domingo, outubro 21, 2012

Ainda as escutas telefónicas a primeiros-ministros

Ao ler isto no Blasfémias e principalmente comentários, alguns deles perfeitamente imbecis, como o daquele que diz que as escutas têm como objectivo queimar politicamente certas pessoas, parece importante realçar o seguinte:

As escutas telefónicas são um meio de obtenção de provas em processo criminal. Devido à sua relativa complexidade  jurídica e que nem o é tanto assim, uma vez que as regras sobre escutas telefónicas em processos de inquérito criminal se encontram bem explicitadas no artº  187º do CPP,  as confusões, mesmo entre entendidos revela-se notória.
Nos casos concretos que envolvem políticos com cargos de topo entram em jogo outro tipo de factores como o clubismo e o sectarismo, pecha com labéu afixado na mente de uma boa parte das pessoas.

O caso de José Sócrates e da famigerada "extensão procedimental" do processo Face Oculta já foi amplamente glosado aqui neste blog. 

Como então escreveu Manuel Costa Andrade, professor catedrático de Coimbra e a meu ver a maior autoridade académica na matéria:
 " A começar, uma escuta, autorizada por um juiz de instrução no respeito dos pressupostos materiais e procedimentais prescritos na lei, é, em definitivo e para todos os efeitos, uma escuta válida. Não há no céu- no céu talvez haja!- nem na terra, qualquer possibilidade jurídica de a converter em escuta válida ou nula. Pode, naturalmente, ser mandada destruir, já que sobra sempre o poder dos factos ou o facto de os poderes poderem avançar à margem da lei ou contra a lei. Mas ela persistirá, irreversível e "irritantemente", válida! "
 
" Sendo válida, o que pode e deve questionar-se é- coisa radicalmente distinta- o respectivo âmbito de valoração ou utilização. Aqui assoma uma outra e irredutível evidência: para além do processo de origem, ela pode ser utilizada em todos os demais processos, instaurados ou a instaurar e relativos aos factos que ela permitiu pôr a descoberto, embora não directamente procurados ( "conhecimentos fortuitos"). Isto se- e só se- estes conhecimentos fortuitos se reportarem a crimes em relação aos quais também se poderem empreenderem escutas. Sejam, noutros termos, "crimes do catálogo".
De qualquer forma, e com isto se assinala uma outra evidência, a utilização/valoração das escutas no contexto e a título de conhecimentos fortuitos não depende da prévia autorização do juiz de instrução: nem do comum juiz de instrução que a lei oferece ao cidadão comum, nem do qualificado juiz de instrução que a lei dispensa - em condições de total igualdade, descontada esta diferença no plano orgânico-constitucional- aos titulares de órgãos de soberania. De forma sincopada: em matéria de conhecimentos fortuitos, cidadão comum e órgãos de soberania estão, rigorosamente, na mesma situação.Nem um, nem outro gozam do potencial de garantia própria da intervenção prévia de um juiz de instrução a autorizar escutas. "
 " Uma outra e complementar evidência soa assim: as escutas podem configurar, no contexto do processo para o qual foram autorizadas e levadas a cabo, um decisivo e insuprível meio de prova. E só por isso é que elas foram tempestivamente autorizadas e realizadas. Mas elas podem também configurar um poderoso e definitivo meio de defesa. Por isso é que, sem prejuízo de algumas situações aqui negligenciáveis, a lei impõe a sua conservação até ao trânsito em julgado. Nesta precisa medida e neste preciso campo, o domínio sobre as escutas pertence , por inteiro e em exclusivo, ao juiz de instrução do localizado processo de origem. Que naturalmente, continua a correr os seus termos algures numa qualquer Pasárgada, mais ou menos distante de Lisboa".
O que pode tudo isto significar, traduzido em miúdos, neste caso que envolve outro primeiro-ministro, Passos Coelho? 
Que o caso é diverso do acima citado. Porém, tem uma parte comum que é a da escuta envolver fortuitamente um primeiro-ministro. Sendo uma escuta válida, acontece que há pessoas juridicamente relevantes, como Germano Marques da Silva ( que ensinou Direito Penal, em Lisboa) que entende que a partir do momento em que numa escuta telefónica se detecte ter sido escutado fortuitamente uma das pessoas previstas no artº 11º do C.P.P., como é o caso do primeiro-ministro, se deve parar toda a gravação e no mínimo levar o conteúdo ao juiz de instrução competente que pode validar uma escuta em que intervenha uma pessoa com essa qualidade, como é o caso do primeiro-ministro. Como o juiz de instrução competente neste caso de primeiros-ministros é o privativo presidente do STJ, lá tem que ser o PGR ou alguém do Ministério Público no STJ a cumprir a tarefa. Como os procuradores gerais-adjuntos no STJ são todos representantes directos do PGR, é a este que em fim de linha compete apreciar o assunto. E é por essa razão que o expediente lhe vai parar às mãos. Julgo até que é a única situação em que um processo penal lhe deve ser remetido em primeira mão.
Neste caso concreto, ao contrário do de José Sócrates em que havia um outro elemento que era o da escuta revelar indícios da prática de um crime de catálogo, passível de escuta, o que subsistia era apenas o facto de o primeiro-ministro ter sido escutado fortuitamente em conversa que não revelaria indícios de ilícito penal ( até poderia revelar outros de outra natureza, até política, mas disso não cura praetor ). 
Portanto, à cautela e tendo em atenção aquelas interpretações do artº 11º o DCIAP, Cândida de Almeida e o ex-PGR Pinto Monteiro fizeram bem.
Não fizeram isso para tramar seja quem for, mormente o primeiro-ministro, como vejo escrito em alguns lados e mormente no Blasfémias, onde pululam os tais comentários imbecis. Se alguém pretende "queimar" políticos com estas coisas, são os jornais que publicam estas notícias sem esclarecer devidamente os leitores.  Por uma razão: os jornais também têm o dever de guardar segredo de justiça, em algumas interpretações restritivas da lei processual penal. E nem tão restritivas como  a daqueles penalistas tipo Germano Marques da Silva, relativamente ao assunto supra.
Portanto, aqueles fizeram-no porque provavelmente não tinham outra alternativa. E por isso não merecem as críticas que lhes fazem, por esse motivo. 
Pinto Monteiro não foi um bom PGR mas é injusto que o acusem de mais esta.

3 comentários:

Floribundus disse...

se os jornais têm informadores deveria ser averiguado quem divulga.

o rectângulo continua a ser o que sempre foi
«na medida em que» «póssamos» «prontos»

a vaidade imbecil dos comentadores lembra-me um prof que tive na fac ciências de Lxa
«sábios eramos 7,
3 qúimicos,
3 físicos
e um físico-químico que a modéstia me não permite dizer quem é»

Floribundus disse...

José Maria Martins

Quinta-feira, 18 de Outubro de 2012
O Primeiro Ministro sabe que há um político português a prostituir-se no Colorado - Estados Unidos da América? E que no Verão andava no engate em Ponta Delgada?
Cada vez tenho mais consideração por Passso Coelho.

arg disse...

Que porcaria infecta. Tudo a lavar os dentes.

O Público activista e relapso