Em 28 de Setembro de 1974 algumas pessoas descontentes com o rumo que os acontecimentos políticos em Portugal estavam a tomar, com uma preponderância da Esquerda comunista, a que o partido Socialista se associava sem peias, entenderam convocar uma manifestação, devidamente organizada e autorizada ( pelo Governo Civil) no Campo Pequeno, em Lisboa. Elaboraram um cartaz e algumas das figuras da comissão organizadora eram Fernando Cavaleiro, António Costa Félix, Manuel Sá Coutinho, Manuel Magalhães, António Sousa Macedo, Francisco Van Uden e José Filipe Homem Ribeiro Pinto.
Prontamente os jornais em geral, com destaque para os mais esquerdistas, classificaram estas pessoas de fascistas e a manifestação como algo tenebroso e abertamente fascista, também. As palavras então eram a arma, a par das cantigas de José Mário Branco e outros.
Para contrariar o eventual sucesso da manifestação e impedir a "reorganização das forças reaccionárias" a Esquerda comunista e mais a socialistas usaram logo o que em linguagem corrente se designava como agit-prop, propaganda de combate político e ideológico.
Em dois tempos desconstruiram o cartaz convocatório da manifestação e os jornais eram claros: a manifestação era um atentado ao 25 de Abril. Uma manobra da reacção para retomar o poder. Este mote foi de tal modo matraqueado que até o tímido PPD se demarcou da manifestação, vergonhosamente como se pode ler aqui num recorte do jornal República, do dia anterior à manifestação, dirigido pelo jacobino maçónico Raul Rego. A linguagem do jornal não deixa dúvidas, para quem ainda as pudesse ter, sobre quem orientava politicamente o país, em termos ideológicos: o comunismo e o socialismo. Era esse o conceito de democracia que essas duas forças políticas conheciam então.
O PS de então, já dirigido por Mário Soares, claro, era contra a manifestação e dizia em comunicado que " a vigilância popular será bastante para barrar o caminho à reacção".
A Intersindical Nacional ( era assim mesmo que se designava numa altura em que começou a luta política com outras forças sindicais ligadas mais ao PS para evitar a hegemonia unitária e exclusiva do PCP no sindicalismo) apelou então, em anúncio no mesmo número do jornal em termos que hoje se tornam irónicos, tendo em atenção o que essa central sindical faz para trazer os seus apoiantes a manifestações...
Repare-se na linguagem de ontem e na de hoje, com o incrível Arménio Carlos:
A agitação e propaganda eram e continuam a ser de tal modo que chegam ao ponto de citarem "os jornais" da reacção como sendo os veículos de propaganda fascista, quando se sabia então e agora ( quem ainda se recorda) que os únicos jornais que ainda defendiam um resquício de dignidade passada, antes de 25 de Abril e combatiam o comunismo rompante, em modo pífio, diga-se, eram a Rua, dirigida por um aventureiro Manuel Múrias e um Diabo, dirigido por uma mulher, Vera Lagoa, amiga de Natália Correia ( também ela comprometida com a Oposição antes do 25 de Abril e com tendências libertáriasm, ainda que a-comunistas). Nada mais havia nesses meses que se seguiram ao 25 de Abril. Nada mais. Nem estações de rádio, nem tv, nem revistas nem jornais. O Expresso não conta porque sempre foi um jornal situacionista e continua a ser. A Esquerda tomou tudo e tudo dominou nesses meses, pelo menos até meados de 1975 ( com o aparecimento do Jornal Novo dirigido por Artur Portela Filho, ele mesmo da Oposição ao antigo regime- escritor de A Funda e outros- e apesar disso a-comunista também. Tal foi suficiente para ser classificado de reaccionário e quase fascista por Vasco Gonçalves no Verão Quente de 75). Era esta a "ampla liberdade" que havia nos órgãos de informação a seguir ao 25 de Abril: muito menor do que antes dessa data porque os jornais e revistas eram quase todos da Oposição esquerdista, apesar da Censura.
9 comentários:
Já lhe roubei mais estas maravilhas
A memória por vezes é traiçoeira...
Olhe que em alguns pormenores que conheço as suas recordações não são exactas.
Em 28 de Setembro de 1974 não existiam os semanários "A Rua" e "O Diabo".
Na realidade, o número zero de "A Rua" saiu em Abril de 1976. A publicação em causa foi organizada apenas depois da libertação de Manuel Maria Múrias, que ocorreu em Dezembro de 1975.
Na madrugada de 28 de Setembro de 1974 foram presas umas centenas de pessoas, entre os quais o referido MMM, que foram arrebanhadas em suas casas, a partir de umas listas previamente organizadas, levadas por alguns civis que dirigiam essas operações.
Mas a publicação a que MMM então estava ligado era o "Bandarra", semanário de que apenas puderam sair dois números. A edição que estava pronta para sair foi destruída na rua, e queimada, pela "vigilância popular". Creio que já vi uma célebre fotografia desse acto publicada aqui neste mesmo blogue.
O director do "Bandarra" era Miguel Freitas da Costa, que ainda poderá conhecer. Infelizmente, o famigerado 3Ms já faleceu. Mas acredite que merecia melhor adjectivação do que essa de "aventureiro".
Sobre a prisão de Manuel Maria Múrias e o clima que se viveu em Setembro de 1974 pode ler-se o que ele próprio escreveu quando saiu em liberdade, cerca de 14 meses depois:
http://www.fascismoemrede.blogspot.pt/2005/04/os-presos-polticos.html
Já agora, também pode ler-se um pequeno depoimento de outro jornalista que veio a ser chefe de redacção de "A Rua" e que nessa madrugada de 28 de Setembro também viveu a mesma experiência:
http://www.viriatos.blogspot.pt/2004/05/sevcias-portuguesa.html
O juiz de que se fala neste último texto era o Doutor Francisco José Vellozo, e o filho que com ele foi para Caxias era e é o Prof. José António Veloso.
Sobre o nascimento de "A Rua" e a personalidade de MMM recomendo ainda a leitura do depoimento de António Manuel Couto Viana:
http://www.viriatos.blogspot.pt/2005/02/manuel-maria-mrias-na-minha-memria.html
Foi gralha. O José queria dizer "depois do 25 de Abril" e não antes, como é mais que óbvio.
Aliás, era brincadeira dizer-se que os únicos que antes do 25 de Abril ainda conseguiam combater os comunistas eram uns jornalistas
ehehehehe
Obrigado Manuel. Não fiz o trabalho de casa como deve ser e induzi em erro.
Mas vale o que ficou escrito: nenhum jornal sem ser de esquerda ou situacionista como o Expresso e outros.
escrevia-se na Rua referindo-se ao pavão soares
'o avião residencial do pm itinerante'
para ver o ambiente fui à manifestação com um velho amigo de Coimbra que em 59 encontrei em Roma como candidato a Padre, que não foi.
o vasco que não tomava a medicação pensou que ia gerir o país, até o 'déménagement' das sedes do pcp o contrariar.
Vera Lagoa que vivera com Tengarrinha, dizia que comia demasiado, único factor de caracterização.
foi uma época de terror. eu, que fui sempre pacifista, tive de andar armado com revolver de calibre 32 na sovaqueira. envergava por vezes um fato abandonado há anos.
o ps soarista não se destinguia e rivalizava com o pcp. salvavam-se Gama e Rego.
o pcp acabou por abandonar vasco e foi salvo pelo xico rolha e pelo melro antunes que o saudoso Pedro da Silveira dizia não passar dum cagarro. e contou históriass 'edificantes' da sua passagem pelos Açores.
o grupo dos '9 fora nada' era um reunião de Kerenskis.
a carta aberta do eurosondagens e do pasta medicinal ou couto interrompido valeu o pouco que ainda representa.
quiseram comer sem pagar,
agora pagam ou não comem
'porrada neles'
Manuel:
"Um aventureiro Manuel Múrias" não é o mesmo que Manuel Múrias, um aventureiro, embora pareça...
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