, esta figura de que a maioria dos portugueses nunca ouviu falar foi tecendo uma teia de ligações, de promiscuidades, de favores e de empenhos (há um nome mais feio, mas evito-o) que lhe assegurou que ontem conseguisse espetar na sua melena algo desgrenhada a pena de pavão que lhe faltava: ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O lugar pouco vale (quem, entre os leitores, sabe dizer quem é o actual presidente daquele tribunal, formalmente a terceira figura do Estado?). Dá umas prebendas, porventura algumas mordomias, acrescenta uns galões, mas pouco poder efectivo tem. "
Onde reside, neste escrito de José Manuel Fernandes, então director do Público, o animus injuriandi, necessário a qualquer culpa mesmo cível porque a liberdade de expressão se joga nesse limiar?
Em imputações de factos? Nem por isso, a não ser a alusão a supostas "manipulação, jogos de sombras e de influências". Tal tipo de alusões, de igual modo e em concreto, mas com linguagem mais suave, foi referido na crónica de Narciso Machado de que Noronha agora se queixa, com mais de um ano em cima. Nessa crónica espelha-se um putativo processo eleitoral manipulado ab initio. Não consta que tenha havido acção cível contra Narciso...

E onde residirá mais, no escrito de JMF, o corpo de delito cível? Nas expressões que imputa ao pSTJ de que " foi tecendo uma teia de ligações, de promiscuidades, de favores e de empenhos (há um nome mais feio, mas evito-o)". E isso para quê? Diz JMF em remate: para ser califa no lugar do califa, perdão, presidente do STJ no lugar do cessante.
Serão insultos à honra pública ou privada do presidente do STJ, estas expressões? Noronha, naturalmente entende que sim. Como entenderá de igual modo escritos como este. Aqueles que entretanto vai produzindo, esses, são o exercício legítimo de uma defesa da honra em direito de resposta. Mesmo que tenham uma dimensão linguística e semântica de violência pelo menos idêntica à daquela que se queixa, Noronha, como toda a gente, não é bom juiz em causa própria.

Mas então continuemos. Como é por via eleitoral interna, que se alcança o lugar de pSTJ, é natural, corriqueiro, banal, público, conhecido e admissível que o concorrente ao lugar faça uma perninha de campanha eleitoral. Precisamente "tecendo uma teia de ligações, de promiscuidades, de favores e de empenhos", sem conotações desprimorosas nesse contexto, com vista ao desiderato final e no caso concreto alcançado: ser presidente do STJ.

Um cargo que JMF desvalorizava institucionalmente ( em 2006) mas cuja visibilidade mais assinalável foi notória nos despachos sobre as escutas do Face Oculta em que interveio o primeiro-ministro. Despachos que passaram por cima de teorias firmes sobre os conhecimentos fortuitos em processo penal, para assegurar hic et nunc que o primeiro-ministro é um santo politicamente afastado da área criminal.

Ficou por aqui o papel público de Noronha Nascimento, sobre a política caseira? Não. Como já se deu conta por aqui, o presidente do STJ, em 2009, em plena época eleitoral ( no país e no STJ) " imputou à Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) uma interferência a nível político-partidário, com o objectivo de condicionar as eleições legislativas, através da declaração pública sobre a decisão do CSM suspender a classificação de serviço do juiz Rui Teixeira, até que esteja decidido a acção cível relativa à indemnização pedida ao Estado por um político do PS.
Na resposta a Noronha Nascimento, António Martins, presidente da ASJP , afirmou a falsidade dessas imputações de Noronha Nascimento e devolveu ao mesmo a acusação de não saber estar à altura do cargo que ocupa ( frase divulgada ontem , nestes termos, pelo sapo -notícias e que afinal é falsa, segundo a própria fonte, citada aqui) .

Depois destes factos e circunstâncias, entender o actual presidente do STJ é seguramente mais fácil, a meu ver. E o tribunal que tiver que decidir a acção cível de 150 mil euros, deve apenas fazer uma coisa no meu modesto entender: condenar o peticionante em litigância de...fait-divers.

A honra e a consideração são outra coisa.

E há ainda outra perspectiva. O presidente do STJ é, assumidamente pelo próprio, a quarta figura institucional do Estado. As demais são o presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro.
Tomemos cada uma dessas figuras em particular e em concreto e indaguemos aleatoriamente no Google, por expressões desprimorosas que os atingem na honra e consideração.
Melhor ainda: atinjamos com aquelas expressões cada uma daquelas figuras, escritas em editorial do Público.
Alguma delas, no seu perfeito juízo institucional, seria capaz de accionar civilmente o autor das mesmas, por ofensa à honra e consideração pedindo uma indemnização de 150 mil euros, sabendo perfeitamente que nenhuma tribunal a concederia nesse montante ( o que o presidente do STJ sabe ainda melhor e daí a tal litigância...)?

Não seria, porque lhes cairia em cima o Carmo e a Trindade da opinião pública.

Então porque não caiu o céu em cima da cabeça de Noronha Nascimento? Provavelmente porque vivemos num país de banda desenhada, com a agravante de não termos nenhuma Astérix. Só bardos .

Questuber! Mais um escândalo!