A polémica sobre o estatuto do Estado Novo, aberta com um
artigo de um tal Manuel Loff, continua
no Público de hoje. Desta vez, em defesa daquele, atacando Rui Ramos, intervém um tal Luís Reis Torgal, “professor
aposentado da faculdade de Letras da Univ. Coimbra”.
Reis Torgal em resumo e se li bem, entende que Rui Ramos não
escreveu verdadeiramente História, no seu livro sobre a História de Portugal, na
parte dedicada ao regime de
Salazar-Caetano.
“O grande erro de Rui Ramos, numa história de divulgação, é,
pois, pensar que esta é uma pura narrativa do que não se conhece bem, mas de
que se podem tirar ilações que interessam ao leitor e o podem orientar.”
E mais: “ A História não pode ser apenas interpretada por
sintomas e factos escolhidos previamente”.
Reis Torgal enumera então alguns dos “historiadores do
Estado Novo”, a saber, António Costa Pinto, Manuel de Lucena, Irene Flunser
Pimentel, Fernando Rosas” que foram em tempos entrevistados pela jornalista São José de Almeida a propósito do lançamento
do livro de Rui Ramos, em 2010. O artigo
de São José de Almeida titulava aliás que “ A História de Rui Ramos
desculpabiliza o Estado Novo”.
Não sou historiador, apenas diletante de matérias históricas
em que procuro saber o que outros pensam de fenómenos que ocorreram e que nem
sequer foram presenciados por muitos deles.
Os apontados “historiadores do Estado Novo” foram quase
todos contemporâneos do período histórico em causa. Participaram nele como
pessoas adultas com famílias integradas no chamado tecido social ( expressão sociologicamente
marcada) e viveram esse tempo como outros o viveram.
Será que se lembram do tempo vivido? E que vivido foi esse?
É comum ao da maioria para quem " a política era o trabalho"? Entendiam o regime como uma opressão constante ou o devir desse tempo era-lhes politicamente indiferente, porque nem sentiam o peso da repressão e a censura lhes era relativamente aceitável, no contexto europeu da época?
E se assim não era, como de facto acontece nos casos citados, como se pode historiar e contar a História de um tempo que foi sempre de contestação ao que era e estava politicamente e muitas vezes com vontade de violência política activa e militante, em prol de um outro regime ainda mais repressivo mas entendido como libertador? Que objectividade, credibilidade ou sapiência das coisas da vida, tem esta gente que assim viveu, contra a corrente e a favor de um reviralho que parecia nunca mais chegar?
Um historiador que foi preso nesse tempo, por esse regime de “Salazar-Caetano”,
por causa de ideias comunistas que punham em causa directamente esse regime e
que sabiam ser então ilegais e proscritas ( como hoje o é o fascismo puro,
explícito e politicamente situado) tem alguma distância objectiva para escrever
sobre esse tempo, a não ser numa perspectiva pessoal e intransmissível?
Um historiador dito do Estado Novo que foi perseguido
politicamente por esse regime vai escrever alguma vez História ou apenas a sua
história?
E se tal parece pacífico de perceber e aceitar por que razão
se dá tanta importância à História de um Fernando Rosas? Ou, no caso, de uma Irene Flunser Pimentel,
que está nas mesmas condições pessoais que Rosas, por ter sido, a própria ou a sua
família, alvo de perseguição políticanesse tempo?
Como disse a mesma Irene Flunser Pimentel a propósito de um
caso mediático em que se colocavam estas questões e mais algumas, “O julgamento
do historiador, ao contrário do do tribunal, diz Irene Pimentel, "não é
para condenar ou absolver, mas tentar compreender, entendendo sempre que isso
será provisório".
Ora se o julgamento do Historiador é para tentar
compreender, mesmo provisoriamente, como é que alguém que foi perseguido por um
regime político, por causa de ideias adversas e incompatíveis, pode ser
minimamente objectivo, para além dos factos pessoais que pode testemunhar e dar
conta, mesmo descontextualizados, como normalmente acontece? Mais: quem é que tinha razão história e de fundo a propósito dessas ideias peregrinas vindas do séc.XIX e entradas na civilização europeia por uma Revolução de um Outubro de 1917? E que reconversão ideológica fizeram estes historiadores que vilipendiam um regime que os perseguiu por essas mesmas ideias historicamente erradas? Combatem os métodos ou as ideias por detrás dos métodos do regime? Em nome de que outras ideias? As mesmas que defendiam antes?
O que valem os relatos históricos de um Rosas ou de uma
Pimentel ou mesmo de um Costa Pinto, antigo esquerdista reconvertido às
delícias de um certo poder político de bloco central?
Quanto a mim, valem quase nada, para além dos relatos
pessoais de factos ocorridos na primeira pessoa do singular. E tal pode ter
interesse para os próximos, ou como exemplo para se extrapolar. Mas nunca como
relato Histórico objectivo. E muito menos para com isso caracterizar um regime
que pode ter sido isso, muito mais que isso e coisa diversa disso.
Ou seja, o que esses pseudo-historiadores fazem é apenas
biografia. E nem sequer de qualidade porque apresentada a preto e branco, sem
tonalidades de cinzento ou vislumbre de cor.