terça-feira, abril 21, 2020

Mata-Bicho 57: Ferro Rodrigues e a cabala da Casa Pia

Em Março de 2003, Ferro Rodrigues, então secretário-geral do PS, desde o ano anterior, soube que o seu nome e o de Paulo Pedroso, deputado do PS, andariam nas bocas de um pequeno mundo judiciário, por estarem putativamente envolvidos no processo casa Pia.

Em 23 de Novembro de 2002, o Expresso tinha escrito as primeiras notícias sobre o assunto Casa Pia. A mãe de um antigo aluno- Joel- meses antes, tinha feito queixa de um tal Bibi, Carlos Silvino por causa de abusos sofridos na instituição e já havia um processo em curso, conduzindo à prisão deste, em 25 de Novembro de 2002.

Nos primeiros dias de Maio de 2003, Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso foram alertados por alguém, no interior do sistema judiciário ( magistratura ou polícias) ou para-judiciário ( alguém com ligações ao mesmo) em flagrante violação gravíssima de segredo de justiça, para a qual se estiveram manifestamente nas tintas ou coisa pior,  de que estariam de algum modo envolvidos num escândalo sexual, relacionado com menores da Casa Pia. Um dos que pretendia avisar Ferro Rodrigues acerca do que se passava nos mentideros era um tal Moita Flores, argumentista, além do mais, do folhetim televisivo do ballet rose. Ironia madrasta do destino...

Em 22 de Maio de 2003 o deputado Paulo Pedroso foi preso na AR, com grande escândalo. Paulo Pedroso e Ferro Rodrigues eram figuras de proa do PS de então, havendo esperanças de poderem vir a constituir um governo de geringonça avant la lettre.
O Expresso, logo na edição dessa semana,  retomou a notícia das suspeitas que salpicavam a honra de Ferro Rodrigues. Grave, para a reputação política e pessoal do líder do PS.

Em 10 de Novembro de 2003 o jornal Correio da Manhã  deu uma machadada fatal nessas ambições de geringonça que acabaram por beneficiar um certo José Sócrates, que retomou a lide dos governos de bancarrota persistente, do PS,  em 2005. Noticiou na primeira página que "três jovens envolvem Ferro" e nada mais foi igual para Ferro.

A partir dessa data, o combate de Ferro Rodrigues tornou-se uma luta pela limpeza da honra ferida gravemente, pela notícia dos jornais e particularmente do CM que afinal replicava o dizer de "três jovens" e que o envolviam em actos de voyeurismo relacionado com a Casa Pia.
Grave, claro está. E que nunca chegou a indiciar-se sequer como facto susceptível de o poder constituir como arguido. Seria interessante saber quem investigou este facto e como o fez...mas é segredo de justiça, para a maioria. Contudo a sua revelação talvez fosse interessante conhecer, ainda hoje, bem como o modo como se processou a investigação e onde, concretamente.

Não obstante a vacuidade dos indícios probatórios ou mesmo indiciários acerca de tal imputação, eventualmente caluniosa, havia outra subjacente: Ferro Rodrigues não ligara muito a denúncias de abusos na Casa Pia quando teve a tutela da instituição, no governo anterior. Esta , a meu ver ainda mais grave.

As denúncias do encobrimento partiram de uma sindicância secreta, ordenada por Bagão Félix, ao ministério da Solidariedade Social do tempo de Ferro e Pedroso.
Expresso, Diário de Notícias e TVI deram eco a tais denúncias que visavam Ferro Rodrigues em concreto e Paulo Pedroso por suposto. Este já preso preventivamente, por indícios suficientes para tal.

As denúncias suscitavam apreensão justa, se verdadeiras, fez-se um inquérito parlamentar e que deu em nada.
Mas ficou a suspeita e se Ferro tivesse sido mais fino teria saído da carruagem logo ali. Não quis, ficou a imaginar a geringonça e tramou-se.

Em Julho de 2003 a Visão deu notícia do "estou-me a cagar para o segredo de justiça", com envolvimento directo do actual primeiro-ministro que cheirou a porcaria toda e nem tapou o nariz. Notoriamente quiseram perturbar o inquérito achando-se no pleno direito de o fazer porque o PS pode fazer tudo, impunemente.

Em 13 de Novembro Ferro Rodrigues "abria o coração" à revista Visão, dirigida pelos gerigonceiros Carlos Cáceres Monteiro e José Carlos Vasconcelos.

Assim:


 Este jornalismo de frete nunca investigou eventual complacência ou mesmo cumplicidade ou encobrimento de Ferro Rodrigues e comparsas ( o termo é dele) com eventuais abusos relatados a autoridades administrativas na Casa Pia. Não compete profissionalmente a este tipo de jornalismo incomodar estas excelências de vão de escada do poder político que vem do antanho anti-fassista.

Em Agosto de 2004, outro escândalo, a ribombar no mesmo: o mesmo Correio da Manhã que tinha levantado a lebre da suspeita inicial em primeira página, tinha gravado conversas entre um jornalista da casa e o responsável pela PJ, o juiz Salvado, e guardado a conversa.
Passados meses, azar! As gravações foram "furtadas" da redacção do jornal e vieram para a praça pública. Então os mesmíssimos que tinham relevado aquela acto heróico de quem se está a cagar para a justiça, tornaram esta situação num escândalo de gravidade incomensurável e levaram o infausto director da PJ a uma demissão patética.

Nessa altura quem estava na berlinda? O então PGR Souto Moura que não ouviu as preces dos Costas e Ferros por causa dos Pedrosos e assim incorreu no crime de lesa-majestade.

A Focus de 18 de Agosto de 2004 contava a história:


Depois disto tudo, Ferro Rodrigues chegou onde chegou. Porquê? Porque é do PS. E porque o PS se julga acima de qualquer suspeita.

A pouca-vergonha tem-lhe permitido fazer deste pequeno mundo que é Portugal o seu quintal de recreio.

Até um dia.

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