quinta-feira, março 05, 2009

O jogo da malha

Editorial do Diário de Notícias de hoje:

Se é verdade que a classe política - Governo, Presidente da República, deputados ou autarcas - é alvo de avaliação sempre que há eleições, quem é que avalia os juízes ou os magistrados do Ministério Público? A resposta é clara: ninguém. Claro que, tal como no que respeita aos médicos, não se exige que os juízes sejam avaliados pelo número de sentenças proferidas, mas sim pela qualidade dos acórdãos ou, mais importante ainda, pelo sem-número de erros judicias que são cometidos em Portugal. E sendo o Ministério Público o titular da investigação criminal, deve, em nome da transparência e da qualidade da democracia, ser avaliado pela qualidade das investigações que dirige. O que não se entende é que, mais uma vez, estas duas classes profissionais ou qualquer outra fiquem fora de qualquer grelha de avaliação.


Apetecia-me escrever a este propósito, um insulto retórico, puro e simples, em expressão de indignação: esta cavalgadura que escrevinhou o editorial, percebe nada do assunto, mas ainda assim alavanca palpites ignominiosos. E são ignominiosos porque se destinam ao efeito útil mais próximo: a deslegitimação continuada do poder judicial, associando por arrasto, a esse poder estrito, independente e imparcial, o poder autonómico do MP.
Ao contrapor a essa ausência, a grande avaliação eleitoral dos políticos, como se isso dispensasse tudo o resto, incluindo o controlo dos media, a direcção do DN, em editorial, está a posicionar a sua ignorância de vulto, como símbolo do analfabetismo reinante .

Escusado seria mostrar-lhe os textos legais que provam a ignorância. Escusado será tentar elucidar quem não pretende senão um efeito catártico de crítica plana. Vai tudo raso, nesta análise: "Quem é que avalia os magistrados? A resposta é clara:ninguém". Pumba que o Marcelino é que sabe da poda.

Pois bem, os magistrados são avaliados de diversas formas e feitios.Vejamos alguns e comparemos com a avaliação por exemplo, dos jornalistas.

A principal função dos conselhos superiores do MP e da judicatura, incluindo os tribunais fiscais e administrativos, é a gestão dos magistrados e o exercício do poder disciplinar. Qualquer funcionário que dependa do Estado num vínculo laboral e de carreira, submete-se a uma disciplina regulamentada em diversas leis. Também os magistrados estão sujeitos às regras do respectivo estatuto que define os casos de responsabilidade disciplinar.

Os jornalistas têm alguma espécie de responsabilidade disciplinar pelas asneiras que escrevem, prejudicando seriamente a Verdade ou o regular funcionamento das instituições que visam em artigos e opiniões manhosas, como esta? Não, não tem.

Depois, os magistrados, estão sujeitos a um controlo directo e indirecto, naquilo que fazem.
Directamente, sujeitam-se ao controlo das partes dos litígios ou, no caso penal, dos demais sujeitos processuais: o MP controla a actividade dos juízes, recorrendo ou simplesmente remetendo os processos que por dever de ofício devem apresentar aos tribunais. Ao mesmo tempo, os ofendidos das queixas ou os autores das acções, através dos seus mandatários que são os advogados, controlam directa e efectivamente a actividade dos magistrados. Podem ir ver, fisicamente, o que se passa num processo e inquirir, requerer ou consultar, in loco e em tempo real o que se vai passando. Podem inclusivamente fazer queixas dos magistrados aos conselhos superiores e com apreciação garantida, em colectivo e em tempo útil.

Maior controlo do que este, não pode existir. Será que os jornalistas deixam ir ver o que andam a escrever ou a investigar ou a elaborar como peças de notícia trabalhada? Não. Os jornalistas têm alguma espécie de controlo e avaliação que se assemelhe de perto ou de longe a este sistema? Não têm. Têm apenas a avaliação das "chefias" e é tudo. Quem controla as "chefias", por exemplo o editorialista do DN? Ninguém, a não ser o patrão. Se fizer o que o patrão manda, está tudo dito. Quanto vende o DN? Poderá dizer-se que é o público que controla e avalia o que editorialista do jornal escreve? Deixem-me rir.

Indirectamente, os magistrados têm ainda um outro controlo, para além desse que é directo e em tempo real.
Regularmente, têm inspectores dos respectivos conselhos superiores que bi-anual, tri-anual ou pouco mais, verificam, um a um, todos mas mesmo todos os processos que lhes são apresentados por lista discriminada. Ocasionalmente, podem ter a surpresa de uma inspecção para inquériito se pisarem o risco...
É nessa altura, na inspecção e que efectivamente controla a actividade profissional dos magistrados que estes são avaliados para classificação do seu mérito pessoal. e para progressão na carreira. Essa classificação é fundamental para cada magistrado. Há os bons, distintos e os muito bons. E há os suficientes e até medíocres. Um deslize pessoal, profissionalmente pode levar a uma avaliação negativa. E há-as. Basta ver os relatórios dos conselhos superiores.
Um jornalista tem este tipo de avaliação interna, mas fora do quadro redactorial, do grupo editorial? Não, não tem.

Aquilo que o editor do Diário de Notícias quer fazer notar, no entanto, para além daquela ignorância, pode ser uma outra coisa: o tipo de avaliação que os magistrados têm, funciona bem? Evita erros graves, ou apenas remedeia alguns? Promove o verdadeiro mérito, ou apenas dá curso à rotina do que já vem de trás?
O que dizer dos magistrados dos tribunais superiores, efectivamente subtraidos às inspecções regulares?
Estas questões é que seriam pertinentes, mas não é esse o discurso do editorial.

Se fosse, ainda poderia ter alguma razão. Assim, tem nenhuma e merece que lhe malhem.

11 comentários:

Tino disse...

Acho que a juíza que livrou o Paulo P. de ir a julgamento merecia "excelente".

Já o magistrado que o mandou enjaular merecia "muito mau".

A avaliação poderia ser atribuída por um qualquer apaniguado do Querido Lider, do género Augusto SS.

Por este andar lá chegaremos, em nome da decência da democracia...

Unknown disse...

José deixe que lhe faça uma pergunta:
- concorda com a forma como as avaliações são realizadas ( não com o quadro legal mas com a prática)? Em súmula, são justas tais avaliações?

Isaac Baulot disse...

José, aceite um conselho de um ignorante que muito tem aprendido consigo e o costuma ler com agrado: não escreva sobre este tipo de assuntos.

Ruvasa disse...

Viva, José!

Resultante do clima de completa demagogia em que vivemos de há muitos anos a esta parte, um dos actuais grandes males da sociedade portuguesa - da sociedade portuguesa com acesso a meios de comunicação social, veiculadora de ideias peregrinas e fazedora de opinião de completa idiotia - é isto a que assistimos a cada dia que passa.

Qualquer ignorante disserta ex cathedra sobre o que nem sequer sabe que não sabe e, no final, é delirantemente ovacionado por catervas de ignorantes similares, cuja falta de conhecimentos impede o mínimo assomo de análise crítica, pelo que engolem tudo o que lhes é servido.

É o caso.

Há que ir tendo alguma paciência e serenidade porque, à medida que a idade avança, vão surgindo problemas de saúde dela derivados, o primeiro dos quais habitualmente é a hipertensão emocional.

Ora, não é qualquer plumitivo de pacotilha que merece um tal desfecho.

Abraço

Ruben

Ruvasa disse...

Viva, José!

Resultante do clima de completa demagogia em que vivemos de há muitos anos a esta parte, um dos actuais grandes males da sociedade portuguesa - da sociedade portuguesa com acesso a meios de comunicação social, veiculadora de ideias peregrinas e fazedora de opinião de completa idiotia - é isto a que assistimos a cada dia que passa.

Qualquer ignorante disserta ex cathedra sobre o que nem sequer sabe que não sabe e, no final, é delirantemente ovacionado por catervas de ignorantes similares, cuja falta de conhecimentos impede o mínimo assomo de análise crítica, pelo que engolem tudo o que lhes é servido.

É o caso.

Há que ir tendo alguma paciência e serenidade porque, à medida que a idade avança, vão surgindo problemas de saúde dela derivados, o primeiro dos quais habitualmente é a hipertensão emocional.

Ora, não é qualquer plumitivo de pacotilha que merece um tal desfecho.

Abraço

Ruben

josé disse...

Caro anónimo:

Discutir estes assuntos, é delicado, mas necessário.

E ninguém discute isto em lado algum, por um motivo muito simples:

O sistema de avaliações na magistratura existe há muitos anos e funciona de modo melhor que noutros lados que conheço.

O Inspector começa por ver todos os processos do magistrado e vai tirando notas. Depois de vários dias, tem uma ideia precisa do resultado.

E isto não é feito noutras profissões, do mesmo modo.

COm os funcionários judiciais é exactamente a mesma coisa.

O problema, no entanto, não são as avaliações em si, mas o modo como funcionam e os princípios que as orientam.

Mas não foi isso que se escreveu no editorial. Se fosse ainda vá lá.

Agora o que se disse foi: não há avaliação dos magistrados.

E isso é de cavalgadura, repito em tom retórico.

Unknown disse...

Caro José,

O editorial começa logo com uma falsa premissa ("Se é verdade que a classe política - Governo, Presidente da República, deputados ou autarcas - é alvo de avaliação sempre que há eleições").

A assimetria de informação é tanta que na realidade nunca é feita uma verdadeira avaliação. Sabemos que os políticos gostam de bradar que são avaliados nas eleições, mas isso é apenas um eufemismo utilizado.

A existir uma verdadeira avaliação, não teríamos a corja de ignorantes incompetentes, asininos e afins que pululam por cargos políticos e partidários.

portolaw disse...

José,

Penso que pôs o dedo na ferida, não na resposta ao DN, porque nesse caso a melhor resposta seria uma parecida com a que o deputado do PSD ontem fez ao Candal, mas nos princípios norteadores das inspecções. Se na maioria dos casos as inspecções até são justas, outras há em que são dadas notas inferiores ao devido, porque haverá instruções, obviamente não expressas, noutro sentido, ou pelo menos os destinatários assim o entendem, e noutros casos, que serão menos, as notas serão até superiores, apenas porque o inspeccionado é fidalgo ou fará parte de alguma equipa ou serviço especialmente bem-visto.

Dr. Assur disse...

Há coisas que não se falam e até tinha piada comentar-se visto que mexem com o nosso bolso:

"Galp ganhou 105 milhões no final de 2008 com lento acerto no preço dos combustíveis "

Calculámos que seja uma matéria que deva passar despercebida nas bocas dos nosso “represantes” pelos motivos óbvios.

Leonor Nascimento disse...

Ainda não tinha lido este seu postal, nem o comentário. Fi-lo agora e o que o José aqui faz é verdadeiro serviço público, talvez com prejuízo pessoal e por isso ainda mais notável.

Feito o elogio - que sei que dispensa mas que é merecido e me apeteceu fazer - dizer que a avaliação dos políticos (apenas numa pequena vertente) pode ser lida nm estudo realizado pelos professores Francisco José Veiga e Linda Gonçalves Veiga e que abrange todos os municípios no período compreendido entre 1979 e 2001. Chama-se "Eleitoralismo dos Municípios Portugueses".

Uma das conclusões desse estudo é esta coisa hilariante: "a existência de um comportamento oportunista dos autarcas que se traduz na tentativa de mostrarem maior competência nas vésperas das eleições, através de um aumento das despesas, particularmente em categorias altamente visíveis pelo eleitorado, como as despesas de investimento em viadutos, arruamentos e obras complementares e viação rural. O incremento nas despesas municipais tem efeitos no emprego local, em particular em actividades relacionadas com a construção e obras públicas. Na medida em que as políticas são seleccionadas com o objectivo de maximizarem a probabilidade da reeleição, e não o bem-estar social, o eleitoralismo dos autarcas faz com que aquele se afaste do seu nível potencial."

Seria a esta avaliação que o DN se referia??!! ehehehehehehehe

Para confirmar aquela conclusão e porque estamos em ano de eleições é que foi publicada a lei que aplica medidas excepcionais na contratação pública, não foi?

O tal ajuste directo para contratos com valor até 5 150 000 euros!! Enfim, nada a acrescentar.


Quanto à relação entre os jornalistas e a justiça, há um livro "Direito á Inocência" da Juíza Maria de Fátima Mata-Mouros que é muito bom, Concordo com muito do que ali se escreve.

josé disse...

A Mata-Mouros veio uma vez aqui, comentar. Mas tendo a ser muito crítico do que ela escreve. Esteve na Alemanha a estudar o sistema penal...e parece que aprendeu o que lá existe. Mas o mais necessário é saber o que se passa aqui.

A obscenidade do jornalismo televisivo