Conforme se pode ler por aqui, na Itália segue uma discussão pública acalorada a propósito de projectos legislativos tendentes a modificar a lei das escutas telefónicas e a reduzir o seu âmbito de aplicação processual, ao mesmo tempo que se preparam medidas legislativas que impedem o relato jornalístico de assuntos apurados por esse meio.
Os media em geral, magistrados e demais pessoas alheias ao poder político situado ( Berlusconi), indignaram-se publicamente com tais medidas restritivas da liberdade de informação apelidando-as de "legge-bavaglio", lei da mordaça.
Em Portugal, Berlusoni não teria qualquer dificuldade em lidar com a lei que temos e nunca proporia qualquer alteração, porque aquilo que temos, depois de processos mediáticos como o Casa Pia, foi ainda mais além do que aquilo que em Itália é conveniente para o poder político.
E no entanto, mesmo assim, vemos por vezes os habituais proenças júdices barretos de carvalho a insurgirem-se com todo o vigor democrático de que são capazes em retórica expedita, a vituperar os parcos resultados que esta lei anémica das escutas permite recolher como prova processual penal. E citam a terra prometida da liberdade, os EUA, como modelo de organização judiciária ideal que pugna pela democracia como eles a entendem. Mal, pelos vistos.
No jornal La Repubblica de Sábado, onde este assunto vem amplamente debatido, há dois artigos sobre duas figuras de americanos que se pronunciam, eles sim, a propósito das mudanças que se preparam em Itália.
Um deles, Lanny Brauer é mesmo o actual sub-secretário da Justiça americano e diz que "as escutas são instrumentos essenciais para as investigações"; e ainda, " a vossa legislação ( a italiana), como está até agora, é muito eficaz ma luta contra a criminalidade organizada".
O outro, ainda mais importante, é Richard A. Martin, antigo procurador de Nova Iorque e responsável pela investigação Pizza Connection que numa breve entrevista explica o funcionamento essencial do sistema de escutas americano.
Começa por dizer que a Constituição americana garante a protecção do domicílio, correspondência e conversas dos cidadãos, portanto a privacidade ( o ponto chave de todas as argumentações contra as escutas) mas a jurisprudência americana tem concedido idêntico valor à segurança e à importância em se investigar devidamente práticas criminosas.
Para isso, nos EUA basta a existência de uma "probable cause" para que se possa obter de um juiz a autorização necessária a uma escuta. Autorização essa que pode ser pedida de modo até informal, verbal, se necessário for e a urgência o justificar.
E explica o que todos percebem e o poder político pretende sempre confundir: " Aumentar o nível de prova necessária para autorizar a intercepção, serve apenas para criar obstáculos significativos á rapidez e eficácia da intercepção. Ganham os criminosos, não ganham os cidadãos de bem. E que ficarão simplesmente menos seguros."
A propósito da exigência de serem três, os juízes a autorizarem as intercepções ( como os italianos agora pretendem), observa: "Que maior garantia pode haver em serem três juízes, senão aquela de fazer perder tempo precioso? Nos EUA o juiz que autoriza é monocrático e decide em horas. Como procurador pedi centenas de autorizações para interceptar ou fazer buscas, durante a noite, ao juiz de turno que foi chamado a decidir imediatamente. E por razões de urgência o pedido pode fazer-se oralmente e não por escrito."
E outra coisa muito importante que os juizes do nosso STJ devem ficar bem cientes:
Richard A. Martin pronuncia-se sobre o coração de um princípio que também é básico no nosso processo penal e constitucionalmente consagrado: o da igualdade de todos perante a lei. Sobre a circunstância, agora em equação, de as escutas ao Parlamento ou ao Vaticano ( sim...) deverem ser notificadas previamente a quem de direito, diz:
"Qual a razão desta norma? Quem protege? Seguramente que não o segredo de justiça ou a eficácia da investigação. Certamente afirma a existência de uma lei penal dividida por classes. Os políticos e os padres, na América, não gozam de nenhuma reserva legal perante um procedimento penal.
Se o FBI escuta o presidente dos EUA ou um membro do Congresso ou do Senado enquanto fala com uma pessoa sujeita a um processo de investigação, ninguém sonha sequer em avisar a Casa Branca. Simplesmente, se essa conversa é irrelevante, o registo não será conservado."
Como se sabe e foi alterado em 2007, na sequência do processo Casa Pia, pela Unidade de Missão, ( et pour cause), as intercepções telefónicas ao primeir-ministro, ao presidente da República e ao presidente da A.R. só podem ser autorizadas por uma pessoa: o presidente do STJ. Igualdadade de todos perante a lei? Sim, uma igualdade orweliana... e uma vergonha democrática sem paralelo.
Vão dizer isto aos júdices proenças e a certos juristas mais papistas que os papas... e ainda aos deputados que aprovaram esta lei celerada das escutas que temos e que obriga a que todas as escutas a certos responsáveisa políticos tenham de ser autorizadas pelo presidente do STJ. Vão ainda dizer que os conhecimentos fortuitos não precisam de autorização judicial...
Portugal , na vanguarda da Democracia, da igualdade dos cidadãos perante a lei? Só por anedota...
5 comentários:
Esclarecedor. -- JRF
Cá por mim as garantias têm uma finalidade:" canos serrados e colorinhos brancos unidos vencerão".Quer-se dizer vencerão contra a tal parede...
No nossa "democracia", à semelhança do Triunfo dos Porcos de Orwell, somos todos iguais, mas alguns são mais iguais que outros...
Nada contra o Sócrates? Mau, mau!
GM
A unica justiça que defende o povo é a chamada Justiça Popular...todo o resto, só serve para criar obestaculos quando nessecários!
A lei não foi feita para defender o povo mas sim quem dele se quer aproveitar.
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