domingo, junho 16, 2013

Comunistas, socialistas e conformistas, em 1974-75

Desde o 28 de Setembro de 1974 que o PREC foi um ver-se-te-avias. Todos os dias manifestações, declarações, propaganda, manipulação, instrumentalização ideológica contra " a burguesia", o "fascismo", a "reacção".

Economicamente, o país exauria-se em quebra de produtividade, ausência de investimento e escoamento de recursos que outrora foram os principais para o desenvolvimento do país e tinham feito do mesmo um modelo de crescimento que já não há e nunca mais tivemos igual.
O segredo? Provavelmente a organização económica e o sistema que o partido comunista e a esquerda em geral passaram a combater como inimigo da classe operária, dos trabalhadores e explorados. A ideologia tomou conta do asilo e os lunáticos apareciam todos os dias na tv a proclamar a boa-nova da reinventada "batalha da produção" e do desmantelamento do "Estado fascista".

Em 20 de Fevereiro de 1975 o Diário de Lisboa mostrava assim o estado de espírito nacional: novo governo, Vasco Gonçalves a falar ao país, Correia Jesuíno na comunicação social do Estado e "ocupações de casas", ou seja a espoliação pura e simples de habitações de outrém, eventualmente desocupadas, em benefício dos carentes do "movimento popular". A legitimação do roubo fazia-se ideologicamente e ninguém se atrevia a opor-se à tendência que "mereceu já a atenção do governo  e do próprio Copcon" ( a nova polícia política de cariz militar e que actuava muitas vezes à margem da legalidade estrita e com ampla cobertura das chefias militares, como a de Otelo Saraiva de Carvalho).

Na última página noticiava-se a efeméride de passarem nove anos sobre o dia em que "Avelino Cunhal foi a sepultar para o Alto de S. João"...claro que ninguém sabia ou devia saber quem era o tal Avelino ( pai de Álvaro Cunhal), mas também se dava conta de que os "trabalhadores da CUF pedem nacionalização." Assim, sem mais. A CUF era apresentada como "um monopólio com forte influência na vida do País".  E portanto devia continuar a ser monopólio, mas do Estado, como aliás aconteceu dali a alguns meses, depois deste balão de ensaio de preparação da opinião pública. Com os resultados brilhantes que daí decorreram mas ninguém quer denunciar, apontando o dedo aos jerónimos e arménios da época, alguns deles os mesmos de hoje e autores directos da tragédia nacional que se abateu sobre a economia de então, com reflexos que nunca foram devidamente estudados porque o ISCTE ou o CES são para outra coisa.


Em 12 de Abril de 1975 o Expresso consagrava o número quase por inteiro ao próximo acto eleitoral, dando conta de uma facto muito relevante na época: o aparecimento do documento Pacto MFA-Partidos ( que a extrema-esquerda não assinou...), devidamente escalpelizado em artigos no interior e no editorial.
Dava-se conta da ponderação de criação de um "tribunal revolucionário", fosse lá isso o que fosse e evidentemente era copiado das democracias populares. O tribunal teria o escopo de julgar os "crimes contra-revolucionários", fossem lá isso o que fossem que nem definidos estavam. Melhor seria ter aproveitado o conceito de "subversão" que existia no Código Penal e que permitia ao regime de Salazar/Caetano, caçar comunistas e engaiolá-los para não perturbarem a vida do pacato cidadão.

Mais importante e revelador é a notícia sobre o auxílio económico pelo "reconhecimento de uma situação difícil no que toca aos pagamentos externos", o que dava bem o sinal da deterioração progressiva mas firme e rápida da economia nacional, com estas aventuras esquerdistas.

No interior, sobre as eleições, apareciam entrevistas de página aos representantes de três correntes políticas de vulto na sociedade portuguesa: o comunismo com Rosa Coutinho, um militar no activo abertamente a fazer política e que foi um dos que entregou de mão beijada as províncias ultramarinas aos movimentos guerrilheiros da sua preferência e do PCP; Mário Soares, sempre o mesmo, a afirmar politicamente o que depois não cumpria, por não poder: o socialismo real, da "sociedade socialista" que nunca se esforçou minimamente por conseguir tendo no entanto enganado sempre os comunistas e esquerda em geral que ainda hoje lamenta o facto ( o Semedo do Bloco refere ainda hoje ao Diário de Notícias que "o PS não tem uma governação tão diferente assim daquela que a direita tem", como se tal coisa fosse uma novidade a descobrir!) . Soares na entrevista de Fevereiro de 1975 diz coisas inconcebíveis como uma quadratura de um círculo que não podia ser coerente. Foi sempre assim e sempre assim se safou politicamente, com este género de aldrabice que conquista o eleitorado há décadas. Progressismo vendido a pataco é com Soares. Ainda hoje assim é.

O PPD de Balsemão era um partido conformista. Ao ponto de dizer que "o programa do PPD ultrapassa o PC pela esquerda!" e não se rir a seguir da própria boutade. E ainda mais: " a propósito da nacionalização da banca, os únicos reparos que fizemos foram dois: um o de não ter sido decidida democraticamente, o outro uma advertência  para que ela não vá redundar num capitalismo de Estado". Isto basta para ver o que era o PPD de Balsemão, em 1974-75: o partido mais conformista de todos, o mais hipócrita também. Balsemão dizia então que era "necessário descobrir novas formas de vida em sociedade". Se calhar, deixar a Quinta da Marinha como conjunto de datchas...para os apaniguados do novo regime que se anunciava.






 As novas formas de viver em sociedade passavam por exemplo por este futuro prémio Nobél que dirigia o Diário de Notícias como um comissário político do PCP, sem qualquer vergonha revolucionária, conforme noticiava o Expresso de 23 de Agosto de 1975.
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Ao mesmo tempo em Angola, desenrolava-se um drama humano sem precedentes, sequer durante a famigerada "guerra colonial": milhares de mortos em perspectiva, segundo um responsável governamental destacado para lá, precisamente o ubíquo Vasco Vieira de Almeida, agora advogado de firma de luxo. O Expresso noticiava em 23 de Agosto de 1975.



Em 24 de Maio de 1975 o Estado, depois das nacionalizações de 11 de Março, já tinha grandes dificuldades em gerir a miríade de empresas de que se apoderara, obrigando a "burguesia capitalista" ( com o aplauso do PPD) a fugir para o Brasil, Inglaterra, Suíça e outros desterros, levando legitimamente o que pretenderam e à socapa o que puderam.

Num artigo assinado também por José António Barreiros ( !) aparecem as medidas julgadas necessárias para "evitar a falência do Estado"  e comentadas também pelo guru do actual Bloco de Esquerda, João Martins Pereira.


É que o problema de sempre, em Portugal, já se fazia notar nessa altura e por isso até o próprio ministro do Trabalho, Costa Martins ( depois acusado de se ter locupletado com dinheiros alheios e ter fugido para Angola, o que se revelou factualmente falso, ou pelo menos assim foi contado depois, passados alguns anos) dizia uma coisa muito simples que ultimamente temos ouvido muito: já vivíamos acima das nossas possibilidades, mas para a Esquerda não havia problema algum. O dinheiro aparecia sempre de algum lado, nem que fosse...do FMI como aconteceu logo no ano seguinte, com intervenção pedida pelo optimista de sempre, diletante do costume e ignorante alegre das coisas séria da governação económica, Mário Soares, porque "política" é que é e é o que diz saber fazer melhor. O resto não interessa nada.

Expresso de 24 de Maio de 1975:


Entretanto no mesmo jornal duas notícias interessantes: a da criação de um embrião de democracia popular com os "comités de defesa da revolução e os conselhos revolucionários de soldados e marinheiros" ( a Revolução soviética de Outubro servia de inspiração criadora para o que dali a meses viria a tornar- se um problema de dimensão trágica e cujas consequências mais gravosas só foram evitadas pelos militares "reaccionários", tipo Eanes e Jaime Neves). A outra é a ajuda da banca nacionalizada aos jornais esquerdistas, na sua maior parte e dependentes de emprestimos bancários ( do Estado, agora) como de pão para a boca. Não admira que muitos ainda pensem, hoje em dia que" dinheiro há sempre". Haver há, só não há é quem o pague como deve ser depois de o pedir emprestado...


Em 23 de Agosto de 1975 o Expresso mostrava os principais jornais diários a propósito do momento político, retirando conclusões sobre uma evidente confusão de títulos sobre assuntos diversos da política de então e afinados ideologicamente em modo de jornalismo de causa ( tal como hoje).


A partir de 11 de Março de 1975 e das nacionalizações surgiu um novo conceito novilínguístico na sociedade nacional: "batalha da produção". Os economistas de Esquerda, percebendo que não adiantava nada nacionalizar transformando o capitalismo em capitalismo de Estado se a produção não incrementasse, lançaram o mote em modo de propaganda como se tal fosse suficiente para o efeito mágico da retoma da confiança na economia...

Evidentemente que em poucos meses tal gente deu com os burrinhos na água, mas não desarmaram. O Expresso de 5 de Novembro de 1975 organizava uma "mesa redonda" ( como dantes se dizia) para debater os problemas da economia, pós-nacionalizações.
Convidados: o mesmo Costa Martins, um secretário de Estado do IV Governo, Almeida Serra e...João Cravinho, que fora ministro da Indústria e Tecnologia desse mesmo governo.
Ao ler o que Cravinho diz da economia nacional, antes de 25 de Abril e logo a seguir e a relação que estabelece entre a crise grave de confiança criada com o PREC ( de que é exemplo máximo o desprezo pela iniciativa do MDE/S e outras, escorraçando os capitalistas burgueses em nome de um socialismo atávico e um progressismo a pataco, esta gente, como Cravinho e semelhantes conduziram o país à catástrofe anunciada por alguns ( tal como agora). No ano seguinte estávamos na bancarrota (como agora) e as receitas que esta gente dava de graça para o leitor mas a pagar com língua de palmo pelo povo em geral eram de rir. E mesmo sendo ridículas não os mataram politicamente. Cravinho voltou a ser ministro com Guterres e fez uma obra notável de desmantelamento do...Estado, na JAE. Notável de coerência e princípios...este Cravinho que a par de Constâncio é dos maiores bluffs nacionais.
Para Cravinho a origem da crise económica de 1974-76 nada tem a ver com as opções políticas revolucionárias. Nada. Foi tudo obra do "fassismo" e do governo de Caetano. É preciso ser, já não digo burro, mas a desfaçatez é de tal ordem que até dói ler. Cravinho fala da "destruição dos monopólios", da "revolução socialista que deveríamos fazer", tudo para explicar que "não se queira inverter as coisas pondo o 25 de Abril como causa da crise".
Ontem como hoje, esta gente não aprende nada e nada esquece. Só me interrogo como é que dão crédito assim a tais pessoas...


Mas não era apenas Cravinho a explicar a crise económica como tendo origem na governação de Marcelo Caetano e nos "monopólios capitalistas".

Em 16 de Janeiro de 1976, o O Jornal publicava uma extensa entrevista com o mesmíssimo Vasco Vieira de Almeida, o esquerdista que apareceu ao administrador do BPA com um livro de economia marxista debaixo do braço para lhe dar a entender que não queria o lugar mas lá ficou na mesma, diz coisas espantosas sobre a crise e o modo de a ultrapassar. Esta gente não tem mesmo emenda, de facto. Como foi possível ter pessoas destas em lugares-chave da governação e com ideias assim?! Será que as abandonaram ou apenas as colocaram em parêntesis enquanto encheram os bolsos a fazer o contrário?

A entrevista é de Francisco Sarsfield Cabral que agora escreve no Sol todas as semanas.



( Continua...)