terça-feira, setembro 12, 2017

Os juízes pertencem a órgão de soberania sui generis: são outros que definem o seu estatuto...


Observador, Rui Ramos:

Depois da greve dos enfermeiros, a greve dos juízes. Tudo isto é de algum modo edificante. Os enfermeiros mostram-nos que o SNS, com que tanto enchem a boca, afinal não lhes interessa, a não ser como fonte de empregos e regalias. Os juízes deixam-nos perceber que, no fundo, se sentem como quaisquer outros empregados por conta de outrem, o que nos sugere esta dúvida: por que razão têm então o estatuto e as garantias de um órgão de soberania?

Esta questão do direito à greve dos juízes é velha e revelha. Em 1976 a actual Constituição deixava entreaberta uma porta de interpretações favoráveis à greve. E tanto assim foi que na anotação que fizeram a essa mesma Constituição, os especialistas de Coimbra, Gomes Canotilho e Vital Moreira escreveram:

 "Enquanto titulares de cargos públicos e elementos pessoais de órgãos de soberania independentes, não subordinados a ordens ou instruções, os juízes não se enquadram integralmente nos conceitos constitucionais de trabalhador nem de funcionário público, para efeito de gozarem directamente dos respectivos direitos constitucionais específicos . Todavia, tendo em conta o carácter profissional e permanente do cargo de juiz, tudo aponta para que lhes sejam reconhecidos aqueles direitos, incluindo o direito à associação sindical."

Como é sabido, um dos direitos fundamentais dos trabalhadores - os tais “constitucionais específicos” previstos no Capítulo III da CRP - que o co-anotador Vital Moreira expressamente escreveu em 1992 que deveriam ser reconhecidos aos juízes, é precisamente o direito à greve, previsto no artº 57 da CRP !

Claro que outros constitucionalistas se têm manifestado contra tal possibilidade e parece actualmente que a tendência é para impedir os juízes de terem esse direito, o que obviamente configura uma capitis diminutio em relação a outros titulares de direitos na função pública.
Tendo o estatuto dos juízes aquele carácter híbrido, em que se inclui inapelavelmente a componente de funcionalismo público cujas regalias,  carreira e vencimentos são definidos por outros órgãos de soberania, neste caso eleitos, a razão terá sempre que se encontrar no modo como se olha para tal estatuto, como no caso da garrafa meio-cheia ou meio-vazia.

 Rui Ramos optou por olhar para a parte vazia...lá saberá porquê.

Um dos sindicalistas dos juízes,  João Paulo V. Raposo escreveu assim no Expresso desta semana, para enfatizar tal aspecto esquecido de muitos: