Nas mesmas edições dos jornais de ontem há outra notícia comum e que tem lugar nos obituários: morreu Vítor Silva Tavares, um "editor radical", segundo o DN; um "editor livre" segundo o i; um " editor radical e o último dos resistentes" segundo o Público. O CM não o classifica porque o obituário ficou a cargo de dois colunistas, Eduardo Ralha ( "editor único") e Francisco José Viegas ("o criador da &etc") .
O Público anunciou na primeira página o panegírico em modo de obituário.
No interior dá quase duas páginas ao assunto do "último dos resistentes"...
E na última página até João Miguel Tavares acha que o falecido é digno de figurar nos anais do panteão da intelectualidade lusa.
O i não poderia fugir da onda e publicou também uma página.
E o DN nunca lhes ficaria atrás em assuntos deste teor...
Mas afinal quem era o falecido? O Público o disse: o último dos "resistentes". Resistentes a quê, afinal?
É preciso ler a "esquerda.net", para o perceber devidamente. E esta entrevista também. VST sempre foi um indivíduo de esquerda "radical" e fundou uma pequeníssima editora nos primeiros meses de 1974. a &etc, dada a publicações "alternativas" e de pendor esquerdista. Dois dos títulos são de antologia: " A cona de Irene" e "O bispo de Beja", cuja imagem se mostra mais abaixo. Devem ser livros interessantíssimos...mas a sorte desta gente foi sempre a estúpida censura. Até em Julho de 1980 apareceu tal estupidez à solta ( para proibir e apreender o tal Bispo de Beja, um panfleto escabroso abaixo de cão) e claro deu azo a vituperações à então AD etc e tal, ou seja & etc.
Como cidadão, andou por Angola, antes da guerra "colonial" e fez parte da "resistência" ao regime de Salazar/Caetano, activamente. Foi preso pela "PIDE" por actividades subversivas e depois do 25 de Abril fez eventualmente parte daquele núcleo de utópicos que acreditaram que os tais "radicais" associados a movimentos como os PRP, FP25 e quejandos poderiam alterar o status quo para algo que não se sabe bem o que seria. Há milhões de pessoas por esse mundo fora que sabem, excepto estes "últimos radicais", estes moicanos fora do tempo. A nostalgia dos tempos "revolucionários" em que "tudo era possível" é mais forte que a razão do senso comum.
Os "fascistas", a "extrema-direita", os "reaccionários" são o inimigo desta gente de valores esquerdistas e libertários fossilizados e por isso estimam os seus como objectos de culto, já com tendência para o desaparecimento e a rarificar, perante a ascensão do "neo-liberalismo" e do sistema que sempre combateram em nome de uma utopia desmesurada e irracional por natureza.
Geralmente gostam de viver bem, confortáveis, embora este fosse excepção porque era mais frugal. Vivia em Lisboa, no centro histórico e tinha ali tudo à mão. Por exemplo, boa comida. Tudo o que nunca teriam se o regime que defendiam fosse realmente a regra de lei no nosso país...
Este equívoco gigantesco e de proporções trágicas tem contribuído para o nosso atraso endémico nas últimas quatro décadas, mas continuam a porfiar em escavar mais fundo a utopia fossilizada.
À medida que estes indivíduos forem desaparecendo, irão surgir mais obituários como estes, todos iguais e todos diferentes.
Só me espanta aquela crónica de JMT, sem o condimento contextual de quem foi este falecido...mas enfim.
É por isso que o falecido é estimado, pelo Público e demais jornais de Lisboa, do modo que se pode ler. Por outro lado, há uma loja em Lisboa, na Calçada do Combro - Letra Livre- que lhe fez uma pequena homenagem em forma de livro aqui há uns tempos. O livro é uma pequena preciosidade gráfica assinada por Paulo da Costa Domingos. A meu ver e sem qualquer ironia do melhor que se pode fazer por esse mundo fora, incluindo a Itália.
Algumas páginas desse livro.