Em 1976, ainda no rescaldo do PREC apareceu em Portugal a revista Opção, dirigida por um socialista democrático que tinha assinado uma Funda contra o regime anterior, um livro medíocre mas com um certo estilo. Artur Portela Filho era o autor e director da revista e escrevia duas páginas em cada edição a contar fábulas sobre a situação política.
Uma delas, saída no nº 7 de de 10 de Junho de 1976 era esta em
que se relatava uma reunião fantasiosa para tratar de assuntos magnos entre
certos figurões da classe política de então:
Tal como hoje, o estilo de efabulação pode servir para
contar a história seguinte que relata uma conspiração de silêncio comprometido
com malfeitorias no Estado de todos nós.
Segue o plágio desavergonhado de todo:
Estava, perfilado de
medo futuro o homónimo do Arquitecto; estava, tranquilo como sempre o novel Azeiteiro
de Sentenças, sempre pronto a ajudar manhosos e sempre principescamente retribuído
por isso; estava a nata administradora das cadeiras eléctricas de ceo e derivados;
estavam mandatários dos “Frugais” que tinham alargado os cordões à bolsa,
prontos a receber o porco pelo presunto oferecido; estava o viola de gamba, pivot deste samba e
outros interessados em saber o que interessava saber.
O Manhoso já sabia: espiões bem colocados na colina das
ameixoeiras tinham detectado movimentos suspeitos de escutas das conversetas de
alguns dos convivas em várias ocasiões e lugares. Todas as que interessavam ao
caso e ligadas ao ar que se respira. As conversetas já estavam enlatadas e prontas a usar pelo Inimigo da Escola.
Avisou os circunstantes, particularmente o Azeiteiro que
tinha mudado de ramo temporariamente, para se relançar outra vez em projectos
de milhões à solta, lançados como isco pelos “Frugais” que viriam mais tarde recolher os frutos.
“Cuidado!” avisou o Manhoso. “Já sabem de tudo e vão-nos
tramar tarda nada! O que podemos e devemos fazer, desde já é o seguinte:
Como alguns já se abotoaram com massa adiantada pelos Frugais,
para nos darem o que devia ser nosso, o Inimigo da Escola anda já em cima
dos suspeitos e um dia destes atravanca-nos o caminho do sucesso e temos que
devolver tudo, mais os lugares que ocupamos e nos dão as vantagens todas da boa
vidinha que temos. Acabam as limusines, as viagens de borla, as prebendas e lugares para amigos.
Ora o problema é que para recebermos a pipa das massas temos
que mostrar o jogo a quem não nos interessa e isso implica exposição pública
das ofertas dos Frugais, em concursos públicos e anúncios demorados, esperando
que apareça alguém mais habilitado a recolher o pecúlio. Ora isso é que não convém mesmo nada. Para os
amigos tudo; para os outros, a Lei. É essa a regra de sempre e não convém abrir excepções“
Então, perante este discurso
circunstanciado do Manhoso, o homónimo do Arquitecto, perfilado de sabedoria
colhida na chico-espertice dos gabinetes causídicos calafetados, apresentou a
solução milagrosa: uma Amnistia em forma de lei ainda mais manhosa que as ditas-
uma Proposta para legislar facilitismos nas concursatas públicas, apagando
males já passados e sem remédio.
E assim apareceu a Proposta que elimina todos
os escolhos que poderiam sustentar a prática de vários crimes contra interesses
patrimoniais do Estado de Direito.
De uma penada, a agilização de procedimentos concursais nos
contratos financiados pelos Frugais para pagarmos algum ar que respiramos
elimina os obstáculos que qualquer Inimigo da Escola poderia opor aos desejos realizados. Ficaria tudo num poço sem fundo de irrelevância
criminal.
Retroactivamente, como qualquer boa amnistia que se preze, o
que se fez de mal e criminoso passa a estar mais branqueado que as camisas
brancas que usam os engravatados.
Genial! Disseram todos, incluindo o Manhoso, sacudindo a
caspa.
E assim foram à vidinha de sempre, reentrando nas limusines.
Um deles foi para Estarreja e outros para mais longe, ainda.
Entretanto, alguns ingénuos ainda esbracejam por aí, como no Público de hoje:
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