quarta-feira, janeiro 05, 2011

Um pouco de história judiciária

No outro dia faleceu um advogado do Porto chamado Arnaldo Mesquita que se entendia como "antifascista". O Público relatou o óbito com foto e artigo desenvolvido.

Por coincidência nesse dia tinha lido um artigo da revista Vida Mundial de 1972 em que se relata um aspecto da vida judiciária durante a ditadura de Marcelo Caetano, a propósito dos interrogatórios policiais a opositores do regime ( comunistas, geralmente).
No artigo que se pode ler com um clique aparecem vários nomes, entre os quais José Augusto Rocha e Arnaldo Mesquita como advogados de presos. A notícia, por outro lado, explicava através de um acórdão do STJ de então, relatado pelo conselheiro Adriano Vera Jardim, pai do antigo ministro da Justiça socialista José Eduardo Vera Jardim, a necessidade estrita de os detidos e interrogados em processos crime, serem obrigatoriamente acompanhados de advogado de defesa. Desde o primeiro interrogatório policial.
O pai do antigo ministro da Justiça escrevia no acórdão que " o sistema português, à parte certos pormenores que não afectam as grandes linhas em que se alicerça, é, sem sombra de dúvida, quanto àqueles dois pontos, dos mais perfeitos: garantia de defesa durante os períodos de instrução-aliás princípio constitucional; períodos de instrução definidos; aceleração dos termos do processo mesmo depois da pronúncia definitiva, por determinação do STJ-sendo estas duas medidas ignoradas mesmo em sistema em que a instrução é, de início, contraditória."

Este excerto deveria fazer reflectir os actuais legisladores e aplicadores do direito. Se Adriano Vera Jardim escrevesse agora, perante os ataques sistemáticos que o partido do filho desferiu contra o poder judicial nestes últimos anos, ficaria a pensar se o regime em que foi juiz seria assim tão mau como o pintavam, nesse aspecto.

Quem quiser actualmente consultar a Constituição da República Portuguesa de 1933, onde o ilustre conselheiro se estribou para o acórdão, não a encontrará em nenhum sítio oficial do Estado português. Não a encontrará em livros disponíveis nas livrarias, mesmo de Direito. Somente a encontrará, eventualmente, nas bibliotecas públicas ( aposto que a fundação daquele senhor Mário S. , paga por todos nós, a não tem).
Quem a quiser ler, terá de consultar a...Wikipedia. E mesmo assim, descobrir a ligação que nem é fácil. É este o Estado que temos actualmente. Um Estado em que a liberdade é por vezes unidireccional e a Constituição de 1933 porventura considerada um livro fascista.

Assim aqui ficam duas páginas da mesma, precisamente as que contemplam as garantias fundamentais dos cidadãos, entre as quais, a tal que se refere expressamente às "necessárias garantias de defesa". Certamente que destas, certos juristas tipo Paulo Ferreira da Cunha, não dirão que a Constituição de 33 era um catálogo aparentemente razoável para os cânones civilizacionais da época, mas apenas formalmente.

Mais à frente, no artigo 114º essa Constituição estabelece um princípio de responsabilidade civil, política e criminal dos ministros por actos diversos que enumera, entre os quais o de violação das leis da contabilidade pública. Hoje se quisermos desencantar um princípio idêntico teremos de ir à lei ordinária e mesmo assim, com uma redacção mais capciosa e que permite a fuga de qualquer ministro que viole aquelas regras.

3 comentários:

José Domingos disse...

Cá no burgo, o passado, é dogma. É suficiente ter-se sido, antifascista, é um cartão, que abre todas as portas, fica-se um excelência, um iluminado, untado com os santos óleos.........com os resultados que estão á vista.
Por isso, é que existem arquivos da pide/dgs, que não aparecem.
Estranho.

lusitânea disse...

Eu tenho a constituição de 1933.Essa e as seguintes...

Joaquim disse...

Se se quiser consultar o diário da assembleia nacional (1935-74) pode visitar-se esta página: http://debates.parlamento.pt/catalog.aspx?cid=r2.dan .
E a última versão da Constituição de 1933 pode ser consultada aqui http://dre.pt/pdf1s%5C1971%5C08%5C19800%5C12091222.pdf .
A de 1933 tem algo de comum com a de 1976, elaboradas por juristas portugueses as palavras valem o que valem (ou não valem).