Decorreu há minutos na RTP1 o programa Prós&Contras sobre o assunto dos videos dos interrogatórios da operação Marquês transmitidos pela SIC e da sua (in)admissibilidade.
Estiveram presentes o advogado Saragoça da Matta que acha que não devia ter passado; o presidente do Sindicato dos Juízes, Manuel Soares que também acha que não; um penalista académico, André Lamas Leite, que igualmente acha que não; o procurador do MºPº, Filipe Preces que acha que não, mas talvez sim...e ainda o jornalista Michael Pereira que acha que sim e uma psicóloga que não acha nada e procura entender o sim ou o não.
A confusão que se instalou tem a ver com a dificuldade em explicar claramente a diferença entre o interesse público de informar e o interesse da justiça em julgar um caso.
As imagens mostradas foram usadas pelo jornalismo numa vertente que não se confunde com a vertente judicial. O critério jornalístico não pretende neste caso julgar em vez dos juízes, tal como os tribunais não devem subalternizar os jornalistas e o interesse de informar.
A intersecção destes dois planos dá a confusão que o juiz desembargador presente parece não entender.
O julgamento do caso concreto pode conduzir a um resultado diverso do que um jornalista pode chegar com as suas investigações e que não deixam de ser válidas por isso.
A mostra da imagem do interrogatório, nesta questão é assim um fait-divers e é estranho que se tenha transformado no assunto principal.
Há dois argumentos importantes a favor da divulgação das imagens: um é que não viola qualquer direito de imagem especial e basta ver as imagens para assim se concluir uma vez que são figuras públicas; outro é que qualquer pessoa em Portugal poderia constituir-se assistente no processo e que isso tornaria irrelevante a discussão.
Daí que aqueles que dizem não à divulgação das imagens fazem-no por um aspecto estritamente formal, como é o caso do juiz Manuel Soares ou por um aspecto mais subtil e que contesta a divulgação por uma questão formalizada e insidiosa como é o caso do advogado Saragoça da Matta e cuja essência não se chega a entender.
A psicóloga citou agora um caso sobre um suposto abusador sexual, acusado de dezenas de crimes que acabou absolvido. Isso para dizer que é necessário que a justiça e a comunicação social comuniquem melhor estes casos. Enganou-se neste caso numa coisa: o suposto abusador não foi absolvido e a informação que fez passar essa ideia não foi correcta. Nem na informação da decisão nem sequer no relato dos factos antes do julgamento.
E isso é um problema acrescido na medida em que as vítimas do abusador sexual pressuposto acabaram por serem vitimizadas em maior grau através da desinformação jornalística do que através dos factos concretos por que foi julgado e condenado. E isso é um facto. Lamentável.
Ainda quanto ao assunto do programa televisivo o que se denota é a incompreensão do trabalho e função específicas dos tribunais e dos jornalistas nas redacções.
Quando os jornalistas fazem julgamentos, tal acontece na tribuna mediática e é legítimo que os factos que os sustentem sejam conhecidos para tal, sempre que haja interesse relevante e público nesse sentido.
Parece inquestionável que tal acontece neste caso e por isso não é de estranhar que os jornalistas aproveitem factos conhecidos e que já constam de uma acusação penal, para os mostrar e explicar ao público. Se isso é um julgamento alternativo? Nem tanto, se as pessoas em geral estiverem suficientemente informadas- e tal compete outra vez ao jornalismo.
No julgamento de tribunal o assunto é outro embora se possam sobrepor. Aí valem as regras processuais e como tal o que foi julgado na tribuna mediática pode não obter o mesmo resultado, por causa dessas regras.
Mas isso é normalíssimo e deveria ser assim explicado ao público, o que me parece não foi suficientemente vincado ontem, no programa, pelo juiz presente que confundiu os papéis e realçou desproporcionadamente o papel do juiz e dos tribunais.
Aqui vale o ditado dar a césar o que é de césar...e a confusão pode advir da circunstância de os jornalistas poderem fazer de juízes e estes não poderem informar devidamente e no mesmo plano e modo.