A Censura que funcionava institucionalmente antes de 25 de Abril de 1974, crismada como Exame Prévio, logo que Marcello Caetano chegou ao poder, era por vezes errática nos objectivos e alvos.
Em 1972 por motivos que não se descortinam inteiramente, as instruções dirigidas aos media, pela então Secretaria de Estado da Informação e Turismo, dirigida por César Moreira Baptista, integrava elementos de arbítrio potencial, mas ao mesmo tempo, de um modo que agora se diria jacobino, pretendia fixar "legalmente" todo e qualquer aspecto que poderiam ser censurados e por isso se estendia em pormenores desnecessários como o de não ser permitida a notícia de vadiagem e libertinagem, fosse isso o que pudessem entender que fosse.
Os exemplos dados a seguir desmentem a malha pretensamente apertada que o Exame Prévio impunha aos media impressos porque alguns não fazem sentido naquele conceito que a Esquerda aprecia propagandear como marca de água de um "fassismo".
Em 11 de Novembro de 1972 o Diário de Lisboa publicou um poster, sem submissão ao "visto" do Exame Prévio. Que era obrigatório e para cuja omissão havia penalidades. Ou seja, o jornal cometeu uma legalidade estrita. Desobedeceu a uma imposição legalizada e cometeu por isso um crime previsto e punido legalmente.
O poster, intitulado "festival", tornou-se um símbolo porque representava uma provocação ao regime de Marcello Caetano, da autoria de um comunista empedernido no marxismo-leninismo mais fossilizado: João Abel Manta. O poster, escusado será dizer, era uma pequena maravilha gráfica e de inventividade porque o fóssil comunista era um grande artista ( ainda é porque não morreu).
Dois dias depois da publicação no suplemento do DL, A Mosca ( cujo exemplar infelizmente não tenho- e podia ter- e onde escrevia um O´Neill por exemplo, salvo o erro), foi alvo de denúncia pelo jornalista do jornal Época, afecto ao regime ( e que desapareceu com este), Barradas de Oliveira.
Este jornalista da situação entendia o poster como um ultrage ao símbolo da bandeira nacional e escrevia-o na denúncia apresentada: "duas páginas a cores representavam a bandeira verde-rubra e, no centro desta, a esfera armilar com o escudo deformado, sem as quinas nem os castelos, misturava-se com um boneco horrível de mulher a cantar ao microfone". Barradas de Oliveira entendia que este desenho pretendia desrespeitar, "abandalhar" e "achincalhar" o símbolo da unidade nacional. Um crime, portanto.
Houve processo crime e houve acusação e houve julgamento. E acabou por haver absolvição, em 8 de Fevereiro de 1974, na Relação de Lisboa onde o caso chegou. Um dos subscritores do acórdão era Pinheiro Farinha que veio a ser ministro da Justiça em 1975.
O caso foi contado no O Jornal de 19 de Dezembro de 1975 em duas páginas.
Durante o tempo que durou o processo saiu a revista Cinéfilo em finais de 1973 e no número de 27 de Dezembro desse ano, publicou uma entrevista com Mário Castrim, outro comunista encartado no marxismo-leninismo mais puro e duro e que escrevia magníficas crónicas de tv no Diário de Lisboa, diariamente e nessa altura há já oito anos. Nessa época comprava o jornal, de vez em quando, apenas para as ler.
O Cinéfilo mostrava na entrevista de quatro páginas que lhe fez, uma imagem em que é visível tal poster afixado por cima do fogão de sala da casa do entrevistado.
Por outro lado, no mesmo ano de 1972 e nos primeiros meses de 1973 , publicava-se no Porto a revista Mundo da Canção, completa, inteira e inequivocamente esquerdista, do lado do comunismo mais empedernido que um António José Fonseca ou um Tito Lívio conseguiam entrelinhar.
Um dos números desse anos foi censurado, retirado dos quiosques e apreendido até ao 25 de Abril, altura em que foi novamente posto à venda com uma tarja a anunciar o acto censório anterior e já com alguns meses.
A revista Mundo da Canção era dedicada a transpor letras das canções dos discos mais interessantes da música popular de expressão anglo-americana e não só, porque apareciam também franceses e espanhóis ( Aguaviva ou Patxi Andion) e tinha textos de recensão crítica a esses discos e espectáculos musicais.
O número então apreendido pelo Exame Prévio, mostrado depois como troféu das malfeitorias do "fassismo" pouco ou nada tinha de especial ou subversivo, a não ser um ou outra letra de canção de disco portugueses de cantores "malditos" mas que passavam no rádio da época.
Deixo aqui uma imagem de vários números da revista, desde o primeiro, em Outubro de 1969, com o padre Francisco Fanhais na capa, até pouco antes de 25 de Abril, em que se podem ver capas com José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, Fernando Tordo e José Mário Branco, com duas capas e letras do disco Mudam-se os tempos mudam-se as vontades. Num desses números aparecem várias letras do disco Cantigas do Maio, incluindo, naturalmente Grândola vila morena e aparece ainda a conclusão de um ensaio sobre " a nova canção portuguesa" com apreciação crítica dos discos de José Afonso, assinado por Mário António Pires Correia.
Porém dos números aqui apresentados só um deles foi apreendido pela censura...porque todos os demais, apesar de terem um conteúdo idêntico, circularam livremente, todos os meses pelos quiosques de Portugal.
Saberá alguém dizer qual foi o número censurado?
Ah! Já me esquecia colocar aqui notícia relativa ao que sucedeu ao responsável pelo polícia política , DGS ( que os comunistas fossilizados não chegaram a conhecer porque ainda hoje lhe chamam PIDE) do tempo de Marcello Caetano.
Ainda vai a tempo de ver o que fizeram ao major Silva Pais, com a publicação destas duas páginas da Opção de 20 de Maio de 1976. É ler...e verificar que Silva Pais nunca foi condenado por qualquer crime, do que aliás dá conta o texto...