quarta-feira, abril 25, 2018

Aquela "manhã de Abril de 1974" vista do estrangeiro

O jorna i de hoje dedica quatro páginas a evocar memórias de Abril de 1974 e meses seguintes ( chega até ao Verão Quente de 1975) segundo relatos da imprensa estrangeira.

Em resumo, cita a Newsweek de 6 de Maio de 1974; a New York Review of Books de data incerta; o Le Monde Diplomatique de data ainda mais incerta; a Triunfo espanhola de 11 de Maio 1974; a Time de 6 de Maio de 1974 e a L´Express francesa da "primeira semana de Maio de 1974".
 Nada mau. O pior são as citações truncadas dos artigos. Por exemplo, da L´Express é citado André Pautard como tendo escrito que a Revolução se assemelhou  a um "Potemkine nas margens do Tejo" e fica assim se se acrescentar a menção à "Grândola, vila morena".

Um trabalho jornalístico truncado e sem menção à origem das imagens publicadas, como se fossem património colectivo e nunca tivessem dono. Detesto estas espertezas saloias e por isso as denuncio aqui, porque neste caso a responsável é Marta F. Reis, autora do artigo.  Não é a primeira vez que estas coisas acontecem...

A capa é desde logo uma mistificação badalhoca. Coloca Salazar como se fosse o titular do poder que caiu em 25 de Abril de 1974 nas mãos dos militares. Marcello Caetano é figura inexistente.

O que é que Salazar, falecido em finais de Julho de 1970 e fora do poder desde Setembro de 1968, seis anos antes, tem a ver com o regime deposto, mais liberal, de Marcello Caetano e que já nem se chamava Estado Novo?
Será por se terem  mantido  certas características do regime que precedeu e que Salazar orientou desde 1926 até 1968? Insuficiente. Qualquer pessoa que tenha vivido nesse tempo sabe institivamente que Salazar, em 1974 já tinha desaparecido há muito tempo e o regime já não se identificava com o salazarismo, embora o tivesse como referência pessoal.
Esta mistificação é a mais corrente no tempo que passa porque mantém uma elipse temporal que falsifica a História.




De resto a fonte primária para este tipo de artigos é um livro que foi publicado em 2014, Nas Bocas do Mundo, da autoria de Joaquim Vieira e Reto Monico, aqui já recenseado.

Seja como for nem nesse livro nem no i de hoje e de então, aparecem estas imagens que publico a seguir, tiradas de revistas francesas da época.


Em primeiro lugar uma imagem ( tirada de uma recolha de primeiras páginas, publicada em França, pela Plon, em 1987) do jornal Libération de 29 de Abril de 1974. Na primeira página dava conta do que se passava em Portugal, um dia após a chegada de Mário Soares. Um jornalista anónimo, do Porto, contava ao jornal dirigido por Jean-Paul Sartre o que se passava então em Portugal: falta de informação  no Norte: "aqui, no Porto, seguimos a situação pelos jornais". Tal e qual como me lembro. E era uma correria ao quiosque para comprar o que havia, nesses dias em que os jornais faziam várias edições que esgotavam rapidamente.

Quanto a revistas estrangeiras também apanhei a Time a tempo e lembro-me da Newsweek mas a semanada já não dava para mais...

20$00 era o preço que se pode ver clicando na imagem, na contracapa. Vendia-se na Bertrand. No ano anterior ainda custava 17$50 e em Julho de 1975 já custava 27$50. Coisas daquela "radiosa manhã de Abril".



Quanto às francesinhas era um regalo, muito discreto nos primeiros meses.

A L´Express no seu número de 6 de Maio de 1974, o primeiro que tratou o assunto nem a capa lhe deu, ao contrário dos americanos, nas edições europeias da Time e Newsweek, com uma imagem em grande plano de Spínola e o seu monóculo retro.
 

O artigo de fundo ocupava quatro páginas, já com Cunhal em destaque, à chegada ao aeroporto. As fotos são de Jacques Haillot.

O artigo de André Pautard é muito mais interessante do que a citação feita pelo i:  revela  que Mário Soares saberia já nas vésperas da manhã de Abril o que iria acontecer. E dá conta das contradições que em breve se revelariam. Nada disso transparece no artigo do i.

 
A imagem da "caça ao Pide" foi captada por outras objectivas francesas e mostrada pouco depois. Por exemplo no Paris Match de 11 de Maio de 1974.

Para além disso, o artigo assinado por Raymond Cartier, um dos grandes repórteres dessa época,  era muito cáustico para o salazarismo ( e a revista não era de esquerda...):


Quanto ao Le Nouvel Observateur, mesmo panorama de capa e ainda mais  discrição no miolo: apenas isto, na edição de 29 de Abril de 1974. Perguntando a um emigrante português o que pretendia, cita o que Spínola dizia: "o povo quer um nível de vida semelhante ao dos restantes europeus". Ainda hoje quer, passados 44 anos...apesar da democracia que imputava tal insucesso à ditadura e prometeu mundos e fundos. Tirou aqueles e ficou sem estes. Neste aspecto o balanço não é famoso mas continua a palavra de ordem "25 de Abril, sempre! Fascismo nunca mais!" a mistificar os indígenas. O Comunismo levou a melhor, neste campo da semântica:


A edição de 7 de Maio de 1974 não desenvolvia muito mais:


Esta atitude relativamente discreta das francesinhas mudou radicalmente dali a alguns meses.

Em 10 de Fevereiro de 1975 a principal ameaça à Liberdade em Portugal tinha este rosto e a L´Express compreendeu-o melhor que ninguém, na altura. Perguntava Jean-François Revel no artigo: porque é que os senhores Helmutt Schmidt e Giscard d´Estaing não tomam a iniciativa de um verdadeiro plano Marshall da Comunidade económica europeia para o desenvolvimento de um Portugal democrático, que poderia aliás integrar-se ao mesmo tempo nessa Comunidade?"

Sim, porque é que isto não aconteceu? Resposta no próximo número...



Na semana seguinte, de Fevereiro de 1975 a L´Express já dava a capa a Mário Soares na sua edição internacional e a entrevista que se publicou é reveladora de vários assuntos que não costumam ser tema de conversa por cá: Soares já aceitava uma espécie de  plano Marshall dos americanos para salvar a economia portuguesa na época. Isso em Fevereiro. No mês seguinte aplaudiu as nacionalizações, o que revela bem a mentalidade de Mário Soares: um indivíduo que aceitava os americanos e acabou a dar a mão aos russos, através do PCP e a contribuir para a destruição do tecido económico e financeiro do país. Dali a um ano, bancarrota...
Quanto à sugestão de Jean-François Revel, seria boa se Mário Soares tivesse sido um verdadeiro homem de Estado, na altura. Anda por aí a fama de que nos salvou do totalitarismo comunista, mas não nos safou das bancarrotas porque alinhou com os comunistas logo a seguir.

Quanto a negociar com o Schmidt, sim, isso aconteceu, mas para financiar o PS. Foi lá de facto, acompanhado de Rui Mateus, para pedinchar dinheiro para o partido...o que revela a dimensão do estadista...



A partir daqui, o Partido Comunista Português e a Extrema-Esquerda tomaram conta do país...

E as francesinhas acompanharam o percurso. Mas o relato fica para outra ocasião.

Questuber! Mais um escândalo!