terça-feira, setembro 13, 2016

A Itália dos anos noventa tinha juízes que não tinham medo de falar...

Itália, início dos anos noventa do século que passou. Dois problemas politico-judiciários tomam conta das  noticias nos media: a Mafia siciliana de Corleone e o caso Mani Pulite, de corrupção generalizada entre políticos, particularmente do PSI.

Dois magistrados e depois mais um, na berlinda: Giovanne Falcone ( depois Borselino) e Antonio Di Pietro.

Em Maio de 1992 a Mafia, a mando do capo Totó Riina, mandou assassinar Falcone e alguns meses depois, Borselino, à bomba. Riina foi  preso algum tempo depois numa rotunda de Palermo, enquanto se fazia transportar num Citroën modesto, afirmando-se simples agricultor.

Em 2014 foram condenados os quatro autores mateiriais do atentado a Falcone, após colaboração de um deles.  Riina cumpre pena perpétua.

Antonio Di Pietro demitiu-se da magistratura na sequência de investigações a Berlusconi, em Dezembro de 1994, entrando na política, no governo de Romano Prodi.

Como é que os media italianos lidaram com estes fenómenos? Por exemplo, o jornal La Repubblica, o jornal que, sendo de esquerda  é um exemplo para todos os jornais, escrevia assim nesse tempo:

Em 27 de Maio de 1992 poucos dias depois do assassínio de Falcone, mostrava na primeira página os dois problemas italianos, já com uma referência expressa à operação Mani Pulite:




Pedia-se "justiça" em Palermo e agradecia-se aos juízes e agentes da polícia. Ao lado, um arrependido falava já na corrupção do PSI e Antonio di Pietro aparecia na foto.

No interior, o juiz Borselino dava uma entrevista sobre o assunto da Mafia, com processos pendentes e tudo.

Ninguém rasgou as vestes da hipocrisia; ninguém andou a escrever nos jornais que o juiz devia estar calado e escrever apenas nos processos, etc etc.Denunciava expressamente o controlo do território siciliano pela "cosche", pela "coisa", pelo sistema que por cá agora se chama também assim: "sistema". E que também é mafioso tendo tentáculos em tudo quanto é sitio, incluindo a magistratura e principalmente os serviços secretos.
Tal como na Itália da época.

Em 19 de Julho de 1992, o juiz Paolo Borselino foi assassinado pelo mesmo método do carro com bomba accionada à distância, quando visitava a mãe. A imagem do momento:


Em 30 de Julho o La Repubblica titulava assim, sobre o assunto: o telefone de Borselino estava sob escuta...



Um ano depois , com o desenvolvimento das investigações na operação Mani Pulite e Tangentopoli, ocorreram várias explosões em Roma e Milão, de vários engenhos colocados em carros, perto de monumentos e igrejas. Autores dos atentados? Alguém dentro do próprio Estado.

 O La Repubblica de 29 de Julho de 1993 trazia o relato alargado e dava a palavra a juízes que falavam sem medo e sem que algum Loução lhes dissesse que deveriam falar apenas nos processos. Apontavam claramente o dedo aos trânsfugas dos serviços secretos italianos de estarem por trás dos atentados..






Do lado do povo e dos jornais o apelo era claro: Di Pietro, va avanti! Ou seja, punha-se em marcha o que agora se chama de "república de juízes" pelos louçãs que pululam por aí.

República de coisa nenhuma, de facto. Os juizes italianos limitaram-se a cumprir o seu papel, ao contrário dos louçãs lá do sítio que eram situacionistas e queriam que tudo ficasse na mesma, na podridão do costume da política tradicional. Tal como cá, agora.




Portugal em 2016 não se assemelha à Itália de 1992. Porém, a semelhança entre o que certos elementos dos serviços secretos fizeram e o que por cá podem fazer é relevante e é também denunciada no livro recente do antigo assessor de Belém, Fernando Lima.

É tempo urgente de questionar esse fenómeno e do MºPº indagar o que se passa. Com rigor e sem embarcar em explicações de treta sobre operações de protecção a serviços de registo e outros.

5 comentários:

Ricciardi disse...

Isso, o mp devia investigar (de preferência com diligência) se o juiz Carlos Alexandre anda a ser escutado ou não. Era importante que fosse demonstrado e sossegado o juiz. Este e todos.
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Mas também pode dar-se o caso do juiz não estar a ser escutado. Os peritos em cenisses dessas de escutas garantem que em redes digitais o escutado não ouve barulhinhos alguns. Antigamente sim, nas redes analógicas, as escutas produziam barulhinhos.
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Ora, o juiz C Alexandre diz ouvir barulhinhos no telemóvel. Se não são escutas só pode ser avaria do telemóvel ou macaquinhos na cabeça do juiz. Eu creio mais na hipótese da avaria do telemóvel.
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Rb

josé disse...

Outra prova de ignorância...

Os "barulhinhos" eram apanágio do antigo PGR Pinto Monteiro que também se queixava do mesmo. Et pour cause...

Há muito mais que "barulhinhos" nas desconfianças sobre as escutas.

josé disse...

Quem põe uma arma em cima do retrato do filho em casa deste, é bem capaz das mesmas cenas de que se queixa o Fernando Lima.

Ricciardi disse...

Pois sim. Nessas coisas, meu caro, ameaças desse calibre a um juiz devem ser prioridade. Parar tudo é concentrar meios para apanhar os criminosos. E nao estou a ser ironico.
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No entanto o juiz afiança que não fez queixa. Não é estranho?
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A mim parece-me estranho. O juiz podia denunciar as suspeitas e precipitar investigação.
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O que me leva a crer que o juiz talvez esteja a exagerar. Sei lá. Para chamar a atenção sobre si.
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Eu não percebo. Um juiz tão importante como ele é e não dão seguimento à investigacies que ameaçam a vida dele é da família?
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Mas que raio.
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Rb

muja disse...

Então mas dize lá: a lei é para se levar à letra no caso do 44 ou não?

O Público activista e relapso