sexta-feira, maio 21, 2021

As pedras partidas da Justiça

 Continuando o tema de direito comparado entre o do Estado Novo e a sucedânea Democracia parlamentar, no sentido de realçar diferenças significativas,  há um fenómeno que merece atenção: o das amnistias.

Logo após o derrube do Estado Novo/Social, em 1974 foram publicadas diversas leis de amnistia ao logo das décadas, com destaque para a primeira delas todas, a concedida pelo D.L. nº 259/74 de 15 de Junho.  
A seguir houve mais algumas, todas com propósitos específicos e cujos fundamentos se encontravam teoricamente expostos do seguinte modo: 

É sabido que o “direito de graça” é um obstáculo à punição de culpados. Diz o professor Figueiredo Dias, citando os seus estimados e habituais autores alemães que o direito de graça é “uma válvula de segurança do sistema”. Que quer isto dizer? Pois, que tal direito de graça é ...um acto de magnanimidade ou de tolerância, à severidade da lei, nomeadamente perante modificações supervenientes, de carácter excepcional, das relações comunitárias ou da situação pessoal dos agraciados. (Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993)

O mesmo autor cita outros ( Eduardo Correia e Taipa de Carvalho), para dizer também que a legitimidade das medidas de clemência deve afirmar-se sempre e apenas quando ocorrerem situações em que a defesa da comunidade sócio-política seja mais bem realizada através da clemência do que da punição.

Foi exactamente isso que sempre se proclamou aquando das generosas amnistias e perdões que foram sendo concedidas ao longo dos anos, desde 1974 a esta parte!

Em várias ocasiões, particularmente aquando das amnistias de Abril de 1979, Julho de 1982 e Junho de 1986, tais propósitos foram proclamados abertamente, na Assembleia da República, pelos representantes do povo português que aprovaram essas leis de clemência e graça que têm como característica principal o “apagar” os crimes .

A Lei de Amnistia de 1979- Lei 74/79 de 23 de Novembro ( aprovada em 24 de Abril de 1979 e promulgada apenas em Novembro) amnistiou “ as infracções criminais e disciplinares de natureza política incluindo as sujeitas ao foro militar cometidas depois de 25 de Abril de 1974, nomeadamente as conexionadas com os actos insurreccionais de 11 de Março e de 25 de Novembro.”

O artigo 2º, dizia que a amnistia não abrangia :
a) As Infracções cometidas com emprego de bombas ou outros engenhos explosivos.
b) Actos de coacção física ou moral sobre os detidos.


Assim, ficaram efectivamente de fora da amnistia, alguns factos referidos no Relatório das Sevícias, ocorridas em 1975.

Em 1981, foi aprovada outra amnistia – Lei 3/81 de 13 de Março- que amnistiou os crimes de ofensas corporais voluntárias simples, as injúrias e as ameaças- artigos 359,360 nº 1 e 2; 363 ; 365; 379; 415; 417 do C.Penal de 1886.
Ainda aqui , alguns crimes poderiam ter ficado de fora da amnistia e do perdão que expressamente excluiu os “condenados por crimes essencialmente militares”.

Em 1982, por ocasião da visita do Papa, foi aprovada outra amnistia pela Lei 17/82 de 2 de Julho.
Foram perdoadas diversas infracções, incluindo diversos crimes previstos no Código de Justiça Militar. Foram perdoados vários meses a penas de prisão relativas a crimes do foro militar.

Em 1986 foi concedida outra ampla amnistia e perdão de penas pela Lei 16/86 de 11.6.

Em 1991, através da Lei n.º 23/91, de 04 de Julho, mais uma lata amnistia; em 1996, outra, com a Lei n.º 9/96, de 23 de Março e logo a seguir, em 1999, mais outra, com a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.

Depois de todas estas clemências, politicamente definidas e aprovadas, valerá a pena comparar o incomparável, a fim de descortinar razões e diferenças entre regimes políticos?

Talvez. Em 1960, o Estado Novo, por ocasião das comemorações centenárias henriquinas, proclamou uma amnistia que foi assim justificada politicamente e com uma linguagem que se perdeu, no léxico político e jurídico, trocada pelo juridiquês das academias pedantes que vamos tendo:




 




Depois dessa amnistia, o Estado Novo publicou outra amnistia, em 1967, aquando da visita de um Papa a Portugal, a primeira em mais de oitocentos anos de história...


Portanto quem quiser comparar, compare...e compare tudo, incluindo a linguagem e o que se adivinha que eram então as cadeias em Portugal, depois do que foram durante a I República. 


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