A revista italiana L´Espresso de 26 de Novembro passado tem quatro páginas desenhadas por Makkox que me parecem geniais, no conceito e no conteúdo, tirado de uma ideia de Marco Damilano.
Pena não haver por cá um único desenhador ou komentador com a subtileza destes...
A propósito da morte do mafioso Totó Riina, mostra em poucos desenhos e algumas frases a essência do mal perfeito que era o de Riina: assassinar, roubar, corromper, tudo pecados do mais alto desvalor social e penal apresentados como a normalidade do viver em modo mafioso. O Mal perfeito.
A tradução de algumas palavras apresenta dificuldade devido a expressões idiomáticas como "chemminchia fici di sbagliato?" que traduzo por "quem carago acha que estive enganado?", mas o comentador Jorge Barbosa corrige e alvitra bem melhor: "poderá saber-se o que raio é que eu fiz de errado?". "Ative-me sempre aos factos, eu. ( melhor ainda: tratei sempre da minha vida). Não sei nada de ninguém. Estou fora do mundo, vivo na lua". A frase é verdadeira, do próprio Riina.
"O Mal que sabe que o é tem sempre uma nesga que o pode salvar...enquanto o mal que não se arrepende não o faz por obstinação mas para não passar para a parte daquilo que do seu ponto de vista é o Mal. "
"Riina, homens como ele passam, mas as ideias de quem os combate permanecerão"...dizia Giovanni Falcone. E Riina responderia, porventura: " tiraste-me as palavras da boca"...
Isto é um Mal com uma visão própria e retorcida, transmissível ( mesmo pelo éter).
O jovem Salvo Riina, filho de Totó amava o pai e declarava o que este lhe tinha transmitido: o Bem e o Respeito.
É a reviravolta deste conceito de Mal hereditário que consente ao Mal cumprir horrores para seu próprio bem.
A referência a uma criança, filho de um inimigo, morta e dissolvida em ácido suscita o comentário de um hipotético Riina: Ah! Estás curioso? "A curiosidade é a antecâmara do pidesco", tradução livre.
Portanto este espelho mágico enganador é o verdadeiro Mal do Mal Perfeito. E que Riina estranha ao chegar ao lugar que lhe está destinado: "que carago é que faço aqui ?!!!"
Um mal que no final lamenta a injustiça..."é o mundo ao contrário".
Lembrei-me disto a propósito de dois artigos publicados no Expresso desta semana e da que passou sobre a "corrupção".
O primeiro é da autoria de Euclides Dâmaso, procurador-geral de Coimbra. O segundo de Maria José Morgado, procuradora-geral de Lisboa.
E. Dâmaso defende a especialização dos tribunais como um meio de melhor combater a corrupção. Discordo. O conhecimento por magistrados de tribunais comuns do matérias do foro mais técnico como direito bancário ou tributário não deveria servir de justificação para a criação destes tribunais especiais em razão da matéria.
Nenhuma matéria de direito bancário ou tributário ( julgo que serão estas as mais complexas, digamos assim, para os simples juristasm mas haverá outras como do ambiente ou do âmbito do direito médico) poderá escapar ao entendimento adequado e concreto de qualquer magistrado, se for bem explicada num processo penal que se atém a crimes previstos e cujo tipo legal contém bens jurídicos que se violam com os actos concretos praticados e devidamente escalpelizados.
Os circuitos de lavagem de dinheiro ou as manobras de ocultação de práticas criminosas podem e devem ser esclarecidos e explicados em forma simples, apesar de os mecanismos poderem apresentar complexidade.
A essência criminosa não encontrará obstáculo à sua explicação se tal for devidamente apurado por quem investiga e desse modo explicado em julgamento a magistrados que ficarão então a perceber o que está em jogo em termos jurídico-penais.
Uma burla é uma burla e não é a complexidade do respectivo modus operandi que a elimina do mundo jurídico-penal. Um acto de corrupção é um acto de corrupção e não é a subtileza da actuação dos corruptores que o esconderá se for bem desmontado.
Portanto, em vez de tribunais especiais seria melhor termos investigadores especiais e magistrados especializados em perceber os investigadores especiais, com meios, tempo e disposição para tal. Isso, a meu ver é mil vezes mais importante.
O segundo escrito. de MJM, em resposta àquele. Ainda estaremos para ver quem será o primo deste par?
MJM coloca a ênfase na valoração da prova indirecta, o que aliás ultimamente tem sido entendimento mais pacífico no STJ e enuncia alguns sectores concretos da corrupção ambiente, o que aliás faz correntemente de há alguns anos a esta parte, sempre com resultados muito mitigados, o que indicia pouca eficácia prática.
Sempre que escrevo citando estes dois magistrados nunca me posso esquecer que ambos tiveram uma ocasião soberana para pôr em prática os conceitos que defendem e de caminho mostrar o que nunca foi mostrado em Portugal: que o MºPº é efectivamente um órgão de supervisão que respeita o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei, sem olhar seja a quem for. Seja a quem for, repito.
Refiro-me ao caso concreto da averiguação da violação de segredo de justiça no caso Face Oculta, ocorrida entre o dia 24 e 25 de Junho de 2009.
Ambos os magistrados tiveram o poder processual de praticar actos que garantiriam tal princípio e mostrariam inequivocamente tal respeito e por motivos que não se conhecem integralmente ( nem sequer foi divulgado o despacho final nesse inquérito da responsabilidade do DIAP então dirigido por MJM) não foram capazes do fazer.
Isto é evidentemente uma espinha atravessada na garganta funda da opinião pública. Enquanto não for tirada a ferida continua lá.
Daí o paralelo com o Mal perfeito enunciado pelos italianos da L´Espresso. O primeiro passo para combater o Mal ( e não só a corrupção banal a que MJM se refere constantemente) é reconhecê-lo.
No caso dessa violação de segredo de justiça, a par de tudo o que se passou no âmbito desse processo cujo desfecho já se conhece e cujos contornos ficaram bem visíveis no que resultou agora da operação Marquês, havia uma "corrupção perfeita": a que não se reconheceu como tal e à qual não se deu a importância devida, até hoje.
Há agora quem escreva sobre a corrupção generalizada a um regime ou a um sistema que foi ignorada durante anos a fio, apesar dos indícios evidentes ou claros que se ignoraram em modo jacobino até que uma queixa formal permitisse uma investigação já fora de prazo.
A investigação concreta e profícua pelo MºPº daquele episódio que foi um fait-divers, em Junho de 2009, permitiria pôr a nu, uma série de factos e acontecimentos que talvez evitassem o que aconteceu em 2011 e anos seguintes, no país. Não teria havido caso BES, como aconteceu? Talvez não...
Teria havido resgate em 2009? Se calhar também não.
Este raciocínio não resulta de qualquer teoria de conspiração mas de análise fria de factos: se tivesse sido descoberto o autor daquela fuga ao segredo de justiça, ter-se-ia descoberto a trama que se seguiu e que passou pela ocultação de factos graves que desembocaram no processo do Marquês que só se iniciou dali a vários anos mas cujos factos decorriam nessa altura.
Quem dirige departamentos judiciários da importância de um DIAP ou uma PGD tem que entender isto e no caso concreto de Maria José Morgado pode ela continuar a escrever maravilhas sobre "corrupção" que a mim se me afiguram como banalidades e conversa fiada.
Quem não foi capaz de perceber que havia um elefante no meio da sala e andou anos a olhar para a sujidade que o tapete tinha, não merece grande aplauso.
Resta saber porque razão tal aconteceu e a mim parece-me que aquele desenho do Makkox explica melhor que mil palavras: o mal perfeito também se manifestou por cá. Houve ( continua a haver?) quem não entendesse que a corrupção em Portugal, nos últimos vinte anos, para não ir mais longe, não foi apenas a dos empreiteiros das obras públicas, dos "patos bravos", sejam eles engilosos ou camarentos.
Foi principalmente a de um sistema político-judiciário que deixou escapar entre os pingos da chuva alguns dos seus mais perfeitos agentes, os tais que nem admitem a corrupção como um mal e que agora até exclamarão: mas que raio é que faço aqui no meio destes? Quem é que tem o topete de me dizer que fiz mal?
Quanto às razões da inoperância, decorrem de um fenómeno também banal: quem está perto e junto de um certo poder e dele comunga, não tem isenção nem distância suficientes para o investigar se for necessário. É humano, compreensível, mas é assim.
A corrupção perfeita também conta com isso e por isso convida quem convida, escolhe quem escolhe e estabelece o sistema de contactos que permite a perpetuação do mal.
No fim a pergunta será sempre: que faço eu aqui no meio destes? É injusto...
De resto, a corrupção de que fala MJM é quase sempre esta, conforme noticia o CM de 9.12.2017:
Ora esta corrupção é a que se assume como mal, sem complexos e portanto tem remissão. A outra, a que não se reconhece no retrato é precisamente aquela que MJM e outros nunca mencionam. Mas não é por isso que não existe, sendo apenas a corrupção perfeita.