Itália, início dos anos noventa do século que passou. Dois problemas politico-judiciários tomam conta das noticias nos media: a Mafia siciliana de Corleone e o caso Mani Pulite, de corrupção generalizada entre políticos, particularmente do PSI.
Dois magistrados e depois mais um, na berlinda: Giovanne Falcone ( depois Borselino) e Antonio Di Pietro.
Em Maio de 1992 a Mafia, a mando do capo Totó Riina, mandou assassinar Falcone e alguns meses depois, Borselino, à bomba. Riina foi preso algum tempo depois numa rotunda de Palermo, enquanto se fazia transportar num Citroën modesto, afirmando-se simples agricultor.
Em 2014 foram condenados os quatro autores mateiriais do atentado a Falcone, após colaboração de um deles. Riina cumpre pena perpétua.
Antonio Di Pietro demitiu-se da magistratura na sequência de investigações a Berlusconi, em Dezembro de 1994, entrando na política, no governo de Romano Prodi.
Como é que os media italianos lidaram com estes fenómenos? Por exemplo, o jornal La Repubblica, o jornal que, sendo de esquerda é um exemplo para todos os jornais, escrevia assim nesse tempo:
Em 27 de Maio de 1992 poucos dias depois do assassínio de Falcone, mostrava na primeira página os dois problemas italianos, já com uma referência expressa à operação Mani Pulite:
Pedia-se "justiça" em Palermo e agradecia-se aos juízes e agentes da polícia. Ao lado, um arrependido falava já na corrupção do PSI e Antonio di Pietro aparecia na foto.
No interior, o juiz Borselino dava uma entrevista sobre o assunto da Mafia, com processos pendentes e tudo.
Ninguém rasgou as vestes da hipocrisia; ninguém andou a escrever nos jornais que o juiz devia estar calado e escrever apenas nos processos, etc etc.Denunciava expressamente o controlo do território siciliano pela "cosche", pela "coisa", pelo sistema que por cá agora se chama também assim: "sistema". E que também é mafioso tendo tentáculos em tudo quanto é sitio, incluindo a magistratura e principalmente os serviços secretos.
Tal como na Itália da época.
Em 19 de Julho de 1992, o juiz Paolo Borselino foi assassinado pelo mesmo método do carro com bomba accionada à distância, quando visitava a mãe. A imagem do momento:
Em 30 de Julho o La Repubblica titulava assim, sobre o assunto: o telefone de Borselino estava sob escuta...
Um ano depois , com o desenvolvimento das investigações na operação Mani Pulite e Tangentopoli, ocorreram várias explosões em Roma e Milão, de vários engenhos colocados em
carros, perto de monumentos e igrejas. Autores dos
atentados? Alguém dentro do próprio Estado.
O La Repubblica de 29 de Julho de 1993 trazia o relato alargado e dava a palavra a juízes que falavam sem medo e sem que algum Loução lhes dissesse que deveriam falar apenas nos processos. Apontavam claramente o dedo aos trânsfugas dos serviços secretos italianos de estarem por trás dos atentados..
Do lado do povo e dos jornais o apelo era claro: Di Pietro, va avanti! Ou seja, punha-se em marcha o que agora se chama de "república de juízes" pelos louçãs que pululam por aí.
República de coisa nenhuma, de facto. Os juizes italianos limitaram-se a cumprir o seu papel, ao contrário dos louçãs lá do sítio que eram situacionistas e queriam que tudo ficasse na mesma, na podridão do costume da política tradicional. Tal como cá, agora.
Portugal em 2016 não se assemelha à Itália de 1992. Porém, a semelhança entre o que certos elementos dos serviços secretos fizeram e o que por cá podem fazer é relevante e é também denunciada no livro recente do antigo assessor de Belém, Fernando Lima.
É tempo urgente de questionar esse fenómeno e do MºPº indagar o que se passa. Com rigor e sem embarcar em explicações de treta sobre operações de protecção a serviços de registo e outros.