Este texto de João Miguel Tavares no Público de hoje, de fim de ano, suscita-me o seguinte comentário por causa da nostalgia e da memória histórica que tento refazer por aqui, com um único propósito: compreender como chegamos onde chegamos.
O texto é típico daqueles que exercitam o optimismo serôdio, o que surge e se sobrepõe ao realismo pesssimista da observação do tempo que passa. Coisa que aliás também costumo fazer para me convencer que afinal "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".
Infelizmente esse optimismo esbarra quase sempre na realidade analisada mais a frio.
Nós estamos melhor do que há 40 anos? Como não?! Era o que mais faltava! Eppure...
Há 40 anos- as fotos de Alfredo Cunha mostram-no- havia mais pobreza do que hoje, nas instituições e habitações? Talvez sim; talvez não. Havia bairros de lata em maior número, sem condições mínimas de habitabilidade? Talvez sim; talvez não. Depende do que se possam considerar "condições mínimas de habitabilidade" no contexto histórico das épocas.
E os hospitais são melhores? Sem dúvida. Mas...a esperança de vida e principalmente o limiar da vida média para cada um, aumentou significativamente em relação ao progresso das décadas e às descobertas da medicina?Há mais ou menos cancros, hoje em dia, do que há quarenta anos?
E a alimentação? É um facto que podemos ver e comprar em supermercados, melões em Novembro e uvas em Janeiro, tal como cerejas no Natal. E daí?
E é um facto que os produtos disponíveis para mercar são mais variados e alguns serão mesmo melhores. O peixe parece ser melhor do que antes e em quantidade maior do que havia para consumir. A carne idem. As bolachas e bebidas igualmente. Os vinhos mudaram exponencialmente de qualidade com uma diferença: os bons, mesmo bons, agora pagam-se mesmo bem e dantes bebiam-se em qualquer tasca de aldeia das respectivas regiões. E o azeite acompanhou o percurso qualitativo do vinho.
A agricultura em Portugal está melhor do que há 40 anos, parece nnem haver dúvidas. E a construção civil e arquitectura igual e exemplarmente.
Viajamos muito mais do que há quarenta anos, mas não é por obra da nossa inventividade e progresso.
Temos por aí uma frota automóvel que não se distingue da francesa, por exemplo. No tempo dos nossos emigrantes dos anos sessenta, eram eles quem vinha mostrar as máquinas que havia lá fora e que nas aldeias não apareciam a não ser nas festas de Natal. Agora nem se distinguem.Mas não foi por obra nossa. Um Renault Dauphine dos sessenta não se compara com um Mégane da actualidade e nada tivemos a ver com isso.
Eppure...o que falta, afinal, para esquecermos o passado e relegarmos a nostalgia para um sentimento mórbido de passadismo juvenil?
Falta uma coisa que João Miguel Tavares não viveu porque é novo demais para tal: alegria de viver como havia dantes, provavelmente haverá, na juventude de agora. Porém falta o sentimento de um continuum espaço-temporal. Explico:
Nos anos sessenta houve uma pequena revolução nos costumes em Portugal e na Europa, com o advento de modas e tendências que se espalharam como fogo em palha. A música passou a ser outra; as leituras mudaram ligeiramente; a televisão e cinema trouxeram uma modernidade desconhecida e aos poucos a sociedade foi mudando, em todo o lado.
Há porém um aspecto de mudança que se operou em Portugal e não ocorreu na Europa. Pego num exemplo que poderia servir para extrapolar para outros níveis. Há quarenta anos quem lia a L´Expresss ou o Nouvel Observateur franceses, a Der Spiegel alemã ou mesmo a Time e Newsweek na edição europeia encontrava uma qualidade que em Portugal não havia. Desde então, esses símbolos culturais modificaram-se ligeiramente, aprimorando o aspecto gráfico mas o conteúdo não mudou essencial e qualitativamente. Essas revistas continuam excelentes e até melhoraram de algum modo, por causa das novas tecnologias.
Em Portugal, as técnicas gráficas e publicitárias e as tecnologias de informação foram absorvidas mas a essência do conteúdo piorou. Ou seja, a qualidade do que se escreve hoje em dia nos media é pior, a meu ver objectivamente ( o que é contraditório mas fica assim) do que há quarenta anos. E o que se diz publicamente nas tv´s reflecte uma involução cultural e não o contrário.
Por que razão tal fenómeno terá acontecido por cá, sem paralelo lá fora? Gostava de saber o que se passa nos novos países de Leste em relação a esse fenómeno.
Porque razão a evolução cultural em Portugal estagnou de um modo assutador para quem olha rectrospectivamente?
Tal fenómeno- repito, para mim objectivo- ocorreu porque houve uma corrente cultural que se tornou dominante em Portugal e assumiu foros de pensamento único em relação a aspectos essenciais da nossa vida colectiva: economia, organização do Estado, saúde, educação, etc etc.
A nossa actual Constituição não é mais que um reflexo notório desse fenómeno e o que os media em geral transmitem são o produto desse efeito.
Assim, a questão que João Miguel Tavares e quem se interessa por isto deve colocar e tentar perceber será esta:
Em quarenta anos tornámo-nos um país mais evoluído, com certeza que sim e seria impossível que tal não sucedesse por força de uma inércia de um devir social e universal. Mas será que evoluimos como poderíamos ter evoluído, se tivéssemos seguido outros caminhos que não os das "outras políticas" ?
Porque razão somos ainda o país mais atrasado da Europa e com sinais de nos podermos tornar ainda mais atrasados?
Para perceber isso tenho colocado por aqui as pistas que me parecem essenciais, mas não basta colocar pistas.É preciso pisteiros para as farejar intelectualmente.
Será que hoje em dia temos disso por cá, como dantes tínhamos?
É esse o problema e a razão deste blog.