Em Portugal é de Direita ou de Esquerda quem assume a
respectiva condição, sem mais. Ainda mais: a escolha não é racional e resulta
de razões que a razão desconhece. Tal
como nos clubes de futebol, pertencer a
um ou outro lado do espectro político equivale a preferir um ou outro clube
consoante a cor do equipamento ou em função de uma carga afectiva difusa e
complexa . Ser da esquerda é reivindicar a pertença a
um grupo ideológico que se define
por uma palavra, mais que por um
conceito coerente . Ser de direita é
reivindicar uma pertença a grupo diverso definido pela outra palavra .
Como exemplo prático, o advogado José Miguel Júdice dizia-se
em tempos ( nos idos de 1986) como pertencendo ao clube da direita que o mesmo
definia como “povo da direita”, ao qual associava a figura de Freitas do Amaral
enquanto candidato presidencial que o mesmo apoiava. Explicava assim ao
Expresso em 3 de Maio de 1986: “entendo
que faz sentido falar de direita e esquerda, no aspecto sociológico. É o
sentido em que se fala do povo da direita e de povo da esquerda. Eu faço parte
do povo da direita”.
Talvez este exemplo seja o melhor para se mostrar como não
faz nenhum sentido a opção ideológica daquele, por motivos sociológicos. Vinte anos depois, o mesmo, já se situava
entre o “povo da esquerda” sem que tenham ocorrido mudanças significativas e
visíveis no modo de entender Portugal e a sociedade que temos.
Quanto ao putativo candidato do “povo da direita”, Freitas
do Amaral, então esse é que se tornou o
exemplo catedrático da irrelevância da distinção teórica.
Portanto, daqui, desta pretensa distinção ideológica assente
em palavras que designam realidades opostas, resultam equívocos, como os
resultantes da identificação errada do respectivo grupo e seus apoiantes.
Uma definição assenta
na “determinação clara da compreensão de um ser, objecto ou ideia”,
segundo os dicionários. Ora a definição de esquerda ou de direita,
particularmente esta, não é clara e muito menos compreensiva.
Basta ler o Dizionario di Política de Norberto Bobbio e
outros, para perceber, no respectivo verbete, a dificuldade da definição e
eventual impossibilidade de determinação compreensiva do conceito.
Mas decorrerá desta dificuldade e impossibilidade prática a noção de que se torna despicienda e inútil a distinção entre esquerda e direita em Portugal?
Nem por isso. A
esquerda , em Portugal, nunca deixou de o ser na definição acima exposta: a associação automática à própria palavra
encorpada para todos os efeitos, mormente o identificativo, num conjunto de
ideias que ajudaram a definir politicamente certos partidos.
Antes de 25 de Abril de 1974, a distinção entre esquerda e
direita era quase e apenas teórica, uma vez que não existiam partidos ou forças
políticas expostas no espaço público conhecido e livre que assumissem a
pertença clara a um ou outro clube.
Marcello Caetano dizia isso mesmo na sua segunda “conversa
em família” na RTP de 1969 ( in Vida Mundial de14 2 1969):
É certo que estamos
a presenciar uma espantosa transição histórica. (…) Andam outra vez muito em
voga os termos “direita” e “esquerda” para significar posições políticas em
relação às quais se procura situar o governo.
Trata-se de palavras de sentido muito equívoco. Todavia, se a essência
da esquerda está no movimento, se o espírito da esquerda é o da reforma social,
não me esquivo à qualificação que dessa tendência possa resultar. Mas na medida
em que a direita significa a manutenção da autoridade do poder para permitir a
normalidade da vida dos indivíduos, o respeito das esferas da legítima
actividade de cada um e o funcionamento das instituições que asseguram a
ordem-, então, e sobretudo nos tempos que correm, creio que nenhum governo em
qualquer regime que seja, pode deixar de ser essa direita. A luta contra a subversão que lavra com
intensidade pelo Mundo, obriga por vezes a medidas que despertam os protestos
daqueles que, consciente ou inconscientemente fazem o jogo revolucionário, mas
que traduzem a defesa natural de uma
sociedade não disposta a perecer às mãos dos seus inimigos.
A propaganda intensa que está a ser feita neste momento
entre a juventude visa os próprios alicerces da sociedade e da Nação
Já noutra ocasião observei que , em África, não declaramos
guerra a ninguém, não tomaos a defensiva contra ninguém. Limitamo-nos a
defender a vida dos portugueses, pretos e brancos, ameaçados por uns tantos
grupos armados e treinados no exterior e que deixados à solta, semeariam o luto
e a desolação em terras onde construímos pacíficas comunidades progressivas e que
trouxeram paragens selváticas à civilização”.
Estas sábias palavras de Marcello Caetano, mereceram aos
ditos “revolucionários” contra quem Marcello combatia, ou seja aos comunistas e
seus compagnons de route, um desprezo que se transformou em oposição politica auto-designada de esquerda.
Em 25 de Abril de 1974 a Revolução não era de esquerda nem
de direita, apenas militar, mas depressa acabou por ser
instrumentalizada pela esquerda que assim se definia, apontando desde logo o
regime anterior não apenas como de direita, mas plenamente fascista, palavra
que os comunistas e socialistas adoptaram como matriz identificadora do regime
anterior, à semelhança do que faziam noutras paragens e latitudes para designar
regimes que os combatiam ideológica e politicamente, proibindo-os de existir.
Essa proibição transformou-se no sinal contrário, definido por eles mesmos: constitucionalmente ficou proibida a propaganda e constituição de partidos fascistas, designados sem precisão conceptual, mas associados a qualquer ideia e resquício do regime anterior relacionada com a proibição das actividades comunistas, tidas então como subversivas. É fascista e logo proscrito quem for anti-comunista “primário” ou seja, não admitir sequer a existência de partidos comunistas como formas legais de conquista do poder. Nesta perspectiva, os regimes de Leste que passaram a proibir os partidos comunistas após a queda do Muro, em Berlim, são todos fascistas, naturalmente. Sobre isto e para o comprivar, é ler o que na entrevista abaixo publicada diz do jornal A Rua que reclamava a ilegalização do PCP- fascista, nazi, evidentemente e por causa disso, apenas.
Essa proibição transformou-se no sinal contrário, definido por eles mesmos: constitucionalmente ficou proibida a propaganda e constituição de partidos fascistas, designados sem precisão conceptual, mas associados a qualquer ideia e resquício do regime anterior relacionada com a proibição das actividades comunistas, tidas então como subversivas. É fascista e logo proscrito quem for anti-comunista “primário” ou seja, não admitir sequer a existência de partidos comunistas como formas legais de conquista do poder. Nesta perspectiva, os regimes de Leste que passaram a proibir os partidos comunistas após a queda do Muro, em Berlim, são todos fascistas, naturalmente. Sobre isto e para o comprivar, é ler o que na entrevista abaixo publicada diz do jornal A Rua que reclamava a ilegalização do PCP- fascista, nazi, evidentemente e por causa disso, apenas.
Este anti-fascismo primitivo pegou de estaca em Portugal e
pode considerar-se talvez como a matriz fundadora da ideia de esquerda, numa
tentativa de definição compreensiva.
“Quem tem medo do comunismo?” cantava o então revolucionário
comunista, mas apenas idealista, José Jorge Letria no dealbar do PREC. Um
revolucionário idealista que se filiou mentalmente no PS logo que o “partido” começou a levar nas trombas
eleitorais e chegou a presidente da SPA, porque em Portugal já houve um tempo em que "tudo era possível". E continuava:
“são os latifundistas, são os monopolistas, são os colonialistas. Enfim…os
parasitas. Enfim…a reacção”.
Estas palavras, com destaque para “reacção” ajudaram a
definir a esquerda e a direita em Portugal. Matraqueadas nos media em ritmo diário,
televisiva e radiofónico não demoraram muito a enraizarem conceitos equívocos
mas eficazes nas designações vagas de inimigos putativos.
Perante uma novidade na linguagem, pois estas palavras não existiam no léxico
corrente antes de 25 de Abril de 1974, na ausência do senso comum de Caetano,
relegado para a seita dos, “colonialistas”, latifundistas e monopolistas,
enfim, dos “parasitas”, foram estas ideias simples e directas à compreensão
popular que pegaram a ideia básica sobre o que era a Esquerda e a Direita.
A eficácia e solidez da repetição desses tropos que deram a volta aos conceitos , em
monopólio linguístico durante um par de anos, bastou para se enraizarem na mente colectiva, traduzida diariamente nos
media.
Em Portugal os conceitos de Esquerda e Direita foram assim
criados ex nihilo e contradizem o princípio ex nihilo nihil fit porque criaram
efectivamente um nada a partir doutro nada.
No paradoxo subsiste porém o elemento de fantasia que substitui o nada
impossível de criar a partir de si mesmo.
E como sucedeu tal fenómeno?
Em 18 de Março de 1977, para quem ainda tivesse dúvidas, Álvaro Cunhal encarregava-se de dar corpo ao conceito dinâmico do nada. É ler o que diz do jornal A Rua que reclamava a ilegalização do PCP- fascista, nazi, evidentemente:
Era Cunhal quem afinava o diapasão mediático e por isso a Esquerda, em Portugal era o que ele dizia que era, assim como a Direita. Um nada elevado à poténcia de uma categoria.
Em em 25 de Novembro do mesmo ano de 1977 voltava à carga definidora para ninguém se arredar do redil:
Porém, em 18 de Outubro de 1975, no Expresso, um suposto direitista naquela definição cunhalesca, dizia coisa diversa da distinção :
Quid iuris nesta confusão conceptual sobre a essência do nada? O PPD era a "direita" mas a socia-democracia seria o socialismo possível? Não bate certo.
Por causa desta azáfama intelectual, no fim do ano de 1977 tínhamos uma surpresa no sapatinho:
Seria o FMI de esquerda ou de direita? Nada é que não era pela certa...a bancarrota, essa e como Cunhal explicava nas entrevistas acima, era coisa da direita, naturalmente. Os comunistas nem sequer geriam as empresas...
Nota apócrifa: li por aí algures, um pândego qualquer que fincaopé não sei onde, a afirmar, chamando-me mentiroso porque afinal a primeira bancarrota em finais de 1976 e durante 1977, não teve como pai Mário Soares, antes pelo contrário. Soara aparece como o salvador da pátria nessa primeira provação nacional da era pós 25 de Abril 74 e com feição inédita porque tal nunca sucedera no tempo de Salazar e Caetano.
É preciso dizer a esses pândegos distraídos que em 1976 foi aprovada uma Constituição cujos termos económicos eram socialistas e de "esquerda", conforme este conceito é definido pelo autor original. Cunhal de sobrenome. O PS de Mário Soares foi governo durante a maior parte do período em causa, ou seja, desde o Verão de 1976, sendo certo que muitos PS`s e Mário Soares concretamente, participaram nos governos provisórios de 1975 e 76 . A Esquerda, tal como é definida por Cunhal ( e Soares então aceitava como boa a distinção) foi quem aprovou as medidas económicas que conduziram directamente á iminente bancarrota de 1976-77. Aliás, como Medina Carreira muito bem deve saber se não estiver esquecido.
Não foi Mário Soares o pai da primeira bancarrota? Pois aceito que não. Foi padrasto. Porque o pai era um filho da mãe: a Esquerda portuguesa de sempre.