sexta-feira, setembro 29, 2017

A imprensa senescente em Portugal

O CM de ontem dava conta de uma reunião magna para debate dos problemas dos media nacionais. O presidente da ERC, indepentente e aqui mais que corporativo alvitrava soluções do mesmo género das que foram aventadas para "salvar os bancos": injecção maciça de dinheiros públicos para manter os postos de trabalho de jornalistas. Todos de esquerda, por sinal, ou a fazerem o percurso conjunto, por necessidade a ausência de alternativa.

É só isso que está em jogo porque a qualidade do jornalismo é coisa de somenos.

Compreende-se a preocupação do CM que esta notícia do passado dia 15 registava:


A maioria dos jornais em Portugal  há longos anos vive de subsídios e  não produzem nada que os auto-sustentem.
Produzem propaganda político-ideológica e o público está farto e não os compra. Então viram-se para o Estado, para o patrono que verdadeiramente respeitam como entidade salvífica, por evidente preconceito ideológico na medida em que não acreditam no mercado como entidade reguladora.  Em poucas palavras: os jornais em Portugal são de esquerda por necessidade de sobrevivência.

A ERC e o seu presidente ao alvitrar a solução miraculosa outra coisa não disse.

Hoje percorri as páginas dos principais jornais nacionais para ver o modo como noticiavam a morte do fundador da revista Playboy, um ícone da cultura popular.  Pois bem: nem um único se destaca a noticiar de modo personalizado e com artigo interessante. Todos afinam e alinham pelo diapasão estafado da cultura de internet. O que escrevem é requentado de artigos da internet.  Qualquer um dos artigos que me foi dado ler, de través mas suficientemente para o poder afirmar, poderia ter sido composto por um robô e parece que já há quem pense nisso...

O Público tem um artigo de duas páginas assinado por Mário Lopes, com idade suficiente para poder relatar algo pessoal sobre Hefner e a Playboy. Que nenni! Cópia, todo o artigo. O i, no artigo assinado por António Rodrigues, idem aspas, duas páginas um pouco mais ilustrada mas sem lustro algum essencial. O DN tem um artigo assinado por uma jornalista em tom idêntico, com as mesmas ideias feitas, as mesmas referências iconográficas e as mesmas alusões anedóticas. O CM ilustra imagens com um pequeno texto igualmente copiado das mesmas fontes.
O interessante de tudo é perceber como funciona a mentalidade deste jornalismo e a escolha prática do que é notícia para imprimir. Como é que deram todos em copiar a mesmíssima coisa e as mesmas ideias e factos? Só pode haver uma explicação: aprenderam todos da mesma escola.
Mas que escola temos, deste jornalismo? Confesso que não sei mas alguém deve saber. É uma escola de uma mediocridade atroz, com um currículo que deve ser de fugir a sete pés e uns professores que replicam o que lhes ensinaram, contribuindo para a rotina do que vem de trás se tocar para a frente.

Para que serve este tipo de jornalismo, neste caso "cultural"? Para nada porque a internet suplanta-o em dois tempos e em cima do acontecimento. Poderia fazer-se valer da qualidade da imagem impressa mas nem isso os toca. É aflitivo.

Em vez de tentarem ser diferentes, mais interessantes e escreverem sobre o que sabem, copiam ideias alheias e até referências factuais sem qualquer menção ao lugar de origem. Quem os lê, a escrever no presente   singular  será levado a acreditar que o relato é na primeira pessoa que experimentou aqueles factos ao vivo e a cores. Que miséria!

Este fenómeno é recorrente e permanente sempre que ocorrem factos como este. Os artigos surgem no dia seguinte, parecendo copiados uns dos outros e sem qualquer originalidade criativa ou mesmo autêntica. Tudo copiado. E mal porque nem sequer a origem da cópia é mencionada. A Internet tornou-se uma terra de ninguém onde toda a gente rouba ideias avulsas e alheias, sem qualquer pejo ou vergonha.
Depois queixam-se da falta de leitores...

Outro exemplo triste é para um jornal de chico-espertos que aparentemente não precisará, por si, de apoios do Estado mas está num estado lastimável com uma direcção de uma mediocridade atroz.

O Expresso na semana passada titulou assim ( a imagem é do sítio do jornal, editada por mim):



Quem lê isto fica a pensar que o jornal obteve o chamado "scoop". A fonte seria da própria entidade emitente do relatório e o assunto provocou ondas mediáticas que abalaram as instituições. O primeiro-ministro desmentiu logo, dizendo que não havia relatório algum. O jornal, numa bravata estúpida e à medida de quem o dirige, reafirmou o teor da notícia e a autenticidade do relatório, escusando comentar o comentário do primeiro--ministro sobre o carácter apócrifo do mesmo.

O CM de ontem esclarecia o assunto que o Expresso, por esperteza saloia não esclareceu: o relatório é mesmo apócrifo e não tem valor oficial. Tem apenas valor indicativo e o escândalo afinal reside no modo como tal relatório não foi aprovado pelos apparatchicks das "secretas". Esse é que é o escândalo, mas o Expresso preferiu inventar outro, numa habilidade triste que enganou os leitores e portanto produziu um péssimo jornalismo.


Ao ler estes exemplos de jornalismo forçoso será dizer que se os jornalistas se queixam deveriam fazê-lo em primeiro lugar do jornalismo que produzem e praticam.

Em 1975 havia muitos jornais e todos alinhavam à esquerda, tirando as folhas de couve das franjas marginais de uma direita que deixou de existir.

A informação era de tal modo enviesada para esse lado que fatalmente marcou uma geração ou duas.

Nessa altura os jornais vendiam mais que hoje porque não havia alternativas de informação como hoje existem. Ainda assim a crise de vendas que se instalou foi de tal ordem que obrigou a uma reformulação dos jornais estatizados e intervencionados pelo Estado, do mesmo modo que se calhar alguns jornalistas da ErC pretendem.

Ao longo dos anos foram aparecendo projectos e investimentos financeiros em jornais e revistas que se foram mantendo durante algum tempo, terminando quase sempre em falência técnica e editorial, com dívidas monstruosas que ninguém pagou.
A esquerda manteve os seus redutos e a esquerda que se apresenta como direita em Portugal também os organizou, primeiro no Semanário e depois num Independente nem carne nem peixe.

Pelo meio houve umas tantas tentativas de organizar um jornal ou revista verdadeiramente independentes, como seria uma Grande Reportagem, mas nem isso foi possível por causa da influência esquerdizante e gramsciana que se instalou em há longos anos na sociedade portuguesa.

Tudo falhou. Não há e nunca houve uma Der Spiegel em Portugal. Nem sequer um Corriere della sera ou um arremedo de Le Monde apesar do quixotismo do Público de antanho ( como seria possível com um faccioso do género Vicente Jorge Silva?).

Estamos por isso condenados a esta apagada e vil tristeza do jornalismo nacional. Para mim a causa é a existência de uma Esquerda über alles, viciosa e permanente que tudo domina no campo ideológico mais alargado e conduz o politicamente correcto que afundará o que resta da nossa originalidade.

Essa esquerda viciosa começou aliás com uma experiência de jornalismo "independente", num projecto chamado O Jornal que tenho já por aqui mostrado em várias ocasiões.

É a escola por excelência do jornalismo nacional actual, da geração que está a reformar-se.   É a escola dos dinis dinis alguém assim quis e outros avatares. É a escola que desembocou na Visão que foi comprada pelo Balsemão e que agora a vai fechar. E na verdade pouco se perde. O Lobo Antunes arranjará outro sítio para escrever o o jornalista Miguel Carvalho outro local para investigar e reportar.

Não haverá ninguém que se preste a financiar outro projecto como o do o Jornal, com o idealismo original e sem a mácula do esquerdismo de antanho que se prolonga até hoje?
Na altura fizeram-no em cooperativa e escreviam essencialmente sobre politiqueirice nacional, orientando-se contra o comunismo totalitário, mas fazendo percurso conjunto na táctica de conquista do poder em modo gramsciano.
O modelo organizativo, no entanto, funcionou durante dez anos aproximadamente, estiolando depois.  Poderia ser essa uma solução para os poucos jornalistas que apesar de tudo ainda devem existir por aí?

Questuber! Mais um escândalo!