domingo, março 15, 2015

Quando mudou o Portugal de Salazar?

Aqui, no blog Dragoscópio, escreve-se assim, para explicar a génese do golpe de 25 de Abril de 1974 e os acontecimentos posteriores ( as "metástases", como escreve o autor):

Em 1961, vivia ainda um homem de 80 anos cuja vontade era capaz de congregar e animar ainda uma nação. Em 1974, essa nação perdera a vontade. O ânimo deu lugar ao desânimo. A crença à descrença. O rumo à desorientação.
Neste novo Alcácer-Quibir, repetia-se, em parte, o problema da sucessão - só que enquanto no anterior este decorrera do desastre, neste precedera-o, anunciara-o e propiciara-o.
O livro de Ploncard d'Assac sobre Salazar, termina com uma frase tocante e, ao mesmo tempo, trágica... Porém, verdadeira:
"Agora, debaixo daquela lousa nua e quase anónima, descansa aquele que por mais de 40 anos 'reinou' sobre o último Império do Ocidente."



Campa de Salazar no cemitério do Vimieiro.

Não tenho qualquer pretensão a historiador e por isso a reflexão seguinte vale apenas uma opinião de quem viveu esse tempo e tem um olhar particular sobre esse ar que passou. Quanto a mim assemelha-se bastante ao fenómeno que originou a descoberta do princípio da incerteza ou da indeterminação, do físico alemão Heisenberg.
O fenómeno de mutação social que ocorreu em Portugal no tempo dos anos sessenta e setenta do século passado foi, no meu ponto de vista, algo fluido, indeterminável com precisão no tempo e no espaço com o rigor de uma explicação historicamente indiscutível. Foi uma mutação genética na sociedade portuguesa provocada por alteração das suas componentes fundamentais, quais átomos de uma matéria nacional essencial.

Para o Dragão tal consitiu numa alteração do "ânimo", ou seja do espírito geral de uma nação que ao perder um dos seus mestres não encontrou sucessor capaz de lhe dar continuidade nessa espiritualidade laica.

O melhor exemplo estaria na mudança súbita de comportamento dos militares portugueses na guerra de África, nas então províncias ultramarinas. De um dia para o outro passaram a confraternizar com o inimigo da véspera, abandonando os princípios por que lutavam ou seja, essencialmente a unidade de uma nação secular. De um dia para o outro, as províncias ultramarinas deixaram de ser nossas e de sermos obrigados moralmente a defendê-las porque psicologicamente  a propriedade passou para outrém, os inimigos que deixaram de o ser. Tal como acontece num contrato em que o proprietário que vende se desapossa de uma coisa, entregando-a a outrém, também essas terras longínquas passaram para as mãos de outrém, ficando por definir os termos acessórios, mas com assunção do principal: a transferência da propriedade, imediata, sem restrições e portanto plena.

Como é que isto sucedeu? Foi por falta do tal "ânimo" derivada da ausência de quem o sustinha colectivamente?
Não creio inteiramente nisso, embora tal seja uma consequência de algo que se torna mister entender melhor.

Como é que a nação portuguesa perdeu esse ânimo que tinha, ainda nos anos cinquenta ( Humberto Delgado, para citar o exemplo mais flagrante,  demitiria Salazar mas não entregaria do mesmo modo, com transferência plena de propriedade,  as províncias ultramarinas, ou também teria perdido o ânimo patriótico?)

Por mim e para simplificar, considero que durante as décadas de sessenta e setenta do século que passou, as transformções sociais e culturais condicionaram muito a mutação do "ânimo". Este não se perdeu, modificou-se apenas.  Para melhor? Para pior? Haveria alternativa a tal? Poderia a mutação ser mais lenta ou menos radical?
Para essas perguntas tenho procurado respostas.

A sociedade portuguesa dos anos setenta não era evidentemente a dos anos trinta. E o tal ânimo que habitava Salazar por inteiro, não se transmitiu aos seus herdeiros políticos do mesmo modo. Marcello Caetano herdou provavelmente a maior parte dos átomos dessa natureza, mas ao longo das décadas sofreu a tal mutação genética e nos anos setenta já não era habitado pelo mesmo espírito de Salazar.

Será legítimo colocar aqui uma questão: Salazar não mudou durante a sua vida? Ou seja, e indo mais longe: que sucederia se Salazar tivesse 50 anos na década de sessenta? Ficaria preso ao ideário dos anos trinta, como os comunistas ficaram e ainda de lá não sairam? Creio que não.

Salazar, um dos políticos mais inteligentes de sempre que tivemos como chefe de Nação, teria percebido, como Marcello Caetano aliás, que o mundo mudara e o seu mundo não poderia ficar à parte sob pena de um exílio prematuro e inconsequente. Portugal não poderia continuar a ser nos anos sessenta e setenta o que foi nas décadas anteriores, tal como o comunismo não aguentou mais de meia dúzia de décadas uma doutrina imutável e ainda por cima desumana. Só os comunistas portugueses, fossilizados nessa ideologia, acreditam que sim.

Portanto, a questão continua: como é que mudamos e porquê?

No próximo postal vou tentar encontrar uma resposta prática ilustrativa.

9 comentários:

zazie disse...

Estava à espera deste comentário e que alguém pensasse a questão.

Pois aguardo e é um dos temas mais intrigantes e pertinentes que se pode fazer.

Eu penso que o povo muda.

E tem vindo a mudar de forma de tal modo acelerada que agora, para se reflectir historicamente nem há um único historiador ou "pensador", ou intelectual, como lhes chamam.

Tem de ser assim- clandestinamente em blogues.

Portanto, mudar, muda-se e perde-se ainda mais quando se perdem referências

Mas, uma coisa são mudanças históricas a que praticamente não se pode escapar, outras são momentos de ruptura que apagam tudo.

zazie disse...

Tenho ideia que as tais mentalidades obrigam a mudanças.

E elas serão naturais, quando as ditas mentalidades também o são. Também derivam de lenta sedimentação de novas formas de pensar.

O problema é que nunca se consegue separar o que é sedimentação cultural do que é postiço e ditado por moda.

Um exemplo- no presente as ditas mentalidades mudam por estação.

É tudo fabricado de forma mediática e por lobbies.

É tudo postiço.

O que actualente pergunto a mim mesma é se esse postiço com forte poder mediático não tem mais força que as alterações naturais que dantes eram lentas.

zazie disse...

Ah, adianto outro palpite:

Não temos Direita porque nesta questão a que o poderia ser perdeu-se com o Império e não apareceu outra.

Floribundus disse...

as ideias e sua aplicação nasce e morrem com a respectiva geração

MC não era o sucessor mais indicado

os portugueses cansam-se de viver bem
correm a apanhar as canas dos foguetes pensando ser os donos da festa

vivem na mesquinhez do ódio e da inveja

'trabalhar é bom para o Preto'

josé disse...

"MC não era o sucessor mais indicado"

Por acaso até acho que era mesmo e não havia melhor.

zazie disse...

Se não era o Marcello, então quem era?

zazie disse...

«as ideias e sua aplicação nasce e morrem com a respectiva geração»

Isso era dantes e era sem revoluções.

Não é agora. Agora duram, no máximo, uns 5 anos.

Depois existem as utópicas e essas estão sempre prontas para upgrade.

lusitânea disse...

Governar é prever ou cuidar como disse Camões.Alguém se descuidou com o aparelho de defesa que em 1974 era assegurado no terreno por uma maioria esmagadora de milicianos até ao nível companhia/equivalente e cuja doutrinação universitária veio logo à tona apenas o regime quebrou.Regime que quebrou por ter exigido demais a muito poucos e que depois ainda queria fazer ultrapassar e acabou por fazer apesar do golpe(o que diz bem da competência dos revolucionários).
As 5as divisões, o CR, o alinhamento partidário depois do 25 é da inteira responsabilidade dos famosos pais das pátrias e vá lá de meia dúzia de lacaios que servilmente foram seus tapetes nas FA´s
Por mais revolucionários que tenham sido os QP´s depois do 25 antes nunca ouvi que existissem.Os mais famosos até eram mais ao estilo nazi...
Quem politicamente tomou conta de Portugal depois do 25(estou a falar dos civis é que tem a total responsabilidade, mesmo que a não vejamos preto no branco como agora acontece com a corrupção...

lusitânea disse...

Aliás no 25 de Novembro a coisa era para ter ficado resolvida e não foi.Estes adeptos da política do bom selvagem já vieram de longe...

O Público activista e relapso