O MºPº de há uns anos, poucos, para cá, tornou-se mais eficaz no combate à criminalidade? É o que está por demonstrar.
Tornou-se mais visível, isso sim. Tornou-se mais popularizado através de alguns media, como os do grupo do Correio da Manhã que inaugurou em Portugal um estilo de jornalismo e reportagem que a meu ver tem maiores desvantagens que vantagens. Mas isso é assunto de negócio, números e nada mais. O grupo do CM procura sobreviver na selva mediática do país e de preferência em primeiro lugar, para ter lucros. A TVI já lhe apanhou os tiques e segue na peugada. A SIC não tem alternativa e a RTP1 tem sempre a Felgueirinhas que de vez em quando faz um magnífico trabalho, como no caso dos incêndios do Verão passado, mas já borrou completamente a pintura na investigação o caso "Rangel" do Sexta ás 9 de ontem.
Há uma atenção desmesurada ao MºPº na sociedade actual e que não se verifica noutras sociedades europeias e tal não significa necessariamente um bem. OMºPº deveria ser sempre discreto e nos últimos anos é exactamente o contrário que tem acontecido. Primeiro por se desconhecer o seu papel na sociedade e depois por se andar a conhecer cada vez melhor.
Para exemplificar um pouco o que pretendo dizer e que já fui dizendo por aqui ao longo de meses, o MºPº actual tem uma cadeia hierárquica que compreende as 4 procuradorias-gerais distritais, as coordenações das comarcas criadas na última reforma do governo de Passos Coelho e a repartição de especialidades, incluindo diaps avulsos por tudo quanto é comarca ( e são 23, no país) e departamentos especializados em investigação criminal sectorizada, com vista a uma "especialização". No centro desta organização está a PGR e o CSMP, verdadeira fonte de controlo de todo o mecanismo, através da gestão das carreiras e disciplina dos magistrados. Estará melhor do que estava?
Aparentemente sim, funcionará melhor, mais rápido e mais eficaz, numa primeira abordagem. Se se escavar um pouco mais fundo, as dúvidas começam a surgir e não são de boa catadura.
O perigo actual reside na vontade burocrática e hierarquizada pela obtenção de resultados que possam ser apresentados como positivos, garantindo prorrogações de nomeação nos cargos e um difuso prestígio para uma instituição que ainda nem se afirmou totalmente na sociedade em modo consensual.
Além disso, eue resultados são esses? Simples: mais acusações, mais condenações e mais penas de prisão. É este o discurso conceptual da Justiça, da eficácia uniforme, das "coordenações" que foram instauradas no MºPº há uns anos e carecem de regulamentação estatutária desde então. Funcionam à la minute, mas com eficácia conceptual, nesse aspecto.
Os elementos designados para as tais "coordenação" das 23 comarcas, obedecem hierarquica e servilmente às PGD´s, sem margem de autonomia ou sequer atrevimento alternativo. Cumprem ordens, instruções e indicações verbais, como sargentos na parada. Todos os meses ou quase têm que apresentar resultados burocráticos e o MºPº passou a funcionar assim, em todo o país.
Esta revolução silenciosa comporta riscos e o menor deles não será certamente a funcionarização e burocratização de procedimentos que os magistrados, tornados meros executores de ordens de serviço, adoptam como regra de conduta se querem classificações de serviço que lhes permita sonhar com promoções e o tal "prestígio" das classificações de mérito. Números e mais números são a chave. "Resultados".
Para mostrar os efeitos imediatos destes procedimentos apresento dois casos recentes. O primeiro é o do ministro Centeno.
Tudo começa com uma notícia de jornal, com repercussão imedita, online, sobre a pedincha, pelo ministro Centeno, de dois bilhetes para assistir a um jogo de futebol do seu clube e com o filho ao colo do favor. Escândalo, isto? Na capa do CM , sim. Politicamente, sem dúvida. E na PGD? Pelos vistos também, criminalmente, uma vez que a notícia fora apimentada com a menção nada gratuita a uma isenção de imposto que o filho do presidente do clube teria beneficiado. Os impostos dependem do ministro das Finanças, logo...inquérito criminal rápido, célere e arrimado com uma diligência fatal: em vez de se analisar e ponderar a eventualidade de crime, antes de se instaurar o inquérito fez-se o contrário e a PGR anunciou publicamente a instauração do dito o que é um primeiro erro fatal. Como sair do problema que começou a generalizar-se como sendo reflexo de uma perseguição estúpida porque imponderada?
Com outro passo em frente, numa busca ao ministério e respectivos computadores. Outro erro fatal.
O que se sabia antes como provável verificou-se e então mais outro passo em frente, errado como os demais: arquivar a correr para mostrar que acabou o pesadelo mediático, no último erro da cadeia. A cereja no topo deste bolo fora de prazo está nas declarações, ontem, da PGR a dizer que correu tudo dentro da normalidade...
O segundo caso é o que apresento conforme o Sol de hoje o apresenta:
Repare-se bem no "resultado" desta burocracia deprimente e derivada do novo modelo de MºPº: ainda durante o consulado do salafrário Sócrates, no ano de 2010, o sindicato dos juízes ( vulgo Associação Sindical) então presidido pelo valente António Martins, terçou forças com aquele executivo com vista a saber que benefícios teriam os governantes, derivados do uso quase indiscriminado de cartões de crédito profusamente distribuídos.
O assunto de base tinha a ver com discussões antigas sobre quem ganhava mais: se os magistrados se os políticos, o que se tornou casus belli na discussão do Orçamento de Estado para 2011.
O resultado desta diligência e deste terçar armas com um salafrário deu em batalha perdida e em guerra ganha, apenas em 2012, com a remessa de elementos ao MºPº para instauração de inquérito por suspeita de ilegalidades civis e criminais no uso de cartões de crédito, subsídios de residência e despesas de representação.
Portanto, desde 2012 que a saga, para a descoberta desse graal anda no MºPº de trás para a frente dos ofícios e contra ofícios e dos relatórios administrativos e outros.
O resultado? Este que agora se lê: o antigo secretário de Estado Conde Rodrigues terá comprado algumas dezenas de livros com dinheiro do Estado. E os livros, onde estão? Diz a notícia que como não estão no Ministério que era o sítio devido, o Secretário de Estado se mancomunou com quem los vendeu e ficou com eles. Foi mesmo? Ainda vamos ter surpresas. Alguém foi ver a casa do arguido se estão para lá em algum caixote ou estante, esquecidos e à espera que chamem por eles?
Por outro lado, há outro arguido pelo mesmo facto: o antigo Secretário de Estado José Magalhães, um provocador de meia tijela que decorou o gabinete público que fora temporariamente o seu com colunas e símbolos maçónicos ficou com cerca de 400 euros de livros, para si, comprados com o tal cartão...
Tirando estes "resultados" ( certamente apoiados em volumes e volumes de documentação em "apensos") parece que vai ainda haver outra investigação autónoma aos dinheiros gastos por outros suspeito, um tal João Manuel Gonçalves, por factos ocorridos entre 2005 e 2009... esperam-se "resultados" com a brevidade do costume.
Poderia comentar estes dois casos mas escuso-me porque são...ridículos. Se isto é o MºPº que temos actualmente, num espelho de investigação deste género, tenho vergonha.
Mas suspeito que quem investigou esteja até orgulhoso/a do feito. E isso é que me preocupa.
Para exemplificar melhor o que quero dizer e alcançar toda a dimensão da palavra "ridículo" para qualificar esta actuação do MºPº, conto um episódio da mesma altura que os factos que foram "investigados" no inquérito que a ASJP obrigou a abrir, certamente com a melhor das intenções, em 2012:
Em pleno consulado Sócrates, foi instaurado, em 2009, nos tribunais, o sistema Citius, o "Portal Citius" , invenção peregrina com anos e anos de atraso e que em alguns sectores continua ainda atrasado apesar de ter começado antes ( o SITEF, nos tribunais fiscais e administrativos...)
Durante meses e meses, os obreiros burocráticos do ministério da Justiça andaram pelas comarcas a explicar o que era a maravilha. Numa dessas vezes, apanhei-me no meio da explicação, por acaso, no tribunal da Relação de Guimarães, com toda a magistratura de topo local a assistir, mais os secretários de Estado respectivos, na altura um tal Silveira, filho de um antigo conselheiro do STJ.
No fim da explicação, cerca do meio-dia impunha-se o almocinho e tal já estava programado num restaurante local pelo pessoal da lojística governamental. Não sabia, mas acabei convidado, sem contar, para o repasto colectivo e aceitei emparceirar na mesa com comensais que tinham assistido à prelecção da manhã.
No fim do respasto, com várias dezenas de convivas e de categoria gastronómica condizente com o . estatuto do anfitreão, o Secretário de Estado da Justiça, ou seja, coisa que então não seria para menos de 30 euros por pessoa, preparava-me para encostar a barriga ao balcão. "Que não!, não era preciso, já estava tudo pago...". Tudo pago, interroguei-me e aos meus botões...e então eu e outros que aqui vieram por arrastamento e que foram arrebanhados por acaso também entram no "tudo pago"? Entramos...vários, mais de meia dúzia.
Era assim que se fazia nesse tempo. Certamente isto que foi um crime de peculato no qual terei participado inadvertidamente e de que não me sinto culpado, ficou de fora dos tais "resultados" obtidos pelo MºPº, agora, em 2018. Por falta de provas? Não, porque nem sequer cheiraram o esturro que tal significou e que pelos vistos era norma na altura, com aquela gente. Devem ter sido milhares e milhares de euros gastos assim, sem critério nem rigor.
Algum investigou isto? Não me parece...daí a inutilidade em investigar criminalmente factos deste género passados mais de dez anos sobre os mesmos.
Não é apenas inútil. É estúpido e jacobino.
Já agora e a talhe de foice porque me parece ainda a tempo:
Antes desse governo desse salfrário esteve outro, capitaneado pelo bravo Santana. Tinha o mesmo então um Secretário de Estado que vivia numa cidade do Norte. E que fazia para chegar a Lisboa, ido do Norte? Apanhava um avião no Porto. E quem o levava ao Porto? O motorista do ministério. E porque não seguia viagem pela auto-estrada que demora cerca de três horas a chegar, sem pirilampo ou batedor? Porque mesmo assim não lhe apetecia. Então, o motorita lá seguia pela auto-estrada solitário enquanto o governante atravessava os ares entre Porto e Lisboa. No fim de semana seguinte repetia-se tudo, ao contrário: o motorista levava Sua Excelência ao aeroporto de Lisboa e fazia-se ao caminho até ao Porto. De seguida, transportava o dito até casa e descansava o fim de semana...repetindo tudo depois. Isto durante o consulado do tal governo de Santana.
Que diferença entre os gastos exagerados dos cartões e isto?