quarta-feira, abril 18, 2018

Um desaforo?

 Sapo24:

“O que está a acontecer é para nós absolutamente lamentável e deplorável", disse adiantando que “não há nenhum juiz que fique confortável com o que está a acontecer”.
A SIC e a CMTV divulgaram vídeos de interrogatórios no âmbito do processo Operação Marquês, tendo na terça-feira o Ministério Público (MP) anunciado a abertura de um inquérito para investigar esta situação.
Manuel Ramos Soares defende que o caso da divulgação das imagens deve ser investigado e que deve haver punição se houver indícios de crime.
“Exigimos que se investigue o que esta a acontecer e se apure responsabilidade para que não se transforme numa regra”, frisou.
Por outro lado, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses considera que as imagens não demonstram nem a culpabilidade do arguido nem a sua inocência, classificando o caso como “um julgamento mediático ao lado de um processo”, desvirtuando o que é a resposta processual.
“Aquele arguido se chegar a um julgamento como todos os outros terá direito a um tribunal imparcial que irá julgar os factos de acordo com as regras do processo e se tiver cometido um crime será punido e se não tiver cometido será absolvido”, disse.
Os julgamentos, adiantou o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, “fazem-se em tribunal com as regras do processo".
Embora considerando que a investigação jornalística é importante, Manuel Ramos Soares defende que, mesmo no plano do que é uma investigação jornalística, este assunto foi longe de mais.
 (...)
 A procuradora-geral da República disse hoje ter ficado desagradada com a divulgação na televisão de vídeos dos interrogatórios da Operação Marquês, no âmbito do qual o Ministério Público acusou, entre outros o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

Vejamos se têm razão estas pessoas que agora rasgam as vestes:

O que se tem visto nas reportagens da SIC e da CMTV ( a TVI tem lá o homem de mão, para impedir o desaforo, propriamente dito) são excertos do interrogatório de alguns arguidos no processo Marquês, mormente Ricardo Salgado, Helder Bataglia  e José Sócrates, au naturel, tal como aparenta ser neste tipo de situações, ou seja em forma de animal acossado.

Será razoável os que as tv´s têm feito, ou será crime catalogado?  Para afirmar este crime já se aponta ( os do costume que rasgam sempre as vestes quando se trata de Sócrates e entourage) a violação da sagrada privacidade e do ainda mais sacratíssimo direito à imagem reservada.

Acontece porém que este interrogatório vai servir para prova no processo crime. É para isso que lá está e a imagem dos visados, enfim, para dizer o menos, é inócua porque é de tal modo conhecida que bastaria o som e uma foto fixa para se entender o mesmo.
E o que é este "mesmo"? Ora aqui é que se torna relevante falar no assunto.

A SIC e a CMTV aparentemente fizeram um trabalho de casa que sendo baseado nos elementos do processo a que tiveram acesso legítimo ( os meios de prova foram disponibilizados a um número alargado de intervenientes, incluino quem se constituiu assistente ) também tem muito e de qualidade assinalável de trabalho próprio.
Que trabalho próprio é esse? São os gráficos, as ilustrações, as transcrições, a opinião continda mas inequívoca sempre que se deparam com contradições e aspectos ridículos na defesa dos arguidos que tentam aldrabar o senso comum.  Esse trabalho é precioso e mais ninguém o faz, sendo certo que a PGR deveria ter feito algo mais quando divulgou o teor da acusação, em modo resumido.
O que os media agora fazem é em prol de um interesse público indiscutível e inerente aos factos concretos que lidam com corrupção e figuras públicas cuja actuação pode ter lesado o povo português em milhões de euros.
Parece que este aspecto conta muito pouco para quem agora rasga as vestes e preferiria o silência, sem explicações, apesar de saber muito bem que a Justiça se aplica sempre, constitucionalmente, em nome do povo.
Neste tipo de crimes qualquer pessoa tem o direito de se constituir assistente pelo que virtualmente todas as pessoas têm o direito de saber o que se passa no processo, particularmente o que a tv tem mostrado.

E o Povo tem direito a saber o que se passou, mesmo contado pelos media, uma vez que as instituições que o deveriam fazer não o fazem devidamente. Porque não podem mas também porque é mais confortável, assim.

Pode alegar-se que ainda subsiste uma violação de segredo de justiça que permanece até à abertura da instrução ( embora a PGR diga que já não há segredo de justiça). Pode, mas não deve. Quem tem sistematicamente violado tal segredo é um dos arguidos ( José Sócrates) e os seus advogados e nada lhes acontece porque é um "direito da defesa".

Se é, aceitem então o direito do povo saber mais do que lhe dizem quem teria obrigação disso...

Também está previsto ( artº 88º nº 2 do C.P.P.) como "crime de desobediência" simples a transmissão de imagens e sons sem a concordância dos visados, arguidos. Mas um crime pode ter razões que justifiquem e eliminem a incriminação, mormente se existir um direito superior que se possa sobrepor, como seja neste caso concreto o direito de informar o povo após as barbaridades publicamente exibidas por alguns arguidos que mentem e tornam a mentir, sem contraditório algum.

O desaforo, neste caso, é perfeitamente legítimo segundo as regras do conflito de deveres. E não se trata de um julgamento mediático de tipo algum. Trata-se apenas da explicação de alguns factos que constam num processo que tem tudo de mediático mesmo que não queiram que tenha.

A alternativa seria que tal fosse explicado por quem de direito que não explica. Nunca explica porque é muito mais simples ficar confortável com estas situações que se tornam desconfortáveis.

No julgamento que se adivinha longínquo uma vez que a instrução ainda nem começou, será a altura e o lugar para se produzirem todas as provas. Agora, nas tv´s apresentam-se alguns factos.

Seria bem melhor que tanto a Associação Sindical dos Juízes, como a PGR explicassem isso claramente: que isto nunca poderá ser um julgamento mediático porque o julgamento judicial faz-se na sala respectiva com a garantia de todos os direitos de defesa e pode acontecer que alguns factos agora publicados nem se provem devidamente e os arguidos tenham que ser absolvidos. Mas que o sejam por isso mesmo e não por causa do secretismo que prefeririam impor.

A Censura é um dos males de sempre, em Portugal e pelos vistos tem mais adeptos do que seria de esperar.

ADITAMENTO:

Pelos vistos a Ordem dos Advogados também está contra o visionamento das imagens televisivas, por causa dos julgamentos na "praça pública". Espero que da próxima vez que o advogado Delille venha a terreiro televisivo desancar na "acusação" essa mesma Ordem o ponha na ordem. Ou mesmo o arguido excelentíssimo que se farta de vilipendiar o MºPº. Espero então que a Ordem dos Advogados faça o mesmo comunicado...mas sei que vou esperar sentado.

Questuber! Mais um escândalo!