

Ontem passaram 40 anos sobre o dia em que Vilar de Mouros, uma aldeia do Alto Minho, viu a realização do festival com o nome da aldeia. Um festival de música de todos os géneros e que nos dias 7 e 8 de Agosto de 1971, tinha no programa nomes como Manfred Mann e Elton John, já conhecido e ainda antes dos seus sucessos posteriores em discos de qualidade indiscutível. A responsabilidade do evento coube à ideia de um médico da localidade e a trabalhar no Porto, António Barge.
O jornal i de ontem dedicou duas páginas à efeméride e entrevistou Tozé Brito, um dos protagonistas de um grupo português, bem conhecido na época, o Quarteto 1111 de José Cid. Tozé Brito focou um aspecto interessante do acontecimento:
"Estávamos na prè-história dos festivais, o Woodstock tinha sido dois anos antes e nunca se tinha visto nada assim em Portugal. Foi um momento mágico de liberdade controlada. A PIDE estava por lá mas não interferiu. Sentia-se o cheiro da marijuana, vi pessoas a tomarem banho nus no rio e a polícia não fez nada para impedir. "
E pronto, lá tinha que vir a PIDE ao barulho. E o cheiro a marijuana em 1971 é capaz de ser um pouco exagerado...porque cheiro a sério houve, mas em 1982, por ocasião do segundo festival a sério no local, com a presença dos U2 e dos Jáfumega que deram um concerto memorável. Em 1971 a marijuana, em Portugal era apenas uma ideia veiculada pelos media lá de fora. E a droga leve veio depois, muito depois com os retornados das províncias ultramarinas, lá para 1975 e por aí. Breve: em Vilar de Mouros, em Agosto de 1971, Tozé Brito não cheirou marijuana assim e provavelmente confundiu assado.
Tozé Brito além disso, acentua outro aspecto de História revisitada: " Sabíamos que não podíamos ser contestatários, mas queríamos abanar o público por isso cantamos a música "GLory. Glory, Hallelluia! que se tornou o hino contra a escravatura"
Ora bem: o Quarteto 1111 nunca fez mal a uma mosca política. As músicas da época eram perfeitamente inócuas e mesmo a celebrada Lenda de El- rei dom Sebastião pouco incomodava o regime. Portanto, temos mais revisionismo histórico. [revejo a posição: Domingo em Bidonville, uma alusão à emigração nos anos sessenta foi um incómodo para o regime e a Censura não esteve desatenta. Ainda há outros temas que o Quarteto 1111 compôs e que incomodaram a censura, pelo que revejo o revisionismo, nesse aspecto. Mas há outro: o Quarteto 1111 foi inovador, na época, mas em Vilar de Mouros não se notava nada. E o crítico da Mundo da Canção ( Tito Lívio, outro esquerdista) escrevia assim sobre a prestação do grupo: " 1111- nada a acrescentar ao que já dele sabíamos: o virtuosismo de José Cid ( piano e órgão) o Tó Zé Brito ( baixo), a demagogia triunfante de José Cid- a importação de esquemas estrangeiros: o entoar em coro "Glory Glory Aleluia" ( muitas palmas- injustificadas- do público facilmente ludibriado )].
Então pode perguntar-se como é que os media da época trataram o assunto. Uma coisa é certa: televisão, mesmo a preto e branco, não houve. Imagens no mesmo tom houve muitas nos jornais dos dias seguintes e revistas de música que então existiam, melhores que os de hoje.
O Mundo da Canção, saído algumas semanas depois, lidava com o assunto de um modo muito crítico. "Apatia" do público, " incipiência " de alguns grupos portugueses ( os "Celos" de Barcelos, que integravam um actual conselheiro do STA entretanto jubilado...foram dizimados pelo crítico Tito Lívio) e crítica sem concessões à música e apreciação do ambiente de bastidores em que os repórteres fotográficos "tiveram uma liberdade de movimentos que chegou a tocar as raias do exagero-pouco faltou para fotografarem a laringe do Elton!"
Outro jornal, quinzenal, o Disco Música & moda, dirigido na época por A. de Carvalho, o nosso conhecido político Ruben de Carvalho, do PCP ( a que possivelmente já pertencia na época) "desbastou" ( é o termo) no número da última quinzena de Agosto desse ano o esforço heróico do Dr. António Barge e no número seguinte fez-lhe uma entrevista em que o mesmo se explicou de tal forma que o jornal deu o braço a torcer e quase pediu desculpa da insolência.
Resta dizer o seguinte: os artigos, tanto da Mundo da Canção como do Disco, mesmo com Censura prévia são muito mais bem escritos do que os que hoje se escrevem sobre festivais.
O jornal i de ontem dedicou duas páginas à efeméride e entrevistou Tozé Brito, um dos protagonistas de um grupo português, bem conhecido na época, o Quarteto 1111 de José Cid. Tozé Brito focou um aspecto interessante do acontecimento:
"Estávamos na prè-história dos festivais, o Woodstock tinha sido dois anos antes e nunca se tinha visto nada assim em Portugal. Foi um momento mágico de liberdade controlada. A PIDE estava por lá mas não interferiu. Sentia-se o cheiro da marijuana, vi pessoas a tomarem banho nus no rio e a polícia não fez nada para impedir. "
E pronto, lá tinha que vir a PIDE ao barulho. E o cheiro a marijuana em 1971 é capaz de ser um pouco exagerado...porque cheiro a sério houve, mas em 1982, por ocasião do segundo festival a sério no local, com a presença dos U2 e dos Jáfumega que deram um concerto memorável. Em 1971 a marijuana, em Portugal era apenas uma ideia veiculada pelos media lá de fora. E a droga leve veio depois, muito depois com os retornados das províncias ultramarinas, lá para 1975 e por aí. Breve: em Vilar de Mouros, em Agosto de 1971, Tozé Brito não cheirou marijuana assim e provavelmente confundiu assado.
Tozé Brito além disso, acentua outro aspecto de História revisitada: " Sabíamos que não podíamos ser contestatários, mas queríamos abanar o público por isso cantamos a música "GLory. Glory, Hallelluia! que se tornou o hino contra a escravatura"
Ora bem: o Quarteto 1111 nunca fez mal a uma mosca política. As músicas da época eram perfeitamente inócuas e mesmo a celebrada Lenda de El- rei dom Sebastião pouco incomodava o regime. Portanto, temos mais revisionismo histórico. [revejo a posição: Domingo em Bidonville, uma alusão à emigração nos anos sessenta foi um incómodo para o regime e a Censura não esteve desatenta. Ainda há outros temas que o Quarteto 1111 compôs e que incomodaram a censura, pelo que revejo o revisionismo, nesse aspecto. Mas há outro: o Quarteto 1111 foi inovador, na época, mas em Vilar de Mouros não se notava nada. E o crítico da Mundo da Canção ( Tito Lívio, outro esquerdista) escrevia assim sobre a prestação do grupo: " 1111- nada a acrescentar ao que já dele sabíamos: o virtuosismo de José Cid ( piano e órgão) o Tó Zé Brito ( baixo), a demagogia triunfante de José Cid- a importação de esquemas estrangeiros: o entoar em coro "Glory Glory Aleluia" ( muitas palmas- injustificadas- do público facilmente ludibriado )].
Então pode perguntar-se como é que os media da época trataram o assunto. Uma coisa é certa: televisão, mesmo a preto e branco, não houve. Imagens no mesmo tom houve muitas nos jornais dos dias seguintes e revistas de música que então existiam, melhores que os de hoje.
O Mundo da Canção, saído algumas semanas depois, lidava com o assunto de um modo muito crítico. "Apatia" do público, " incipiência " de alguns grupos portugueses ( os "Celos" de Barcelos, que integravam um actual conselheiro do STA entretanto jubilado...foram dizimados pelo crítico Tito Lívio) e crítica sem concessões à música e apreciação do ambiente de bastidores em que os repórteres fotográficos "tiveram uma liberdade de movimentos que chegou a tocar as raias do exagero-pouco faltou para fotografarem a laringe do Elton!"
Outro jornal, quinzenal, o Disco Música & moda, dirigido na época por A. de Carvalho, o nosso conhecido político Ruben de Carvalho, do PCP ( a que possivelmente já pertencia na época) "desbastou" ( é o termo) no número da última quinzena de Agosto desse ano o esforço heróico do Dr. António Barge e no número seguinte fez-lhe uma entrevista em que o mesmo se explicou de tal forma que o jornal deu o braço a torcer e quase pediu desculpa da insolência.
Resta dizer o seguinte: os artigos, tanto da Mundo da Canção como do Disco, mesmo com Censura prévia são muito mais bem escritos do que os que hoje se escrevem sobre festivais.


Na entrevista do jornal Disco de 1 de Setembro de 1971, o dr. António Barge foi confrontado pelo entrevistador Bernardo de Brito e Cunha com a circunstância de ter faltado pão na aldeia, no Domingo dia 8 de Agosto. E perguntava ao médico "não houve alguém da organização que fosse a Viana comprar pão? ", ao que o médico respondia assim, num retrato fresco de época:
"Houve, de facto, um curto-circuito na padaria e tudo tinha sido resolvido se tivéssemos uma Comissão encarregada de Abastecimentos. Metia-se numa carrinha e ia buscar pão a outra zona. A Viana, por exemplo."
Torna-se curioso saber que nessa altura, ao Domingo não havia perto de Vilar de Mouros que fica no concelho de Caminha, perto de Valença, uma única padaria capaz de abastecer a procura desse produto essencial. A alternativa viável que nem o foi sequer por carência de meios da organização, passaria por o ir buscar a mais de vinte quilómetros, em Viana do Castelo, onde as padarias poderiam funcionar ao Domingo. Perante a alusão do entrevistador sobre se " na falta de carrinha, não havia carros, ao menos?" o médico respondia que " Carros havia. E quem ia nos carros? Nós não podíamos abandonar aquilo. É como lhe digo: ninguém soube aproveitar aquilo e nós não o pudemos fazer. Mas quem tivesse montado uma tenda do lado de fora, com pão e salsichas, tinha ganho uma pequena fortuna."
Perante a "apatia" do público observada também pelo Mundo da Canção, o médico tentava explicar:
"Eu vejo as coisas deste modo: tenho a impressão que o público talvez não tenha gostado dos conjuntos. Mas creio que não foi essa a verdadeira razão. Eu creio que o que houve foi uma certa maturidade, sem aqueles histerismos que não fazem falta nenhuma. Creio que o público se manifestou o suficiente, digamos assim. Antes isso, que chegar àqueles excessos que por vezes vemos, quando há esses concursos aí nos cinemas."
Este fenómeno da "apatia" é muito interessante e revela efectivamente uma certa maturidade dos jovens de 1971, hoje na casa dos 50-60. A Seriedade social reflectia-se no comportamento individual e digo isto com conhecimento de causa.
Aquela malta não embarcava em qualquer euforia musical e era mais contida emocionalmente que a juventude de hoje. E mesmo Elton John, um artista em franca ascensão e então com dois ou três êxitos de qualidade ( Border song e Your song e principalmente Friends, do filme do mesmo nome) não teve direito a aplausos ululantes como hoje em dia são vulgares.
Não obstante, não falta quem revisite esse tempo de outrora interpretando a tal "apatia" como um fenómeno derivado do fassismo e da repressão...divergindo da opinião de época do Dr. Barge que me parece a mais correcta.
Esta particular memória desse tempo só pode ser revisitada por quem o viveu.