Economicamente, o país exauria-se em quebra de produtividade, ausência de investimento e escoamento de recursos que outrora foram os principais para o desenvolvimento do país e tinham feito do mesmo um modelo de crescimento que já não há e nunca mais tivemos igual.
O segredo? Provavelmente a organização económica e o sistema que o partido comunista e a esquerda em geral passaram a combater como inimigo da classe operária, dos trabalhadores e explorados. A ideologia tomou conta do asilo e os lunáticos apareciam todos os dias na tv a proclamar a boa-nova da reinventada "batalha da produção" e do desmantelamento do "Estado fascista".
Em 20 de Fevereiro de 1975 o Diário de Lisboa mostrava assim o estado de espírito nacional: novo governo, Vasco Gonçalves a falar ao país, Correia Jesuíno na comunicação social do Estado e "ocupações de casas", ou seja a espoliação pura e simples de habitações de outrém, eventualmente desocupadas, em benefício dos carentes do "movimento popular". A legitimação do roubo fazia-se ideologicamente e ninguém se atrevia a opor-se à tendência que "mereceu já a atenção do governo e do próprio Copcon" ( a nova polícia política de cariz militar e que actuava muitas vezes à margem da legalidade estrita e com ampla cobertura das chefias militares, como a de Otelo Saraiva de Carvalho).
Em 12 de Abril de 1975 o Expresso consagrava o número quase por inteiro ao próximo acto eleitoral, dando conta de uma facto muito relevante na época: o aparecimento do documento Pacto MFA-Partidos ( que a extrema-esquerda não assinou...), devidamente escalpelizado em artigos no interior e no editorial.
Dava-se conta da ponderação de criação de um "tribunal revolucionário", fosse lá isso o que fosse e evidentemente era copiado das democracias populares. O tribunal teria o escopo de julgar os "crimes contra-revolucionários", fossem lá isso o que fossem que nem definidos estavam. Melhor seria ter aproveitado o conceito de "subversão" que existia no Código Penal e que permitia ao regime de Salazar/Caetano, caçar comunistas e engaiolá-los para não perturbarem a vida do pacato cidadão.
Mais importante e revelador é a notícia sobre o auxílio económico pelo "reconhecimento de uma situação difícil no que toca aos pagamentos externos", o que dava bem o sinal da deterioração progressiva mas firme e rápida da economia nacional, com estas aventuras esquerdistas.
No interior, sobre as eleições, apareciam entrevistas de página aos representantes de três correntes políticas de vulto na sociedade portuguesa: o comunismo com Rosa Coutinho, um militar no activo abertamente a fazer política e que foi um dos que entregou de mão beijada as províncias ultramarinas aos movimentos guerrilheiros da sua preferência e do PCP; Mário Soares, sempre o mesmo, a afirmar politicamente o que depois não cumpria, por não poder: o socialismo real, da "sociedade socialista" que nunca se esforçou minimamente por conseguir tendo no entanto enganado sempre os comunistas e esquerda em geral que ainda hoje lamenta o facto ( o Semedo do Bloco refere ainda hoje ao Diário de Notícias que "o PS não tem uma governação tão diferente assim daquela que a direita tem", como se tal coisa fosse uma novidade a descobrir!) . Soares na entrevista de Fevereiro de 1975 diz coisas inconcebíveis como uma quadratura de um círculo que não podia ser coerente. Foi sempre assim e sempre assim se safou politicamente, com este género de aldrabice que conquista o eleitorado há décadas. Progressismo vendido a pataco é com Soares. Ainda hoje assim é.
O PPD de Balsemão era um partido conformista. Ao ponto de dizer que "o programa do PPD ultrapassa o PC pela esquerda!" e não se rir a seguir da própria boutade. E ainda mais: " a propósito da nacionalização da banca, os únicos reparos que fizemos foram dois: um o de não ter sido decidida democraticamente, o outro uma advertência para que ela não vá redundar num capitalismo de Estado". Isto basta para ver o que era o PPD de Balsemão, em 1974-75: o partido mais conformista de todos, o mais hipócrita também. Balsemão dizia então que era "necessário descobrir novas formas de vida em sociedade". Se calhar, deixar a Quinta da Marinha como conjunto de datchas...para os apaniguados do novo regime que se anunciava.
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Ao mesmo tempo em Angola, desenrolava-se um drama humano sem precedentes, sequer durante a famigerada "guerra colonial": milhares de mortos em perspectiva, segundo um responsável governamental destacado para lá, precisamente o ubíquo Vasco Vieira de Almeida, agora advogado de firma de luxo. O Expresso noticiava em 23 de Agosto de 1975.
Em 24 de Maio de 1975 o Estado, depois das nacionalizações de 11 de Março, já tinha grandes dificuldades em gerir a miríade de empresas de que se apoderara, obrigando a "burguesia capitalista" ( com o aplauso do PPD) a fugir para o Brasil, Inglaterra, Suíça e outros desterros, levando legitimamente o que pretenderam e à socapa o que puderam.
Num artigo assinado também por José António Barreiros ( !) aparecem as medidas julgadas necessárias para "evitar a falência do Estado" e comentadas também pelo guru do actual Bloco de Esquerda, João Martins Pereira.
É que o problema de sempre, em Portugal, já se fazia notar nessa altura e por isso até o próprio ministro do Trabalho, Costa Martins ( depois acusado de se ter locupletado com dinheiros alheios e ter fugido para Angola, o que se revelou factualmente falso, ou pelo menos assim foi contado depois, passados alguns anos) dizia uma coisa muito simples que ultimamente temos ouvido muito: já vivíamos acima das nossas possibilidades, mas para a Esquerda não havia problema algum. O dinheiro aparecia sempre de algum lado, nem que fosse...do FMI como aconteceu logo no ano seguinte, com intervenção pedida pelo optimista de sempre, diletante do costume e ignorante alegre das coisas séria da governação económica, Mário Soares, porque "política" é que é e é o que diz saber fazer melhor. O resto não interessa nada.
Expresso de 24 de Maio de 1975:
Entretanto no mesmo jornal duas notícias interessantes: a da criação de um embrião de democracia popular com os "comités de defesa da revolução e os conselhos revolucionários de soldados e marinheiros" ( a Revolução soviética de Outubro servia de inspiração criadora para o que dali a meses viria a tornar- se um problema de dimensão trágica e cujas consequências mais gravosas só foram evitadas pelos militares "reaccionários", tipo Eanes e Jaime Neves). A outra é a ajuda da banca nacionalizada aos jornais esquerdistas, na sua maior parte e dependentes de emprestimos bancários ( do Estado, agora) como de pão para a boca. Não admira que muitos ainda pensem, hoje em dia que" dinheiro há sempre". Haver há, só não há é quem o pague como deve ser depois de o pedir emprestado...
Em 23 de Agosto de 1975 o Expresso mostrava os principais jornais diários a propósito do momento político, retirando conclusões sobre uma evidente confusão de títulos sobre assuntos diversos da política de então e afinados ideologicamente em modo de jornalismo de causa ( tal como hoje).
A partir de 11 de Março de 1975 e das nacionalizações surgiu um novo conceito novilínguístico na sociedade nacional: "batalha da produção". Os economistas de Esquerda, percebendo que não adiantava nada nacionalizar transformando o capitalismo em capitalismo de Estado se a produção não incrementasse, lançaram o mote em modo de propaganda como se tal fosse suficiente para o efeito mágico da retoma da confiança na economia...
Evidentemente que em poucos meses tal gente deu com os burrinhos na água, mas não desarmaram. O Expresso de 5 de Novembro de 1975 organizava uma "mesa redonda" ( como dantes se dizia) para debater os problemas da economia, pós-nacionalizações.
Convidados: o mesmo Costa Martins, um secretário de Estado do IV Governo, Almeida Serra e...João Cravinho, que fora ministro da Indústria e Tecnologia desse mesmo governo.
Ao ler o que Cravinho diz da economia nacional, antes de 25 de Abril e logo a seguir e a relação que estabelece entre a crise grave de confiança criada com o PREC ( de que é exemplo máximo o desprezo pela iniciativa do MDE/S e outras, escorraçando os capitalistas burgueses em nome de um socialismo atávico e um progressismo a pataco, esta gente, como Cravinho e semelhantes conduziram o país à catástrofe anunciada por alguns ( tal como agora). No ano seguinte estávamos na bancarrota (como agora) e as receitas que esta gente dava de graça para o leitor mas a pagar com língua de palmo pelo povo em geral eram de rir. E mesmo sendo ridículas não os mataram politicamente. Cravinho voltou a ser ministro com Guterres e fez uma obra notável de desmantelamento do...Estado, na JAE. Notável de coerência e princípios...este Cravinho que a par de Constâncio é dos maiores bluffs nacionais.
Para Cravinho a origem da crise económica de 1974-76 nada tem a ver com as opções políticas revolucionárias. Nada. Foi tudo obra do "fassismo" e do governo de Caetano. É preciso ser, já não digo burro, mas a desfaçatez é de tal ordem que até dói ler. Cravinho fala da "destruição dos monopólios", da "revolução socialista que deveríamos fazer", tudo para explicar que "não se queira inverter as coisas pondo o 25 de Abril como causa da crise".
Ontem como hoje, esta gente não aprende nada e nada esquece. Só me interrogo como é que dão crédito assim a tais pessoas...
Mas não era apenas Cravinho a explicar a crise económica como tendo origem na governação de Marcelo Caetano e nos "monopólios capitalistas".
Em 16 de Janeiro de 1976, o O Jornal publicava uma extensa entrevista com o mesmíssimo Vasco Vieira de Almeida, o esquerdista que apareceu ao administrador do BPA com um livro de economia marxista debaixo do braço para lhe dar a entender que não queria o lugar mas lá ficou na mesma, diz coisas espantosas sobre a crise e o modo de a ultrapassar. Esta gente não tem mesmo emenda, de facto. Como foi possível ter pessoas destas em lugares-chave da governação e com ideias assim?! Será que as abandonaram ou apenas as colocaram em parêntesis enquanto encheram os bolsos a fazer o contrário?
A entrevista é de Francisco Sarsfield Cabral que agora escreve no Sol todas as semanas.