segunda-feira, março 10, 2014

O neo-realismo reinventado

O artigo de Vasco Pulido Valente, hoje no Público suscita alguma perplexidade que me leva a comentar.

O assunto do "empobrecimento" dá pano para muitas mangas opinativas e quando leio que em Portugal, nos anos cinquenta e sessenta a miséria e a pobreza contaminavam tudo " o que se vestia, o que se comia, o que se fazia e o que se pensava"  e que a "tirania estava na necessidade de se poupar, na privação perpétua da frivolidade e do prazer, no mundo imóvel e sem saída e que pouco a pouco se tornava numa prisão a céu aberto", fico mesmo  a pensar em que mundo viveu VPV.

Para quem viveu os sessenta do século que passou, este panorama miserabilista parece um resumo de um livro de Alves Redol dos anos 40, mesmo sem ter vivido esse tempo. Mas... nos sessenta era tudo miserável assim?

Eu tenho recordações desse tempo e a tal miséria e pobreza, que existia, não era drama neo-realista. A ideia de poupança e contenção na "frivolidade" não era sinónimo de tristeza e não havia tirania alguma nessa circunstância.

Por outro lado, o mentor do Estado Novo, Salazar, vinha de uma aldeia beirã, de uma das tais famílias que VPV refere como vivendo no "horror". Os pais eram caseiros de terratenentes. Mas Salazar singrou, mesmo assim, o que desmente o prognóstico póstumo de uma suposta miséria que cairia sobre o actual primeiro-ministro caso nascesse nesse "horror".

O que é verdadeiramente a miséria? A família de Salazar era miserável segundo aquele standard do "horror"? Talvez. Mas não era. De facto, não era e VPV não está certo no que escreve.

Esta notícia do Correio da Manhã de há uns dias pode servir de exemplo sobre o que é a miséria. Mas não é a que aparentemente se mostra. É outra...a moral, muito mais deletéria que a corrente.

Porém, o melhor comentário a esta crónica é a citação que aparece em epígrafe, no jornal, atribuída a George Bernard Shaw: "alguns homens vêem as coisas como são e dizem "Por quê?"  Eu sonho com as coisas que nunca foram e digo "Por que não?"
É mesmo isto.