No CM de hoje há três peças que merecem atenção para se entender o que é a complexidade do fenómeno da corrupção de alto coturno em Portugal.
A corrupção enquanto fenómeno criminal tende a ser observada na opinião pública e publicada de um ponto de vista simplista e claro, com ênfase no enriquecimento súbito ou inexplicado de certos actores políticos.
A velha metáfora das cabras e cabritos é geralmente o motto para estas ideias assim expostas:
Para se entender qual a razão de este Governo em particular se recusar a elaborar propostas concretas e mais eficazes para o combate ao fenómeno que tem palco privilegiado entre a classe política aparece a ministra da Justiça, como exemplo.
Esta magistrada de profissão, ciente há décadas da extensão e importância do fenómeno entre nós, conhecedora das histórias de bastidores, perfeitamente a par de esquemas usados em casos que tais ( a não ser que seja mentecapta, o que será temerário pensar) não quer pessoal e institucionalmente organizar instrumentos legais já propostos até por outras entidades, mormente outros magistrados e professores, defendendo-se com virtuais inconstitucionalidades impeditivas de tal legislação sobre o caso concreto do enriquecimento ilícito.
Perante dificuldades conceptuais tão severas e pruridos legalistas tão à flor da pele, fica a impressão de que está comprometida com os suspeitos do costume, ou seja, esses mesmos dos interesses instalados que se horrorizam perante a perspectiva de terem de prestar contas em modo de prova.
As suspeitas de tal compromisso inconfessável advêm do seu particular sistema de contactos, objectivamente ligado a um PS e até a um PSD, prenhes de indivíduos desse jaez, como se evidencia ao longo das últimas décadas e constituem o cardápio de vários pratos que foram servidos à comunicação social, tendo alguns deles sido servidos em tribunais criminais, nem sempre com resultados satisfatórios.
Uma pessoa assim, com tais pruridos, terá sempre dificuldade em entender a razão profunda destes fenómenos assim expostos também na edição de hoje do mesmo CM:
Qual a principal suspeita, aqui, segundo o relatório da PJ enviado para o jornal por "mão amiga", como sempre, em modo também criminal se violador de segredo de justiça? Esta forma de corrupção jornalística não merce qualquer censura social e porém é mesmo isso, corrupção. A troca do favor? Boas notícias para a instituição, sempre a "subir" nas colunas de apreço subjectivo, espaço para crónicas no jornal ( pagas...) oportunidades na tv do grupo, etc. etc. Está à vista e é claramente isso, corrupção. Mas não é dessa que aqui se trata.
Repito: qual a principal suspeita na notícia acima mostrada?
Que vários intervenientes políticos e empresariais, mostrados acima e outros ainda na sombra, colaboraram activamente para se enriquecerem de vários modos.
Segundo a notícia que transcreve conclusões de suspeitas da PJ, em sede de contratos elaborados segundo regras já de si muito discutíveis ( as PPP) conseguiram acrescentar adendas ou apostilas a tais contratos. Pior: tiveram para tal a colaboração activa do actual presidente do Tribunal de Contas e de tal resultou um prejuízo para o Estado computado em milhares de milhões de euros que de outro modo não existiria.
O crime, se isto for verdadeiro e factual é avassalador, e é o de corrupção e outros associados ( gestão danosa, participação económica em negócio, tráfico de influência). A vera corrupção, sem dúvida. A que nem precisa de lei alguma de enriquecimento ilícito para se configurar.
Porém, qual o catch, o escolho, o impedimento real a tal assunção e conclusão? Em primeiro lugar a definição factual do que sucedeu. Será que a PJ e quem elaborou o relatório final reuniu provas indiciárias suficientes para tal?
Segundo a notícia, as alterações aos contratos terão sido realizadas após um chumbo do tribunal de Contas que impedia tal contratualização acrescida de custos, no final de contas, para os utilizadores que somos todos os que pagamos tributos.
E tais alterações tiveram a ajuda prestimosa do próprio e actual presidente do Tribunal de Contas, que assim terá facilitado a redacção de novos contratos que contornariam as dificuldades inultrapassáveis colocadas pelo mesmo tribunal de Contas.
Será isso a essência dos crimes em causa? Será sempre necessário ir além das suspeitas de comportamento objectivamente lesivo para a comunidade e demonstrar que aqueles indivíduos se conluiaram para favorecer ilegítima e ilegalmente uma entidade privada com quem tinham relações semi-públicas ( as PPP rodoviárias).
O que aparece transcrito no jornal, do relatório da PJ obtido daquela forma, não esclarece devidamente.
Assim, fico muito céptico quanto a isso.
Será que uma lei de enriquecimento ilícito ajudaria, neste caso, a dilucidar a questão? Nem por isso. Estes indivíduos elencados está todos muito bem colocados. Et pour causa e aqui é que reside o busílis.
Se não tivessem feito o que fizeram, enquanto governantes, estariam assim tão bem governados? Pois a resposta a esta questão daria a resposta ao assunto, mas é de averiguação impossível no domínio dos factos.
Por isso mesmo é que Portugal é uma choldra: nem sequer se consegue distinguir o trigo do joio...e tudo por causa de um puta retórica chamada Ética.
Senão leia-se esta terceira peça do mesmo CM de hoje. O indivíduo entrevistado é um dos maiores lutadores contra a corrupção, em Portugal, segundo a lenda da chafarica que o mesmo frequenta.
Quando foi governante apercebeu-se de fenómenos corruptivos mais graves, evidentes e claros que os expostos. Fez alguma coisa? Fez: mandou um amigo, o general Garcia dos Santos averiguar e este apresentou-lhe o relatório claro do assunto: havia corrupção na JAE e de alto coturno. Muito dinheiro até chegava aos partidos. O que fez então este incorruptível de manga de alpaca? Aceitou o lugar no BEIRD que um tal Sócrates lhe aprontou e encheu os bolsos com dinheirinho muito bem ganho, tudo em salários legalíssimos.
Enquanto lá esteve não mais se ouviu a sua voz autorizada contra a corrupção que agora se nota em casos como o do marquês e similares. Aliás, ouviu: para desmentir o que o seu ex-amigo Garcia dos Santos disse dele, que era um poltrão.
Cravinho foi vítima do síndroma bem explicado num filme dos anos setenta. Um que tem uma frase de um personagem que dizia a outro ter feito a alguém "an offer he can´t refuse".
A JAE continuou na mesma e quando se alterou foi para mostrar que era preciso mudar alguma coisa e as PPP rodoviárias são o resultado de tal efeito.
E assim se faz Portugal.