quinta-feira, abril 19, 2018

A manhã de Abril que transformou o deserto em mar morto

Vai fazer agora 44 anos que apareceu a Revolução de Abril que nos trouxe a ilustração que faltava, porque havia muitos analfabetos, como escreve hoje na Visão, o Araújo do Malomil que assim aproveita mais um escrito para solidificar uma reputação de democrata de regime e consultivo de presidentes pop.

Leia-se este fresco de "banalidades de lugares-comuns":



Dantes era o deserto escuro da iliteracia e analfabetismo, embora frequentado em pequenos oásis por uma elite de cultores de livros proibidos.
De súbito e numa manhã de Abril abriram-se as comportas da barragem desse assuão e o deserto português foi inundado da literatura mais progressista e moderna que se vendia no estrangeiro. Os portugueses que também produziam disso ficaram afogados nas margens da falta de assunto.

Agora, sim! Há literatuda a rodos, literacia plena e analfabetismo nulo. Tudo fruto daquela manhã radiosa que Abril abriu.

Tenho por aqui ensaiado uma tentativa de compreensão do que ocorreu antes e depois dessa manhã de Abril. Procuro compreender e mostrar o fruto desse labor que para mim tem uma utilidade pessoal: não acabar estúpido de todo e alienado do entendimento das coisas.

Por isso uma conclusão se me impõe, desde já, ao contrário do que estende o escriba do malomil: o grau de cultura e conhecimento existente antes daquela manhã de Abril era mais vasto, coerente e sólido do que actualmente, em diversos domínios e isso a nível popular.
Isso o demonstra o acervo arquivístico de jornais e mesmo livros que aqui tenho deixado ao longo dos anos para consulta dos profetas e discípulos dos ensinamentos daquela manhã de Abril.

Os jornais anteriores à manhã de Abril tinham suplementos culturais que hoje não há e neles tinham lugar os que habitavam naqueles oásis do deserto salazarista: os esquerdistas em flor. Nunca tiveram grandes faltas de água cultural, por isso e porque ninguém lhes secou ou envenenou os poços. Ao contrário, logo que saíram dos armários dos oásis trataram logo de inquinar a pureza da água livre com mixórdias várias que aprenderam a confeccionar nos receituários que liam à socapa.

 A grande carência e erro estratégico dos sheiks e camelos que então dominavam aquele deserto foi o de cercar os oásis e impedir a circulação de alguns beduínos fascinados com as miragens de felicidade na terra, à custa do tráfico de ideias feitas. Se os tivessem deixado à solta teriam morrido de sede no deserto, como aconteceu noutras paragens.
Assim, logo que abriram as comportas tomaram conta das máquinas, abriram as torneiras todas, encanaram as ideias feitas e despejaram-nas sobre o analfabetismo existente, reforçando a dose, afogando a paisagem anterior.

Resultado deste efeito da manhã de Abril: duas bancarrotas, iliteracia  ideológica, aumento das miragens dos que escaparam à inundação do que existia antes da manhã de Abril.
Ainda hoje andamos nisso e o Araújo do malomil é um dos descendentes desse fascínio.

Em concreto  para ilustrar a ideia metafórica:

Quando surgiu o 25 de Abril havia pouca informação popular acerca das ideologias e particularmente do esquerdismo vicejante entre as elites. É uma afirmação que tento demonstrar através destes sinais:

No artigo que no outro dia foi aqui publicado, sobre os acontecimentos na Checoslováquia de 1968 é possível ler o que era o comunismo na então URSS e o estalinismo e as divergências ideológicas que surgiram e motivaram a invasão daquele país. Mas não se lê uma linha sobre o PCP, o seu líder Álvaro Cunhal que chegou a acoitar-se nesse país e o que pensava sobre a invasão de Praga. Quem escrevia os artigos sabia disso? Provavelmente sim, mas era proibido pela censura qualquer referência desse género ao PCP, embora desconfie que não era assim tão proibido.

Este exemplo serve para demonstrar uma das razões pelas quais o PCP ganhou peso institucional depois do 25 de Abril, logo nos primeiros dias, mesmo com um Cunhal e um Domingos Abrantes, exilados e vindos muito a medo para cá, sem saber bem o que os esperava.
Esta é a imagem ( do Século Ilustrado de 1974)  pouco conhecida do momento em que Álvaro Cunhal e Domingos Abrantes ( e a mulher dele) chegaram ao aeroporto da Portela, alguns dias depois da manhã de Abril de 1974. São estrangeiros ideológicos que aterraram no país vindos de algures. São os mujaedin daqueles beduínos fascinados.


Sobre o fenómeno que se passou a seguir, a abertura incontrolada daquelas comportas ideológicas já deu o meu contributo aqui, mais elaborado. Aponto apenas um sinal mais: em Outubro de 1974 um intelectual que tinha usado um dos oásis, depois, no fim da vida, desiludido das miragens, escrevia na revista Vida Mundial sobre conceitos que entendia insuficientemente apreendidos pela população. Neste caso sobre o socialismo, mas antes sobre o capitalismo.


Outro sinal importante e que me lembro bem de observar: um dos livros didáticos, lançados nos primeiros meses depois da manhã de Abril, foi este que se vendia nos quiosques e deve ter tido grande sucesso. O meu exemplar é de Junho de 1974:


Ainda outro sinal bem revelador: é do conhecimento comum e banalidade por isso mesmo, que os oficiais que se arvoraram em técnicos da abertura da barragem na manhã de Abril, eram analfabetos ideológicos. Com excepção de um deles que foi sempre apontado como o intelectual do grupo- Melo Antunes- eram todos analfabetos políticos, confessadamente.
Um tal Vasco Gonçalves que acabou nas malhas daquela seita que invadiu o país, com ideias estranhas vindas de algures, dizia nos primeiros meses depois dessa manhã que o ideal de país, para si, seria uma Suécia ou uma Itália. Acabou a louvar a ilhota de Cuba e o seu povo libertado do imperialismo. Exactamente como outro militar, Otelo Saraiva de Carvalho. Este ainda foi mais longe: fascinado com as ideias peregrinas queria impô-las à lei da bomba, acabando preso.

Enfim, não será arriscado dizer que em Portugal, antes da manhã de Abril, a cultura popular e conhecimento das realidades, apesar de  se exprimir com uma clareza e entendimento notáveis, do que é exemplo o tratamento noticioso dado a realidades como a Siderurgia Nacional ou mesmo fenómenos das diversas áreas do saber, sofria de um anquilosamento grave e que se revelou fatal a longo prazo: um analfabetismo ideológico que foi aproveitado pela Esquerda para passar a mandar no país. Até hoje.

Antes da manhã de Abril uma das figuras de proa que falava abertamente nos perigos do fascínio comunista era precisamente o presidente do Conselho, Marcello Caetano que fez nas suas "conversas em família" vários avisos, certeiros e ideologicamente correctos sobre o que se passava nos oásis: ilusões e miragens. Porém, poucos lhe deram ouvidos e esqueceram de todo os recados, logo  seguir à abertura das comportas da Liberdade.

Nos escritos compilados em volume editado pelo governo de então ( resumo das actividades do 4º governo, ou seja no final de 1972) , Marcello Caetano dizia como já aqui se mostrou:


 Estas ideias simples foram simplesmente afastadas e perderam qualquer validade depois da manhã de Abril e importaria perceber porquê, sendo essa uma das razões por que escrevo aqui, talvez  mais importante.

Foram substituídas por estas que agora se explicam claramente num pequeno volume editado pelo Le Monde há alguns dias e que explica as noções básicas do marxismo que sustenta ideologicamente a Constituição que temos e a ideologia política que é pervasiva na nossa sociedade actual, portuguesa:


Estas ideias nunca foram claramente discutidas, fora dos oásis, na sociedade portuguesa anterior à manhã de Abril.
Logo a seguir, continuaram a não ser discutidas porque inundaram todo o ambiente, inquinando todo o deserto anterior que passou a ser um mar morto.

Foi isso que tentei perceber quando escrevi aqui sobre "quem tem medo do comunismo". 

De qualquer modo os oásis continuam a existir no mar morto português e são ocupados pelos mesmos e respectiva descendência, como é o caso do malomil.

Dos antigos sheiks e camelos não se conhece grande coisa a não ser que vivem das esmolas dos novos senhores beduínos.





Questuber! Mais um escândalo!