quarta-feira, outubro 03, 2012

A mitologia comunista portuguesa no traço de João Abel Manta

Em 1975 um comunista assumido e artista ímpar na caricatura e cartoon, João Abel Manta de seu nome, era publicado no O Jornal, com grande destaque das páginas centrais, em poster.
Aqui ficam dois- um de 7.11.1975 e outro da semana seguinte, 14.11.75 que exemplificam muito bem o conceito que os comunistas tinham da sociedade portuguesa, da luta de classes e da mitologia que lhe estava associada.
Passados 37 anos não mudaram nada, para além da retórica um pouco mais recatada.
O primeiro intitula-se "Democracia, sim. Populaça, não!" e mostra uma mansão que em Portugal supostamente era a morada dos "ricos", dos "capitalistas" e "monopolistas", exploradores do povo. À porta da mansão estão os serviçais, ataviados para as respectivas funções. À frente do casarão,  tirado de um qualquer livro de ilustrações do séc. XIX, os donos, apresentados como nas caricaturas marxistas mais típicas. O dono só não tem cartola porque já não era de uso...mas o charuto lá canta. A dona, enfim, a dona é retratada como uma figura saída dos livros das corridas de automóveis dos anos vinte...ajaezada com adereços como uma cigarreira tipo Greta Garbo ou gaja de cabaret.


No segundo poster, aparece mais um casarão do séc. XVIII, vazio e enorme em altura e reposteiros onde se chega apenas com escadas de bombeiros. No centro, ocupando o canapé, uma família portuguesa com certeza e daquelas que o autor estimava ideologicamente sobremaneira, apesar de ser nitidamente um filho da pequena burguesia urbana e intelectual .
A família portuguesa, naturalmente, é de famélicos e desvalidos. O pai, de chapéu na mão, pede desculpa não se sabe bem a quem ( ao autor do desenho?!) por estar ali, sem saber como nem porquê. A mãe é o retrato vivo do neo-realismo dos quarenta, dos Esteiros alentejanos ou estremenhos. Os cinco filhos, não esquecendo o de colo, com ar desenquadrado esperam que alguém lhes diga o que estão ali a fazer. O autor diz: estão a ocupar a mansão dos senhores e era assim que os comunistas portugueses entendiam a luta de classes. As ocupações de casas em 1975 foi mato, como se costuma dizer.Este tipo de casarões foi então ocupado por...organizações políticas, naturalmente de extrema-esquerda. Tinham o direito do povo e a autoridade que as tropa lhes dava. E assim ficaram, os syrizas de hoje.


5 comentários:

Floribundus disse...

a ocupação não se ficou pelas casas.
lembro-do grito de guerra «para a frente ó pessoal das barracas!»

estendeu-se às herdades onde se destruiu quase tudo e se vendeu cortiça ao preço da chuva

os anarcas diziam «mortos da vala comum ocupem os jazigos».
tinham o jornal 'a merda'. os vendedores colocavam-se ao lado do vendedores do 'avante'. quando os últimos gritavam avante os anarcas gritavam 'merda a 2$50'

Manta, que se bem me lembro pertencia à família Carneiro de Moura, elaborou o desenho do 'camarada Vasco nós seremos a muralha d'aço' e vários outros de grande nível técnico.

josé disse...

O desenho da muralha d´aço não terá sido do Vasco?

Karocha disse...

Floribundos

Sei de uma que não conseguiram ocupar eheheheh.

Nem o José sabe,adorava ter visto a cara deles quando se foram embora.

Floribundus disse...

Amigo
a minha continua mudança de andarilho ou vagamundo por motivos profissionais e culturais não me permitiu guarda muitos assuntos temáticos. sobrou o meu espólio da BNP e cerca de 30 mil fotos informatizadas que ninguém aceita
tal como não aceitaram o meu espólio técnico de 40 anos de químico. um dia apago ou apagam-nas do pc

cunhada da minha meia irmã era prima de Manta por isso colecionei os seus cartazes

« Num dos muitos cartazes que desenhou João Abel Manta pareceu representar a «esperança e a confiança» que Vasco Gonçalves depositava nesta iniciativa ao atribuir-lhe uma centralidade no célebre cartaz MFA-Vasco-Povo. Povo-Vasco-MFA (1975), onde surge ladeado por duas figuras híbridas meio soldado, meio povo, reforçadas pela frase «Força, Força Companheiro Vasco / Nós Seremos a Muralha de Aço».
E foi da seguinte forma que Vasco Gonçalves se referiu a este cartaz: «O cartaz é muito terno, eu era o companheiro Vasco, mas para certo sector da população, não para o país».

josé disse...

Tem razão, FLoribundus. Eu conheço esse cartaz. E até o tenho numa revista americana, a Crawdaddy de 1976 ou coisa que o valha.

Amanhã vou verificar.

O Público activista e relapso