Cândida de Almeida, à semelhança de um José Miguel Júdice ou de um Pinto Monteiro ou mesmo de alguns figurões da nossa advocacia de firma estabelecida na parecerística com o Estado, acha que a corrupção em Portugal é um mito. Um exagero, um dislate de mal intencionados que não entendem como funciona o Estado na sua relação com os cidadãos.
E que entende disso Cândida de Almeida? Estará a senhora melhor preparada que outros para falar sobre o assunto e dizer estas coisas, enormes de significado deletério que agora diz?
Repare-se no discurso:
A procuradora-geral Adjunta Cândida Almeida afirmou sábado que "Portugal não é um país corrupto" e que existe uma "percepção" exagerada da dimensão deste crime, sublinhando que é dos poucos Estados europeus onde se investigam "grandes negócios do Estado".
"O nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos. Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção obviamente, mas rejeito qualquer afirmação simplista e generalizada, de que o país está completamente alheado dos direitos, de um comportamento ético (...) de que é um país de corruptos", disse a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), numa conferência na Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide.
Depois de insistir várias vezes nesta ideia, a magistrada disse que, porém, não é essa a "percepção" da opinião pública, referindo que os relatórios da organização Transparência Internacional Portugal e os meios de comunicação social "arrasam-nos permanentemente" com a ideia de que o país "é corrupto".
Cândida Almeida sublinhou que, no caso da Transparência Internacional, os relatórios "reflectem tão só a percepção" que existe num país dois níveis de corrupção e que, no que toca aos meios de comunicação social e a declarações públicas nesse sentido, a maioria dos casos não têm fundamento ou referem-se a outros crimes, sendo o mais frequente a fraude fiscal.
Duas observações apenas: Não é verdade que Portugal seja "um dos poucos Estados europeus onde se investigam negócios do Estado". A França anda a investigar umas comissões ( retro-comissões, como lhes chamam) com uns negócios de fragatas com o Paquistão há alguns anos; anda a investigar o financiamento partidário no caso Bettencourt e outros assuntos. A Alemanha investigou com algum sucesso os negócios da Ferrostaal na venda de submarinos à Grécia e permitiu que um antigo ministro da Defesa fosse preso e julgado por corrupção. Investigou, a partir de uma lista roubada por um funcionário de um banco, depósitos de cidadãos alemães, em fraude fiscal e também de corrupção e financiamento político-partidário. Helmutt Khol que o diga e se recorde também o mesmo tipo de discurso de Mário Soares ( e João Jardim) sobre o assunto, na época. Foi dos primeiros postais que escrevi aqui.
Na Espanha a investigação sobre estes assuntos tem sido mais profícua e na Itália nem se fala. Porquê então mistificar?Para esconder a incapacidade, o insucesso, a vergonha de nunca se chegar a lado algum neste tipo de investigação criminal em Portugal? Se não é por isto, parece.
Portanto, a afirmação da senhora sobre isso releva do desconhecimento ou ignorância. E não é de admirar: de onde lhe proviria o conhecimento? Da actividade que desenvolve no DCIAP? Parafraseando um seu antigo magistrado ( Orlando Figueira que foi trabalhar "na privada") que raio de conhecimentos específicos sobre corrupção se podem adquirir no DCIAP se os casos que lhe são transmitidos são assuntos que rapidadmente passam aos media e cuja investigação não traz nada de novo que não se saiba publicamente, para além de umas escutas por vezes irrelevantes ou umas suspeitas ainda menos?
Que raio de sabedoria se pode aprender no DCIAP nos processos que aí se tramitam? O método usado na corrupção nos processos em análise? É isso? E daí? Que adianta saber que um determinado político recebeu dinheiro vivo em pequenas tranches ao longo de meses para não suscitar suspeitas e confundir investigações? E que por isso mesmo anda por aí a passear todo ufano, sabendo que nunca será apanhado apesar de viver com rendimentos que nunca justificará? Bastará isso para alguém se tornar um expert em corrupção? É um erro supor que Cândida de Almeida sabe mais de corrupção do que por exemplo, Maria José Morgado. E esta tem um discurso radicalmente diferente daquela. Mais sabedoria que ambas têm alguns inspectores da PJ, por exemplo e que fazem investigação preventiva, andam no terreno, falam muitas vezes off record com as pessoas envolvidas e geralmente ficam com uma ideia precisa do que aconteceu nos casos concretos que originam os processos que são levados ao DCIAP. Os inspectores da PJ sabem mesmo. Tudo. Mas não chega saber porque é preciso provar e comprovar e é nisso que jogam os suspeitos excelentíssimos do costume.
Daí que perguntar a Cândida de Almeida coisas sobre isto e ouvir estas respostas seja, sei lá, indigno. Corrupto, digamos assim porque releva do mesmo fenómeno anómico que se verifica na sociedade portuguesa.E é sintomático que seja o Expresso a amplificar este tipo de mensagens porque o semanário ( que deixei de comprar) é da mesma onda de pensamento deletério.
Quando os magistrados que investigam corrupção nem sequer se dão conta onde reside o fenómeno e que extensão tem, estamos muito mal na investigação criminal. Não admira nada que muitos interessados na Sombra e maquiavéis avulsos de certos escritórios queiram e fiquem satisfeitos com pessoas assim a dirigir o mais importante departamento penal em Portugal.
Quando Cândida de Almeida diz que a operação Furacão foi nada de corrupção e tudo de fraude fiscal está a iludir novamente e de forma grave e significativa. A fraude fiscal, a partir de determinado montante era e é crime punido com penas pesadas. Tanto ou mais que a corrupção. E em 2009 alguém ligado a essas fraudes, eventualmente os advogados do regime do costume, conseguiram alterar a lei penal para que tal crime se transformasse em algo quase inócuo em termos penais: bastou alterar o artigo do Código Penal que permite extinguir o procedimento criminal sempre que o infractor pague o tributo em falta e apague a fraude que praticou. O crime que era público e admitiria prisão preventiva passou a quase particular e com um efeito preventivo geral quase nulo. Esses sabem agora que podem passar dinheiro para as offshores sempre que quiserem e quando tal lhes for pedido por quem o tem que nada lhes acontece. E dão entrevistas de fundo a falar sobre tudo e mais alguma coisa, como beneméritos do país.
Tal medida, de efectiva despenalização de algo que deveria ser gravemente punido, permite igualmente que a operação Monte Branco, em curso, surta os mesmíssimos efeitos e por isso os mesmíssimos envolvidos ( dirigentes de topo dos maiores bancos portugueses) brinquem com as nossas leis penais.
Cândida de Almeida sabe perfeitamente disto. Porque não denuncia isto e ilude o problema grave e sintomático na sociedade portuguesa dos banqueiros deste país?
Para finalizar retomo aqui um postal recente:
Público:
Foi literalmente aos molhos que os funcionários da sede nacional do
CDS-PP levaram nos últimos dias de Dezembro de 2004 para o balcão do
BES, na Rua do Comércio, em Lisboa, um total de 1.060.250 euros, para
depositar na conta do partido. Em apenas quatro dias foram feitos 105
depósitos, todos em notas, de montantes sempre inferiores a 12.500
euros, quantia a partir da qual era obrigatória a comunicação às
autoridades de combate à corrupção.
Os dados constam do relatório final da investigação da Polícia Judiciária (PJ) no caso Portucale, que, no entanto, nada conclui em relação à origem daqueles montantes.
O
episódio foi ontem lembrado por Paulo Portas, a propósito do negócio da
compra dos submarinos, referindo que "também se disse que havia um
depósito nas contas do CDS e o doutor Abel Pinheiro foi absolvido em
julgamento".
Aqueles montantes foram justificados como donativos
recolhidos em festas e jantares do partido, que estavam guardados nos
cofres da sede nacional. O depósito apressado naqueles dias de final de
ano foi explicado com a alteração da lei de financiamento dos partidos,
que entrava em vigor no início de 2005 e para cujo conteúdo os
responsáveis do CDS só tinham sido alertados nessa altura.
Quanto
ao negócio da compra dos submarinos pelo Estado português, este foi
finalizado com o consórcio alemão GSC (German Submarine Consortium) em
Abril de 2004 pelo então ministro da Defesa Paulo Portas, e tem sido
alvo de investigações, tanto em Portugal como na Alemanha, por suspeitas
de corrupção.
E já agora mais este:
"Em 2008, uma batalha jurídica começou
com o Supremo Tribunal Administrativo a exigir ao Governo a informação
sobre os honorários consumidos com estudos e pareceres realizados por
sociedades de advogados. A Sérvulo Correia ganhou 4,26 milhões, a Rui
Pena, Arnaut & Associados 549.000, a Morais Leitão, J. Galvão
Teles, Soares da Silva & Associados 494.000 e a A. Maria Pereira,
Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice e Associados 418.000: 1/3 dos
custos dos ministérios com serviços jurídicos externos. A Sérvulo
Correia "serviu", em exclusividade, Paulo Portas, na assessoria
jurídica para a Lei de Programação Militar, com a elaboração das peças
concursais para a aquisição de material militar, e na defesa do Estado
nos recursos apresentados: custou 2,2 milhões. Paulo Portas também
contratou os escritórios de Nobre Guedes e Celeste Cardona para
assessorias em negócios militares (os radares na Madeira e Açores,
aeronaves C-295): 90.000.
A
Sérvulo & Associados envolveu-se numa polémica com o TC por causa
da auditoria/2008 sobre os consultores contratados pelo Estado,
concluindo pela «falta de transparência» e pela ausência de «critérios
de adjudicação»: em 489 contratos o Estado pagou 30 milhões, com a
Sérvulo a "merecer" 1,6 milhões. O TC veio dizer que o Estado devia
realizar concursos públicos ou consultas prévias, em vez de optar pelo
ajuste directo. E criticou o novo Código por criar regras específicas
para os contratos de consultadoria. A Sérvulo respondeu à altura,
dizendo que as directivas comunitárias transpostas excluem os serviços
jurídicos do regime geral e reconhecem a sua especificidade. O que
indigna quem trabalha com o CCP não é o ajuste directo à SC - pelo que
constato todos os dias - é o afastamento de assessores dos gabinetes
ministeriais de uma matéria extraordinariamente relevante para o
Estado, o que resultou numa "aptidão técnica" especial hoje reconhecida à
Sérvulo.
Se a directora do DCIAP , Cândida de Almeida não entende o que isto quer dizer e entregue a investigação do processo a pessoas que também não entendem ou não querem entender, ou não podem entender por motivos particulares, que se demita; que saia(m) porque prova que não entende(m) nada do que significa corrupção no nosso país.
Para finalizar e a propósito dos dois postais citados: Paulo Portas é actualmente aquele político que foi jornalista e director do Independente e jura que não é da Maçonaria, não é? E que enquanto director do Independente publicava manchetes todas as semanas para denegrir os governos de Cavaco não foi? E que em algumas dessas manchetes dava destaque a casos de corrupção que nem chegam aos calcanhares do caso dos submarinos não é?
E é aquele político que Miguel Esteve Cardoso no outro dia dizia numa entrevista que ainda "iria mandar nesta merda", não é? Se for é porque este país está mesmo na merda.
8 comentários:
Parabéns pelo seu texto, José.
Está explicada a actividade desta procuradora feita "cobradora de fraque", é esta convicção de que não há políticos corruptos que a levou a não querer investigar políticos como o Sócrates e muitos outros que diariamente surgem na opinião pública. Também é esta mesma convicção que leva a que outros investigados acabem por não serem condenados por escassez de prova.
Convicções...
Porque não propõe legislação que proíba os políticos de serem (mais) importunados?
Poupava-se tempo ao MP e não se beliscavam as convicções desta procuradora.
Por isso ela se sente tão bem a passear de braço dado com políticos.
Algum dia alguém escreverá um livro sobre este período da nossa justiça e política e uma coisa aposto, esta procuradora e o PGR terão um papel de destaque no mesmo. Destaque muito negativo, esclareça-se.
o problema da cândida é a salvação do ex-pm
em 1980 conheci JJ (gonçalves) na Maçonaria e dos almoços na Sociedade de Geografia. não foi acaso que PP foi convidado para a Moderna.
ouvi que um dos pulhas e pilhas do Gol forneceu ao cds elementos importantes para não comprometer PP no julgamento da Moderna. o mesmo aconteceu para o irmão dos sobreiros. pertence ao grupo que deve ter publicado a lista recentemente publicada.
PP não entrou para o Gol. provavelmente para qualquer chafarica da Grande Loja fundada pelo Fernando.
num dia de neve uma ave caíu do ninho. um camponês aproveitou a bosta da vaca para nela colocar
a enregelada. a qve faz piú piú de agradecimento. um lobo eesfaimado comeu a imprudente
moralidades:
nem todos os que te colocam na merda são teus inimigos
nem todos os que te tiram da merda são teus amigos
enquanto estiveres na merda nunca faças piú piú
Calhorda vagabunda!!!
Devia-se demitir já. Quer fazer de otário quem?
Este país não pode ser normal com elites tão anormais.
A minha maior dúvida na viabilidade de Portugal não está no povo mas sim na elite. É assustador. Nada ou quase nada se aproveita.
Excelente post.
Mas passou-me ao lado essa do Portas.
Ele também é da viúva? essa agora...
Contaram-me que um dia, num exame oral para melhoria de nota numa faculdade de direito, o professor que estava a realizar o exame disse à aluna examinanda que não poderia falar sobre o tema que esta havia preparado. E deu a seguinte justificação: "Isso não existe!". Lembrei-me desta história a propósito das declarações de Cândida Almeida. A partir de agora haverá um novo fundamento para arquivar liminarmente qualquer inquérito em que esteja em causa a investigação de um crime de corrupção praticado por um político. Segundo a senhora, "Isso não existe". E, não se podendo investigar uma inexistência...Arquive-se, pois!
Muito interessante Floribundos :-)
O Portas não é sócio da viúva. É só simpatizante.
":O)
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