Junho-Julho de 2009:
Em plena campanha prè-eleitoral para umas eleições legislativas que se afiguravam renhidas, após os resultados de umas europeias, surgiu um facto numa investigação criminal em curso: o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, foi "apanhado" a falar ao telefone com um suspeito nessa investigação. A escuta fortuita, cujo especialista maior nestes assuntos considera válida, revelava a participação activa do primeiro-ministro em subverter a ordem económica dos media portugueses, conluiado com alguns indivíduos da sua entourage política. As escutas revelavam que o mesmo sabia de um negócio que se aprontava por aqueles dias relacionado com a aquisição de uma estação de tv e outros media. Uma operação em grande, com vários milhões envolvidos e empresas em que o Estado participava através de acções preferênciais que lhe davam poder de decisão em algumas matérias. Os gestores dessas empresas mostraram-se não apenas coniventes mas actores principais no que dois magistrados consideraram ser um crime de atentado ao Estado de Direito.
O caso veio a ser denunciado meses depois, pelo jornal Sol, após as eleições em que o mesmo primeiro-ministro voltou a ganhar numa vitória que considerou na própria noite eleitoral como "extraordinária".
O jornal Sol publicou excertos das conversas telefónicas escutadas e que serviram de suporte material e fáctico para os mandados de busca que então se efectuaram. O jornal não aproveitou qualquer "fuga de informação" indevida, qualquer dica de toupeira ou qualquer ilegalidade violadora de segredo de Estado. Apanhou cópia do mandado e publicou o que entendeu. Avisou que iria continuar a publicar e um dos visados interpôs logo uma providência cautelar que um juiz entendeu deferir, impedino ipso facto a publicação de mais informação na semana seguinte.
A partir daí o caso, para os restantes media, virou-se em novela jornalística. O atentado ao Estado de Direito deixou de ter importância, nenhum jornalista, mormente do Público, rasgou vestes de indignação democrática por ter um primeiro ministro criminoso em suspeita de crime grave e pelo contrário passou a defender a vítima da cabala jornalística.
O jornal, accionado por um dos visados e politicamente conluiados com o primeiro-ministro, foi condenado civilmente numa acção quase inédita e num tempo quase record, num montante de indemnização quase faraminoso e despudorado. Ninguém do Público levantou um dedo para assinalar o escândalo democrático.
Agosto de 2010 e 2011:
Um semanário dirigido por quem é, através de investigação que viola regras democráticas relacionadas com o segredo de Estado, cometendo abertamente um crime grave, publicou notícias sobre um serviço de informações em que revelou o nome de um agente secreto e acabou por contar que alguém, no interior desse serviço, espiolhou a lista de telefonemas que um jornalista do Público fez num período de quase um mês, em Julho-Agosto de 2010, para tentar descobrir quem seria o violador de segredo de Estado no interior do serviço, com suspeita que fosse um agente dos mesmos serviços.
Como esse acto não foi autorizado por nenhum juiz e nem sequer no âmbito de algum processo criminal, o facto constitui em si mesmo um crime punido com uma pena quase simbólica no ordenamento jurídico português.
Mas...nuance! A vítima, no caso, foi um jornalista!
Aqui d´el rei! Violaram o sacrossanto direito à liberdade de informação? Crime gravíssimo! Exige-se investigação, já! Imperdoável, "inaceitável"!
No caso de 2009, conhecido após a vitória eleitoral do suspeito criminoso, a coisa ficou pelo fait-divers, pela novela jornalística do costume e ninguém do Pùblico levantou um dedo para escrever no teclado o mesmo tipo de indignação que agora manifestam, a propósito do escândalo do Sol e da sua condenação injusta. Essa condenação, como qualquer jornalista muito bem sabe, foi o maior atentado à liberdade de informação que se verificou em Portugal em todos os anos de democracia- e meço bem as palavras.
O condicionamento mental dos jornalistas depois dessa condenação judicial do Sol é revelador do medo que passaram a sentir em serem alvos de acções disparatadas do género, acolhidas de braços abertos pelo nosso ordenamento jurídico. Uma condenação cível como o Sol foi alvo no âmbito daquele contexto é uma sentença de morte jornalística. E por que factos? Os que se conhecem e tinham a ver com uma denúncia legítima de atentado ao Estado de Direito cometido por um primeiro-ministro. Apesar disso, o Público desvalorizou, ignorou contextualizou e assobiou para o lado. Jornalismo, isto ? Sim- de causas, mas não da liberdade de informação, como agora pretendem.
Provavelmente daqui a uns anos o TEDH vai dizer que assim é, se tal lhe foi submetido para apreciação o que até isso é duvidoso, perante os factos conhecidos. Mas deveria ser por imperativo maior.
Agora rasgam as vestes, mesmo sabendo que o crime de violação de segredo de Estado, que se verificou e foi eventualmente cometido pelo director do Expresso, punido com uma pena grave, de prisão, nem tem comparação com o crime que é imputado ao agente do serviço de informação, no caso de investigação do eventual autor daqueloutro.
Mais: pode nem ser o SIED o responsável pelo facto mas apenas um agente tresmalhado, dependente não se sabe bem de quem...e pode até suceder que a acção de vigilância criminosa sobre os telefonemas do jornalista possa estar juridicamente justificada com a ponderação de interesses e valores em causa: num estado de necessidade, desculpa-se o crime se o interesse concretamente a proteger for superior ao violado.
Por outro lado, tudo isto sucedeu em Agosto de 2010. Em plena governação do tal primeiro-ministro cujo Público sempre protegeu politicamente.
Maior desfaçatez jornalística e hipocrisia misturada é difícil de encontrar. O que se encontra às carradas de letras impressas botadas ao desbarato é a indignação de um putativo atentado à liberdade de informação, quando deixaram escapar impune e sem igual indignação o atentado maior ao Estado de Direito.
P.S. O editorial do Público de hoje tem laivos de surrealismo jornalístico. Compara o facto de um eventual agente do SIED ter espiolhado a lista de telefonemas de um jornalista do Público aos escândalos do News of the World.
Para o editorial do Público, o caso " trouxe à luz do dia sinais preocupantes de que há gente nas secretas portuguesas que está mais preocupada em espiar jornalistas do que em detectar ameaças à segurança do Estado."
Repare-se: a preocupação com a segurança do Estado prende-se exactamente com o facto de o agente do SIED ter espiolhado a lista dos telefonemas, precisamente para evitar que continuassem a ser passadas informações a um jornalista que constituem eventuais segredos de Estado.
O que o agente do SIED terá feito, cometendo um crime, tem a ver com a prevenção de outro de gravidade maior. Quanto a mim, tal é suficiente para desculpar essa actuação no âmbito criminal, por força das regras democráticas que o editorial do Público mistifica mais uma vez, preocupado, isso sim, em proteger a corporação, estendendo antonomasicamente a toda uma classe um facto que pode muito bem estar justificadíssimo.
"Sejamos claros. O que se passou com os registos telefónicos de Nuno Simas é um atentado à liberdade de imprensa e ao direito de reserva de fonte dos jornalistas, valores que estão consagrados constitucionalmente".
Pois estarão. Tal como está a inviolabilidade das comunicações privadas ( artº 34º CRP) que o Expresso também violou dolosamente e tal como está consagrada a regulação da comunicação social para assegurar a independência do poder político e económico o que é uma perfeita miragem no caso do Público e do Expresso.
O editorial do Público entende que tal acontecimento "é um problema de toda a sociedade, da democracia e da transparência das relações entre o poder e os media." Pois será mesmo, mas não apenas na perspectiva redutora e corporativista do Público.
"Uma democracia vive do respeito pelas regras e pelos valores". Exactamente. Detectar no seio de um organismo de informações, vulgo "secreta", uma toupeira que pode andar a divulgar segredos de Estado aos jornalistas, pode implicar a vigilância dos jornalistas. E tal se constituir crime, como de facto poderá ter acontecido, pode ficar justificado pela ponderação dos valores em jogo.
O jornalismo publicou o que entendeu, violando segredos de Estado ( nomes de agentes, por exemplo). O jornalismo cometeu um crime e o seu autor ( Ricardo Costa) não está "muito preocupado". Julga porventura que a este tipo de jornalismo, em democracia e por força do tal princípio constitucional, tudo lhe pode ser permitido, esquecendo os demais princípios constitucionais que lho proibem.
Os serviços ou alguém desligado oficiosamente dos mesmos, tentaram averiguar quem seria o autor desse crime.
Não o poderiam fazer no âmbito de um processo penal precisamente porque há matérias que são urgentes e podem justificar-se desse modo, mesmo cometendo crimes cuja gravidade não se compara com a que se pretende combater e por isso mesmo têm de se contextualizar e justificar.
O Público não entende isto e rasga umas vestes fictícias com que se adornou.
É apenas mais um sinal de um desentendimento da democracia em prol de corporativismos inadmissíveis.
Para o Público, a monitorização de uma lista de telefonemas de um jornalista, a propósito da prática de um crime, por este, de violação de segredos de Estado é mais grave do que a própria violação em si desses mesmos segredos.
Porém, a única questão que o Público deveria colocar é outra: porque é que os serviços secretos não devem ter esse direito, se o ministério público e as polícias o têm?
Finalmente, a prova de que este tipo de jornalismo nada tem a ver com a liberdade de imprensa ou outros valores atendíveis, reside na motivação de tudo isto. O Expresso só pegou neste caso por um simples e único motivo: a Impresa e o seu patrão, putativos totens do jornalismo português, aliados objectivos, sempre, do poder que está, andam à rasca e em risco de falência e toparam que uma outra empresa se serviu, legalmente, de elementos dos serviços de informações para melhorar a sua performance económica. Tal como outros o fizeram antes, e que o Expresso nunca denunciou como escândalo como agora o pretende fazer ( Dias Loureiro contratou Daniel Sanches e Ladeiro Monteiro para a Plêiade e o Expresso só não fez o mesmo porque não precisou ou não pôde). Hipócritas? Tudo aponta nesse sentido.
O jornal Expresso, por incumbência explícita ou tácita do seu patrão, entrou numa guerra económica com outra empresa e é por isso que andam a publicar cretinices há uma data de tempo.
É essa a única razão para a campanha em prol da liberdade de imprensa. E o Público acaba de se prestar ao frete.
14 comentários:
Caro José,
Considero oportuno reler-se o artigo do Francisco d’Almeida no “O Operacional” (site abaixo indicado), no ano de 2009.
Parecia estar já a adivinhar o que se poderia vir a verificar.
Neste artigo levantou questões incómodas para vários actores institucionais do nosso país. Como dizia o administrador daquele blog: "Quanto mais depressa todos ficarmos a saber as respostas, melhor para Portugal para os portugueses e para a qualidade do regime".
http://www.operacional.pt/afinal-quem-nos-escuta/
Ao que ouvi e li hoje, vai competir ao Primeiro Ministro autorizar a eventual quebra de segredo de estado dos implicados nests caso.
Curioso, aos jornalistas ninguém pode obrigar a "dar com a língua nos dentes", aaos segredos de estado e aos agentes de espionagem, tudo depende da vontade do PM. Aí vem mais uma machadada na segurança de Portugal. Vale uma aposta?
só tem impacto o que a tv denuncia.
os jornais já não servem nem para fins pouco higiénicos
esta 'republiqueta' continua a ser um nojo donde dá prazer partir para a
'diás-porra!'
resta-nos Nemesis, a deusa da indignação
Os " jornalistas", continuam a fazer fretes. Será que também, se sentem "viuvas do socrates". Uns moços de recados, com memória curta.
Diga isto ao palonço do jmf 57
zazie
Apareceu no meu Buzz!
Quem é que apareceu onde, karocha?
zazie
O JMF apareceu no meu buzz, como só lá entra quem eu autorizo...
E o que é um buzz, Karocha? V.s têm cada maquineta com nomes malucos...
zazie
É o google Buzz, você pode ser seguidora,ou ser dona dele, como eu.
Qualquer post que eu faça vai imediatamente para o buzz, se você quiser ser minha seguidora,pede e eu digo sim ou não.
zazie
E como no facebook, tenho poucos amigos e teem a ver com a minha profissão,no outro dia apareceram vários a quem não pedi amizade!!!
Ah, ok.
Deve ter sido o momento em que sentiu mayor do buzz-da-karochinha.
ehehehhe
Enviar um comentário