Artigo de Nuno Crato ( seguidor do novo Acordo Ortográfico, hélas!) no Observador:
(...)
"Pela mesma altura, e com a presença também de responsáveis da OCDE,
houve uma discussão sobre o ensino que se revelou um ataque concertado à
avaliação dos conhecimentos. Sobre o pretexto de atualizar o sistema de
acesso ao ensino superior, retomaram-se os velhos e caducos argumentos
contra a avaliação dos estudantes.
É claro que pode fazer sentido atualizar o sistema de acesso ao ensino superior, e aí é preciso que se diga claramente como,
para se perceber se aparecem propostas novas, justas, equilibradas e
que permitam igualmente uma admissão com base no mérito. Mas só por
ingenuidade se pode acreditar que é isso que está em causa nas
intervenções dos últimos dias. Para a conclusão do Secundário montou-se
ao longo dos anos um sistema de avaliação externa e uniforme que é o
melhor que existe no país. Foi esse sistema que incentivou um rigor que
depois se transmitiu ao Básico, onde finalmente, em 2005, foram
introduzidos exames, e permitiu que Portugal começasse a subir nas
avaliações internacionais. A pressão tem sido sempre de cima para baixo:
para os alunos virem mais bem preparados, sempre mais bem preparados.
Não sejamos ingénuos: há quem não goste!
Fala-se também no “dilema”
de “ensinar para o mundo de amanhã ou para o exame nacional” O que
volta a ser absurdo. Como se o conhecimento fosse inimigo da preparação
para a vida!
Critica-se a existência de uma via facilitada para
alunos do ensino profissional, como antigamente existia e como parece
que se pretende voltar a fazer, mas será mais justo destruir todo o
sistema? Claro que o processo de admissão deve ser flexível, sem um
modelo igual para todos – mas as entradas em medicina não exigem já
exames diferentes dos de filosofia? Até onde deve ir a flexibilização?
Até cada um saber apenas aquilo que ele próprio acha que deve saber?
A
pressão para acabar com os exames aparece ainda justificada com a
pretensa flexibilização curricular. Mas a flexibilização curricular não é
nova. Ela apareceu em 2014
exatamente com os 25% de que agora se fala. Só que a flexibilização
original preservava as disciplinas essenciais, as metas e a avaliação:
cada escola podia seguir o caminho que pretendesse, desde que os seus
alunos alcançassem mínimos comuns, avaliados externamente. Só uma
flexibilização inimiga da exigência pode querer destruir essa avaliação
externa. E desmantelar a avaliação independente seria desonrar um
esforço de décadas para melhorar o ensino."
Este artigo segue-se a um outro de Homem-Cristo ( que não segue o novo Acordo Ortográfico, eh bien!), a defender o contrário...
Explique-se: o que está em causa não é acabar com os exames
nacionais. É, apenas, cortar a sua ligação com o acesso a cursos
superiores, tornando autónomos o ensino secundário e o ensino superior.
Assim, os exames manter-se-iam para validar a conclusão da escolaridade
obrigatória, e para aceder à universidade um outro modelo de acesso
seria implementado. Ou seja, o ponto está em substituir o triplamente
esgotado modelo de acesso ao ensino superior.
Primeiro, porque o
peso que os exames nacionais têm no acesso ao ensino superior (onde cada
décima conta) condiciona o ensino secundário e amarra-o a um guião
uniformizado – limita a autonomia nas escolas e impede o sistema de
gerar a diversidade pedagógica que os alunos precisam. Segundo, porque o
actual modelo se sustenta em desigualdades na avaliação, o que é
injusto para os alunos – por um lado, há alunos que ficam fora do curso
que desejam por 0,05 valores, por outro lado há escolas que
sobrevalorizam (ou subvalorizam) as classificações dos alunos,
resultando na injustiça de os alunos não concorrerem pelas vagas dos
cursos em igualdade de circunstâncias. Terceiro, porque o actual modelo
não foi gerado para abranger outras vias escolares e, hoje, está em
colisão com a consolidação do ensino profissional – que, com cerca de
50% dos alunos do secundário, criou uma espécie de modelo paralelo de
acesso ao ensino superior (muitíssimo mais acessível e comparativamente
injusto).
Mas há mais. Para além de esgotado, o modelo português
de acesso ao ensino superior constitui ainda uma raridade na paisagem da
UE: existente em Portugal, a relação directa entre exames nacionais do
secundário e acesso ao ensino superior é excepcional nos sistemas
europeus. Note-se que, em vários países europeus (Dinamarca, Holanda,
Irlanda, Reino Unido), os critérios de acesso aos cursos do ensino
superior são definidos pelas próprias universidades e diferenciados por
curso – e, quando as características das formações assim o exigem,
aplicam-se restrições no número de vagas (numerus clausus). Noutros
países (Bélgica, França), o acesso ao ensino superior é considerado
livre – isto é, basta ter o diploma do ensino secundário para entrar,
sendo a selecção dos alunos feita posteriormente, na passagem do 1.º
para o 2.º ano dos cursos (com excepção de cursos específicos, como
cursos via ensino ou medicina, para os quais o Estado fixa critérios de
entrada). E mesmo quando se opta por um modelo centralizado, existe a
possibilidade de desligar o acesso ao superior do ensino secundário,
como se fez em Espanha – o ministério introduziu uma espécie de Prova
Geral de Acesso, exclusiva para filtrar quem pretende prosseguir estudos
no ensino superior.
Quem tem razão?