Esta crónica lembra o autor italiano que escrevia livros populares e inventou as personagens de Don Camilo e Peppone, nos anos 40 do século passado. Essas figuras chegaram ao cinema, nas décadas seguintes e mostravam as idiossincrasias italianas entre o comunismo e o catolicismo de um modo que por cá, em Portugal nunca tivemos. Era um retrato do nacionalismo rústico à italiana...
Talvez por isso em Portugal o comunismo se transformou rapidamente numa pequena religião, logo após aquela manhã de Abril. Os apóstolos já tinham aberto os caminhos para tal e nunca faltaram profetas da seita que promete sempre o paraíso na terra desde que se tire aos ricos para dar ao Estado que depois dará aos pobres, se calhar e sobrar alguma coisa.
Em Itália, no tempo daquela manhã de Abril de 1974, estava prestes a desenrolar-se um drama que acabou em tragédia, em 1978, com o assassinato de Aldo Moro, um político da Democracia Cristã que estava disposto a fazer uma geringonça com o PCI, da época.
Se em Portugal tivesse existido oportunidade de aparecer um Guareschi, talvez que o PCP nunca fosse o que foi nem tivesse a importância que teve, durante a década dos anos setenta, do século que passou. Teria perdido toda a importância nas décadas anteriores e não haveria um forte de Peniche a servir de referencial a qualquer mito contemporâneo.
O sinal mais evidente de tal fenómeno foi o modo como em Portugal se encarou determinados acontecimentos ocorridos nos países comunistas de então.
Nessa década de setenta praticamente ninguém falava, discutia ou poderia mesmo assistir a discussões abertas e públicas sobre a verdadeira natureza do comunismo de Leste que o PCP tão bem representava. E menos ainda os vários comunismos que apareceram depois, em alternativa trostkista e maoista.
Assim, em 1974 quando em Itália o PCI já nem era um partido comunista ortodoxo como o era o PCP em Portugal, este apareceu em toda uma virgindade pública que escondia uma natureza corrupta e firmemente ancorada ao que os demais partidos comunistas europeus tinham já abandonado depois dos acontecimentos históricos dos anos sessenta e cinquenta ( Checoslováquia e Hungria, fundamentalmente).
O PCP por força de uma censura efectiva do que representava politica e ideologicamente e que foi promovida pelo regime anterior, beneficiou imediatamente desse obscurantismo politico-ideológico de tal forma que deveria estar sempre agradecido ao antigo regime que assim o protegeu objectivamente, de todos os confrontos ideológicos que se foram travando pela Europa democrática nesses anos.
Imagine-se por um momento que nos anos 40, no auge do cinema português em forma de comédia, num filme como o Pai Tirano ou O Pátio das Cantigas o enredo metesse um comunista internacionalista, adepto do estalinismo mais duro, como de facto era o PCP. Um comunista na figura de um António Silva em contraponto a um Vasco Santana bonacheirão e dado à destituição do ridículo. Seria fatal.
É esse o significado simbólico de Giovanni Guareschi: através da comédia dessacralizou-se o comunismo. Por cá, a ausência de visibilidade tornou-o em seita religiosa, laica,
Uma das oportunidades mais flagrantes de confrontar o comunismo português com a ideologia pró-soviética que sempre defendeu, ocorreu no início de 1974, com o caso Soljenitsine, já por aqui tratado diversas vezes.
A história de Soljenitsine e o modo como por cá foi relatada é exemplar da estupidez da Censura.
Em meados de 1973 houve conhecimento, no Ocidente ( França e EUA) de que o escritor russo Soljenitsine fora ameaçado de morte pelo regime soviético, de modo sério. Não porque andasse a fazer bombas para estourar em locais escolhidos, mas apenas porque escrevera um manuscrito que escondera durante anos e que denunciava as condições dos campos de trabalho soviéticos, os gulag.
O manuscrito fora entregue a uma amiga, o KGB soube e torturou-a durante vários dias para saber onde estava tal manuscrito. A jovem Elizabete Voronianskaia cedeu e contou onde o tinha guardado. Ao chegar a casa, não aguentando o peso do acto, pendurou-se, suicidando-se.
Estes factos não foram contados assim, por cá, nem em 1973, nem em 1974 nem depois disso, que se saiba.
No entanto, a revista L´Express de 7 de Janeiro de 1974 contava-os, tal e qual. Alguém do Expresso, entretanto com um ano de existência, deveria ter lido. Ou na A Capital; ou no Diário Popular; ou no Diário de Lisboa; ou no Século, ou no Diário de Notícias, Primeiro de Janeiro, Comércio do Porto ou Jornal de Notícias. Até no famigerado Jornal do Fundão, bastião do antifassismo beirão, devem ter lido...mas nada foi noticiado, que se saiba.
Seria interessante perguntar ao sabe-tudo de então, o ilustre professor Marcello se leu, ouviu ou soube. E o que fez na redacção do Expresso onde se encontrava.
Seja como for, aqui fica a história toda de então e que não passou nas notícias. De certo que a Censura nada teve a ver com isso. Ou teve?
Soljenitsine era já um nome conhecido em Portugal nessa altura. Em 21 de Janeiro de 1974, portanto depois da data daquela publicação até o Diário Popular deu destaque a outro livro de Soljenitsine, Agosto 1914. O escrito de Manuel Poppe denota ainda um conhecimento do que se tinha passado mas é apresentado em elipse que faz desconfiar de intervenção da Censura.
Quem não lia imprensa estrangeira, como era a esmagadora maioria dos leitores do DP nem se apercebia do assunto.
Esta castração cultural foi fatal ao país, nessa época e se o comunismo apareceu de rompante, dali a meses, a culpa não foi apenas do povo ignaro destes acontecimentos. Foi também de quem não permitiu que fosse devidamente informado disto e de muito mais.