quinta-feira, abril 30, 2020

António Cluny e o "palavreado menos próprio"

Artigo de António Cluny, no i digital:

"A discussão política, a expressão de opiniões e comentários, o simples diálogo social e até, mais recentemente, a análise de temas científicos que ocorrem nos média e nas redes sociais têm vindo a ser crescentemente infetadas pelo vírus da boçalidade, por um doloso vandalismo verbal e escrito.

Não me refiro à afirmação direta e contundente de opiniões – durante muito tempo criticada na seráfica sociedade portuguesa de antigamente –, mas ao gosto primário pela agressão e insinuação ultrajantes que, afinal, nada têm de sincero ou corajoso.

Se os média são, frequentemente, responsáveis e coniventes com tal prática, pois ignoram e não filtram os comentários mais soezes que, muitas vezes, a coberto do anonimato ou de alcunhas ridículas, são neles expressos cobardemente, mais grave, muito mais grave, é o que se passa em algumas redes sociais, como acontece, por exemplo, no Facebook.

Nestas últimas, muita gente parece despir-se de todo o tipo de civilidade indispensável ao são convívio social e à dialética democrática, revelando-se como verdadeiramente é: gente sem qualquer pejo em, despudoradamente, agredir os outros.

Muito desse estilo boçal nasceu, é sabido, nos debates televisivos sobre desporto, em especial sobre futebol.

O mundo cão de muitos debates sobre futebol e, sobretudo, sobre a vida dos seus clubes e dirigentes, deu o mote, e o circo mediático logo aplaudiu e aceitou reproduzi-lo noutros palcos, muitas vezes, até com os mesmos protagonistas.

Mas o que é mais grave, o que nos deve fazer pensar seriamente sobre o que se está a passar, é a inadequada condição institucional e funcional de alguns dos intervenientes em alguns desses formatos e plataformas de discussão pública.

A coberto – e mesmo a descoberto – desses meios formais e informais de expressão, podemos ler intervenções, chocantes umas e, no mínimo, pouco criteriosas outras, de alguns políticos, funcionários públicos, agentes policiais e até magistrados, cidadãos que, pela sua condição, estão, ou deviam estar, obrigados a um comportamento cívico exemplar.

Casos há em que nada nem ninguém, inclusive nas instituições que devem servir, lhes parece merecer o mínimo respeito ou consideração.

Nenhum tema, por mais sério e merecedor de apurado cuidado e sensibilidade de tratamento, os demove do uso irrestrito de um palavreado menos próprio nos grupos de discussão fechados ou abertos em que participam.

Tais intervenções não rebaixam, no entanto, apenas quem as assume; atentam sobretudo contra a confiança que os cidadãos devem ter nas instituições democráticas.

Por isso são tão do agrado dos novos populistas – aqui e em outros países –, que as incentivam e delas usam e abusam para minar a democracia.

Sempre lutei e defendi o direito da livre intervenção na vida pública de funcionários, magistrados e mesmo dos elementos das forças policiais, direito que, por isso, sempre pratiquei sem reservas, sem que ninguém me tenha acusado de rudeza e de ofender quem quer que fosse.

Sempre fui, também, contra todo o tipo de censura na expressão da crítica ao teor das decisões políticas, judiciais ou administrativas.

Enquanto dirigente sindical, ainda jovem, e em momentos verdadeiramente delicados no relacionamento hierárquico da magistratura a que pertenço, então muito mais formal do que hoje, dei inclusive a cara na defesa de colegas acusados injustamente, em meu entender, de exercerem tal direito.

Mas, dito isto, era bom que, hoje, as instituições democráticas e as hierarquias das magistraturas, das forças policiais e da função pública atentassem na boçalidade crescente de alguma da atual intervenção pública dos que nelas servem.

É que certo tipo de linguagem que alguns usam nas suas intervenções públicas – quando não já profissionais –, descobre também, não raramente, o tipo agressivo de relacionamento que praticam com os cidadãos.

Mesmo quando não revestem natureza criminal, tais discursos demonstram, em todo o caso, objetiva e abertamente, uma inadequada incompreensão dos que os fazem em relação às funções que exercem e à cultura das instituições democráticas em que se integram.

Tais discursos não podem, por isso, ser pura e simplesmente ignorados; antes devem, com todo o cuidado e contenção democrática, ser alvo da atenção e de uma intervenção pedagógica por parte dos responsáveis por essas instituições.

Se nada for feito a este respeito, é o serviço público, a maioria dos seus servidores e os cidadãos em geral que sairão agravados; são a democracia e as liberdades cívicas que sairão a perder. "

António Cluny é magistrado do MºPº, dos antigos e da velha guarda em que o PCP dominava a estrutura sindicalista da corporação. Cluny era então comunista. Depois, algures no tempo das cerejas já fora de tempo, tornou-se simplesmente de esquerda, associado a figuras da magistratura com prestígio assegurado como Cunha Rodrigues ou mesmo Joana Marques Vidal. 

Tal associação e valor pessoal assegurou-lhe a possibilidade de frequentar e ocupar o topo dos cargos interessantes na magistratura e valeu-lhe em fim de carreira, a colocação no Eurojust, depois de o   CSMP o rejeitar liminarmente, para tal. 
O percurso de Cluny não se livrou de escolhos e alguns sérios e que o deviam precatar para escritos deste teor. Pura e simplesmente não tem autoridade para certos escritos. 

Depois disso foi alvo de suspeitas sérias acerca da isenção em casos igualmente suspeitos e relacionados com a circunstância de um seu filho ser advogado na firma Morais Leitão, no auge do caso Football Leaks ( fuga aos impostos de Ronaldo, Mourinho e companhia). Há coisas que são o que são e foi isso que a Der Spiegel escreveu. Cluny não se deu por achado.

Aparece agora no i a escrever esta catilinária em nome de uns bons costumes curiosos e uma moralidade envolta em naftalina com forte cheiro a hipocrisia. Deve ser do confinamento.

O exercício escrito manifesta o desconforto contra colegas de profissão e não só que se estendem em comentários que se resumem ao  "uso irrestrito de um palavreado menos próprio nos grupos de discussão fechados ou abertos em que participam."  

É só isto e é muito porque aconselha a intervenção hierárquica para disciplinar o "palavreado" julgado ofensivo.

Os critérios? Catar os casos de "comentários mais soezes" e "alcunhas ridículas", para além da poda circunstanciada da "linguagem boçal" . Isso para já. Depois logo se verá o mais. 

Confesso que ao ler o escrito me assomou um vómito imaginário à ideia proposta e lembrei-me disto que já tem  umas décadas e foi publicado em Junho de 1974 na revista Mundo da Canção, então dirigida pelos correlegionários e kamaradas do PCP.


Diz lá que é "tipicamente fascista a comiseração pelos que praticaram uma neo-inquisição".

O que Cluny propõe neste escrito é uma coisa parecida a tal neo-inquisição: para sobrestar a dislates discursivos e uso irrestrito de um palavreado menos próprio propõe exactamente a restrição do uso de tal palavreado cujo contorno subjectivo poderá ser definido como o uso de alcunhas ridículas ou de  comentários mais soezes apreciados pela devida comissão. No caso dos magistrados, o CSMP e o CSM claro. Os conselhos zeladores da ortodoxia doutrinal e prática que albergam os torquemadas da praxe, sempre prontos à fogueira da hipocrisia. 

Justificação? Pois, a do costume: a dignidade das instituições, pá! [ esta entra já no rol do "palavreado menos próprio...]

Este Cluny que agora se exprime deste modo parece-me um cromo repetido [ outra sujeita ao crivo da "alcunha ridícula"] porque se comporta como uma figura de estilo muito antigo e que afinal nunca desapareceu do espaço público: a do censor de tudo o que não lhe agrada, usando o pretexto gasto da degradação das sagradas instituições. 

Quanto a estas, nunca li que António Cluny se preocupasse com assuntos mais sérios e que- esses sim!- degradam efectivamente as instituições: nepotismo relacionado com o amiguismo do costume, tráfico de influência suspeito, entre magistrados de topo; corrupção político-ideológica que infecta a magistratura de topo; denegação de justiça em casos graves como o do antigo PGR Pinto Monteiro; perseguição individual a certos magistrados que desafinam do concerto do sistema político corrupto ou colocam este em causa ( Carlos Alexandre; a dupla Vítor Magalhães e Paes Faria, por exemplo, mas há outros). Isto só para citar os que me ocorrem agora. 
Cluny há muitos anos que abandonou um estilo que apesar de evitar o palavreado menos próprio dizia o que era preciso dizer: que o rei vai nu. Foi no tempo em que denunciou a política dos governos em acabar com as auditorias nos ministérios para entregar as parecerísticas várias e aos molhos dos milhões a escritórios de advogados de prestígio institucional que costumam ser alvo de "alcunhas ridículas" e "comentários mais soezes". 

Um deles é precisamente o do Morais Leitão.  E há o do Júdice e também o do Sérvulo, alvos frequentes de palavreado menos próprio e portanto ofensivos da honra e consideração de tais sumidades ( mais outra no rol das alcunhas ridículas). E outras que manobram agora na sombra ( aí está o palavreado menos próprio...digno de apreço insitucional de quem de direito).

Cluny associou-se à corte e por isso não consegue ver a nudez do rei. É pena. 

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Megaprocessos...quem os quer?