Na última edição de O Diabo, o militar J.J. Brandão Ferreira escreve um artigo de página a zurzir de alto a baixo toda a estrutura judiciária em Portugal, desde a formação até aos Supremos. Até compara com a tropa...
Escreve assim:
O sentido do escrito é todo para a demolição do sistema por comparação com o anterior que existia até 25 de Abril de 1974.
Vejamos algumas ideias para ver se o escrito terá algum aproveitamento.
Começa por apresentar estatísticas sobre os profissionais do foro, somando tudo no número redondo de 40 a 50 mil licenciados em Direito, para 10,5 milhões de habitantes. ´
Depois historia o modo de acesso à carreira de magistrado, comparando com o que havia dantes, para concluir que a escola do CEJ que inicialmente seria uma boa ideia, fomentou o acasalamento promíscuo entre profissionais, com um resultado perverso, precisamente a promiscuidade que daí advêm, através de "troca de informação indevida", misturando depois fenómenos diversos como a pertença a "lojas de avental" e quejandas ligações partidárias espúrias e inconvenientes.
A exposição destas realidades não é exagerada, porém carece de melhor análise quanto aos respectivos efeitos.
Desde logo deve dizer-se que o CEJ não é escola de copiança de espécie alguma e para explicar isto seria necessário escrever o postal que aliás já escrevi, por causa de outros equívocos como este. Só insiste na tecla quem ficou sem saber como funcionava o CEJ e sem perceber que não era propriamente uma escola de professorado, alunos, testes e por isso dissemelhante de uma faculdade qualquer.
Outra questão prévia que mina a discussão é saber se a idade acima dos 25, 26 ou 27 anos, idade média após a formação inicial, é impeditiva de se poder julgar num tribunal de primeira instância, causas até 50 mil euros e crimes com moldura penal inferior a cinco anos, uma vez que acima disso é necessário ter mais de dez anos de profissão e classificação de serviço condizente com o mérito ( Bom com distinção e Muito bom, com critérios cuja obtenção daria uma discussão melhor que esta).
Portanto, para se chegar a uma conclusão acertada é necessário perceber se os efeitos relatados têm a ver com o sistema de formação de magistrados e depois se tais efeitos serão inevitáveis nesse contexto.
Os licenciados em Direito escolhem profissões jurídicas, como a de advocacia, assessoria jurídica em empresas e o Estado acolhe magistrados, conservadores e notários. Actualmente mais de metade dos licenciados são mulheres, o que é facto sociológico inevitável nos tempos que correm.
É natural e humano que se conheçam entre si, namorem e casem e sendo isso inevitável apenas se torna necessário estabelecer regras estatuárias impeditivas de demasiada promiscuidade e tal tem sido alvo de atenção e legislação.
Assim, neste capítulo J.J. Brandão Ferreira não tem nenhuma razão para as críticas elencadas, a não ser que prefira integralmente o sistema antigo, anterior aos anos oitenta em que quase só havia licenciados em Direito do sexo masculino sendo as mulheres uma minoria sem peso nas profissões jurídicas. Será isso que pretende dizer? Se é, a discussão acaba aqui porque não vale sequer a pena começar.
Depois, sobre a moral e a ética nas profissões jurídicas também tem razão e nisso estou completamente de acordo, porque o que se passa nas faculdades de Direito é para mim uma vergonha, uma grande vergonha, com os institutos jurídicos e as associações privadas de professores a viverem à custa de um ilusório prestígio de tais escolas e a empochar rendimentos com tal actividade quando se associam sem fins lucrativos...e isso sem falar nestes casos particulares, mais vulgares do que se poderá pensar.
Porém, entre a magistratura os exemplos conhecidos (já lá andava o Ivo a comentar...) e escandalosos serão tantos assim que absorvam toda a dignidade da classe? Não me parece nada, mas de facto há casos suficientes para preocupação, lá isso há.
Quanto a fait-divers explorados pelos media, mormente as violações de segredo de justiça, apresentadas no escrito como um sintoma de descalabro judiciário, porque "ninguém respeita o segredo de justiça" torna-se necessário dizer duas coisas importantes que parece não serem percebidas pelo autor: actualmente a regra processual vigente é a da ausência de segredo de justiça e não o contrário. Depois, as violações ocorrem em lugares e através de pessoas insuspeitas, não sendo avisado acusar sempre os mesmos, os magistrados, como se tal fosse saber de experiência feito. A estrutura cada vez mais burocratizada do processo penal com a miríade de pequenos actos que têm de ser do conhecimento de vários intervenientes processuais, com relatos minuciosos de diligências a realizar ou de factos apurados, com entrega de documentos escritos, tornam apetecível e fácil tal violação sistemática pelos media do costume.
Para mim torna-se muito injusto imputar aos magistrados a responsabilidade pela violação de segredo de justiça quando existe e em casos cada vez mais contados, sendo provavelmente da sua responsabilidade um número ínfimo e irrisório de tais situações.
Depois há a indicação de números de magistrados por comparação, totalmente errados e que denotam um desconhecimento perigoso sobre o assunto que deveria fazer reflectir o autor antes de escrever sobre estes assuntos.
Dizer que em 1996 havia 196 magistrados do MºPº , se tal não for mero lapso de escrita, significa não ter a mínima ideia do que é tal magistratura quanto aos números que a compõem. Dizer que em 1996 havia 252 juízes é não saber que em 1974 eram cerca de 400.
Para mostrar esse erro basta mostrar isto, tirado daqui:
Sobre o sindicalismo, particularmente dos juízes é preciso dizer também que a opinião negativa não é única e está acompanhada de outras, como a de Vital Moreira, que em tempos, quando a Constituição foi aprovada em 1976 e o indivíduo ainda sonhava com os amanhãs a cantar, defendia precisamente o contrário, sendo tal virar de casaca eventualmente imputável a uma maneira de ser.Exactamente, o que aliás desmonta ipso facto toda a argumentação do artigo.
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