terça-feira, junho 04, 2013

O Jornal- o compagnon de route

O semanário O Jornal surgiu em 2 de Maio de 1975, uma Sexta-Feira porque era nesse dia que saía.
O primeiro número prometia em tudo: na apresentação, no grafismo, nos artigos e nos colaboradores. Menos numa coisa: na ideologia, uma espécie de caldeirão de esquerda soft com grande vontade de acompanhar o caminho da esquerda pura e dura que se implantava em Portugal sob a batuta do PCP e a ingenuidade aparente  de certos elementos do MFA, como Vasco Lourenço, um dos heróis do O Jornal, ao longo dos anos.
Ainda assim, a qualidade de escrita e a relativa independência partidária deu para acompanhar o percurso jornalístico de uma empresa que hoje já não há, a não ser em França com o sítio Mediapart. Os jornalistas organizaram-se em cooperativa real que não de direito por dificuldades financeiras. A sociedade por quotas que formaram, Publicações Projornal, era dominada pelos jornalistas e isso era fundamental para a independência redactorial. A editora Casa Viva fazia as despesas administrativas e os jornalistas faziam o resto.

O primeiro número foi este.

E o editorial, muito moderado, era assim:

Não obstante o comunista ideologicamente fossilizado e grande artista, João Abel Manta pintava assim o retrato da situação fantasiada pelos comunistas e publicada no O Jornal, nesse primeiro número. O mote ideológico não dava lugar a reticências ou dúvidas:



Porém, três meses volvidos, com o agudizar do PREC e a perspectiva de tomada de poder político pela esquerda radical que seria absorvida rapidamente pela mais ortodoxa do PCP ( é ler o que Cunhal escrevia sobre o 25 de Abril para perceber que era mesmo isso que pretendia, como fantasia absoluta e em desmentido categórico de uma tal Raquel Varela) O Jornal seguia a onda, surfando claramente o tempo revolucionário que comia os filhos à velocidade de um glutão.
Basta ler o que se escrevia no número de 26 de Setembro de 1975, escassos dois meses antes do virar de página do 25 de Novembro e do fim das ilusões do PCP.  Desde então, os órfãos da Revolução almejam retomar a História e refazer o mundo português, com amanhãs a cantar. É nisso que sonham Arménio e Jerónimo, hoje em dia.
O editorial é tão radical que as palavras "reacção" , "burguesia", "fascismo", etc aparecem fantomaticamente emolduradas com foice e martelo. Incrível como em três meses a radicalização se operou.



Quem fazia este jornal que se dedicou de alma e coração ao "socialismo" , fazendo de tal coisa a causa do seu jornalismo profissional e independente ( ma non troppo) , confessadamente admitido naquele editorial?

Em 11 de Maio de 1979 O Jornal mostrou tudo a quem o leu. E do mesmo modo que aquela radicalização se verificou no Verão Quente, assim arrefeceu o ímpeto, após o 25 de Novembro e a derrota dos extremistas e comunistas em geral.
O Jornal abandonou as fantasias e passou a enfileirar na carneirada burguesa que depois veio a fundar a Visão, nos anos noventa, sem qualquer tergiversação declarada ou confessada e numa adaptação consentida pela capitulação.Não tenho qualquer dúvida que assim foi e o azedume reprimido durante décadas, o que se denota muito bem nos artigos posteriores e muito condescendentes sobre, por exemplo Carlos Antunes e Isabel do Carmo, militantes do terror do PRP ( foram julgados por coisas como tal). O jornalismo dos homens da Visão tem esse ferrete permanente, o do esquerdismo assolapado.
Não obstante, a memória do tempo fabuloso ficou. E de vez em quando surgem regurgitações editoriais do fenómeno. A última é a Visão História já aqui comentada...