quarta-feira, janeiro 29, 2014

Indícios insuficientes de acusação a magistrados



Rui a. do Blasfémias sentiu o toque do remoque aqui feito e respondeu em postal intitulado "Estado de Direito". Aqui vai a réplica.
Em primeiro lugar tenho a dizer que não conheço o caso concreto nem quero conhecer para além do que vi escrito nos jornais,  mesmo  virtuais como foi o caso do Expresso de onde respigou o postal em causa.
O que lá se diz, porém, é suficiente para aquilatar da correcção do escrito em causa e que mereceu o meu remoque, não por causa de qualquer corporação de que faça parte mas principalmente por causa de um sentido de justiça que me parece supra corporativo.  O que está mal, mal está e se me parece mal, é essa a única razão para dizer que está mal.  Se a pertença a qualquer corporação trouxer vantagem competitiva na matéria, não vejo onde se possa apontar falta de razão, isenção e parcialidade só por causa disso. 
Dito isto, o que me parece  grave e incorrecto no escrito de rui a. é a afirmação de que a acusação do Ministério Público padece de completo  fundamento, ao escrever que havia uma  ”ausência absoluta de indícios",  detectada na fase instrutória do processo e declarada como tal pela JIC.
 Lendo a própria notícia tal é desmentido factualmente porque se escreve que  o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa decidiu não os levar a julgamento por considerar não haver indícios suficientes.
“Não haver indícios suficientes” não equivale de modo algum a “ausência absoluta de indícios”,  nem semântica nem juridicamente. Mas ainda que se argumente que em casos deste teor,  a suficiência de indícios pode residir numa fronteira  pouco visível  e próxima da ausência total se forem considerados insuficientes, resta uma outra ordem de razões jurídicas que é mister aduzir.
A nossa lei processual penal define muito bem o que se deve entender por indícios suficientes para permitir uma acusação penal.  Diz o artº 283º nº 2 do CPP:
“Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.”

O que é essa possibilidade razoável? É a que resulta da análise dos elementos que são recolhidos no inquérito e que devem ser aquilatados para aquele efeito. E esse trabalho é o dia a dia dos magistrados do MºPº, a essência da sua função penal.  Em termos simples, exercer a acção penal de modo a que sejam punidos os criminosos, mas apenas os criminosos.  Discutir este assunto sem conhecer os meandros ou as subtilezas da profissão e da experiência como magistrado pode ser um caminho directo ao erro. Mas pode igualmente ser o caminho da verdadeira justiça quando o injustiçado luta para que se lhe reconheça tal e argumenta com quem dirige a investigação no sentido de ser mais diligente e competente. É isso que deve fazer todo o injustiçado perante um MºPº anémico ou preguiçoso.
Escrever um texto a sustentar que o MºPº não recolheu tais indícios suficientes apenas porque um tribunal de instrução criminal entendeu o contrário tem ainda o seguinte que se lhe diga:
O juízo de probabilidade de condenação que o JIC faz sujeita-se às mesmas regras processuais, mas pode haver diligências realizadas durante a fase de instrução que vão para além daquelas realizadas em inquérito e que possam  contrariar tais indícios suficientes. Muitas vezes tal sucede sem que ao magistrado do MºPº se possa assacar qualquer responsabilidade eventual de carácter profissional, disciplinar ou criminal. É fácil imaginar alguns motivos práticos para tal suceder. O arguido pode não ter falado no inquérito e depois falar na instrução. Pode acrescentar provas a seu favor que não apresentou em inquérito, etc etc etc.

Mas não vamos por aí. Vamos pelo caminho direito da normalidade. Imaginemos que o MºPº acusou porque se convenceu, com as provas indiciárias recolhidas , que as mesmas eram suficientes e que tais provas perante as de defesa constituem uma garrafa meio-cheia. Se o JIC observar as mesmíssimas provas e concluir que afinal a garrafa está meio-vazia, tal se deverá á idiossincrasia de cada um e pouco haverá a fazer senão recorrer para que uma terceira entidade desempate. É o que acontece muitas vezes com os recursos para a Relação.
É preciso nunca esquecer, porém, o que significa em termos jurídico-penais, a fase de instrução. Em 1987 quando o CPP foi aprovado, o seu mentor, Figueiredo Dias pretendia que seria uma fase residual e rara, porque o essencial do processo penal seria para se desenrolar em audiência, ao modo americano, nesse aspecto.  Substantivamente assim é, uma vez que a lei processual penal exige que todas as provas sejam produzidas em audiência. E só valem essas. Motivo pelo qual, até á última reforma, do ano passado,  um arguido poder confessar no inquérito e em instrução e se não falar no julgamento e não houver outras provas ter necessariamente que ser absolvido.
Não obstante aquele desiderato explícito do mentor do Código, a fase de instrução transformou-se muitas vezes num pequeno julgamento da acusação. E não devia ser.
Assim, passando para outro aspecto, o que lida com o populismo judiciário e com demagogia a eito.
Num caso como este, de abuso sexual de crianças, ainda por cima pelo familiares mais próximos, a delicadeza do assunto exige muito cuidado a quem investiga. E é evidente que não basta ouvir um ofendido, no caso uma mãe, a fazer queixa de um pai que abusa de uma filha ou filho. Não basta ouvir os directamente envolvidos, geralmente sem outro tipo de provas que não a mera audição e relato de facto avulsos. Nestes casos intervêm também outros especialistas que analisam os relatos das pessoas envolvidas e fazem o seu juízo de probabilidade sobre os acontecimentos.  Se o menor pode exprimir algo, também é observado e analisados os seus comportamentos diurnos e nocturnos.  E o conjunto de análises efectuadas  pelos magistrados e especialistas, a que se junta a capacidade de discernimento e  senso comum que tem que ser bom senso, é que ditam se há indícios suficientes para uma acusação ou não. 
A dificuldade de análise provém como é bom de ver, da própria natureza do caso. Geralmente sem testemunhas oculares e sem indícios que não sejam os relatos fragmentados e imprecisos de crianças ofendidas cuja veracidade tem que se procurar aquilatar através de outros indícios do seu comportamento. Mesmo assim, ouvindo versões diametralmente opostas e que se acusam ferozmente do acto e do seu contrário, como injurioso e difamatório.
Nenhum magistrado ou especialista tem poderes especiais de adivinhação, nem a preparação intelectual ou profissional habilita qualquer magistrado a lidar com estes casos de modo superior e sem falhas.  Daí o imenso cuidado com estes casos, provavelmente os mais difíceis de resolver na panóplia judiciária.

Valerá a pena lembrar aqui, para os mais afoitos e afeitos ao julgamento sumário segundo as suas próprias convicções acéfalas, o caso de Salomão? 

 A notícia, como é comum no jornalismo português de meia-tijela, não diz completamente o que se passou, mas diz o suficiente para quem lê, dar o benefício da dúvida a quem julga. No inquérito em termos indiciários e na instrução do mesmo modo.

O Direito e os tribunais não são melhores que isto. E não vale a pena pensar que são. E o jornalismo também não costuma ser muito melhor que isto, porque no caso nem poderá. E a meu ver nem deveria ser notícia, tal coisa que interessa aos visados e a mais ninguém.
 Os indícios que resultam da notícia em causa são relativos a um caso muito difícil de resolver, muito complexo para se analisar a veracidade ou falsidade e cuja ponderação pode muito bem assentar na convição íntima de quem decide, com base em provas aceites pela comunidade como válidas.
Partir desta notícia para zurzir em quem trabalha nos tribunais, com as razões apontadas,  parece-me um exercício pouco salutar porque neste caso derivado não há indícios suficientes para acusar. Por mim, o despacho em relação à actuação dos magistrados neste caso, é de arquivamento. Não de acusação...

2 comentários:

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

um pobre diancho é julgado em menos de 10 anos

e isso é notícia ?

é vulgar

inda su paedophilo fosse do governo regionalis annalis

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

um pobre diancho é julgado em menos de 10 anos

e isso é notícia ?

é vulgar

inda su paedophilo fosse do governo regionalis annalis

O Público activista e relapso