Em 1975, em pleno PREC apareceram por cá alguns espécimes da intelectualidade europeia da época e um deles foi Jean-Paul Sartre, o idolatrado de uma extrema-esquerda que não alinhava necessariamente pelos cânones ortodoxos da doxa soviética do PCP. Eram apenas companheiros de percurso...
Sartre tinha ido em 1954 à URSS e veio declarar que encontrara um país de liberdade, sabendo-o acabadinho de sair do estalinismo mais aterrorizante, com polícia política, censura, repressão intelectual e política etc etc.
Não obstante ter obrigação estrita de enunciar tudo isso, sabendo-o, Sarte proclamou em França que a URSS era o país em que havia mais liberdade. Depois mudou, diz que com os acontecimentos da Hungria, a partir de 1956.
Apesar disso Sartre foi sempre um companheiro de percurso de uma certa esquerda e foi isso que veio fazer a Portugal, em 1975, como relata a Vida Mundial de 27.3.1975.
A vida nacional de então estava ao rubro com o PREC em alta rotação, como se nota nestas entrevistas do mesmo número da revista, sobre as nacionalizações da banca e dos seguros.
Naturalmente Sartre aplaudia isso e muito mais. E por cá dava-se-lhe toda a credibilidade do intelectual francês, sério e para levar à risca. A Flama da mesma época:
Nessa altura Sartre ainda vivia influenciado pelos acontecimentos de 1968 em França. Cinco anos depois, a revista Le Nouvel Observateur, através de outro intelectual de esquerda francesa Benny Lévy, muito preocupado com o judaismo, fez o que o Jornal da época ( Abri-Maio de 1980) chamou de "testamento".
A entrevista que é difícil de encontrar, foi publicada em quatro números, faltando aqui o terceiro. Porém, permite entender a mudança de Sartre, política e pessoal.
Adivinha-se a mudança para uma ideologia do género da Geringonça, em que se misturam sempre os ingredientes da luta de classes com compromissos relativamente aos inimigos, em manobra táctica costumeira e leninista.
Sartre era um intelectual conhecido em Portugal mesmo antes do 25 de Abril de 1974. A mesmíssima revista Vida Mundial, em 13.11.1970 publicava uma entrevista extensa com o intelectual, traduzida da New Left Review inglesa.
Na entrevista acima transcrita Sartre, confrontado com uma declaração de Romain Rolland, outro intelectual francês, acerca de uma visita à URSS, em 1935, em plena época de purgas estalinistas, em que o mesmo dizia que "tinha visto na União Soviética um notável alargamento dos direitos do espírito humano" , Sartre dizia que Rolland não era um pensador notável.
A mesma Vida Mundial em 30.10.1970 tinha-lhe dado uma capa...e um artigo extenso em que não constava nada sobre tal afirmação acerca da União Soviética.