domingo, março 22, 2020

A idade de ouro da ciência em ficção: aos 12 ou 21?

Para escrever sobre ficção científica na escrita importe desde o começo balizar o tema com conceitos.

Há uns anos comprei este livro sobre o tema:


E que explicava em poucas páginas o que era a ficção científica em escrita. No inicio sugere logo que a idade de ouro de tal género pode ser aos 12...anos de idade quando se absorvem as ideias e histórias sem espírito crítico e apenas pela maravilha da exposição ou intriga.
Porém, aos 21 a coisa muda de figura com a introdução da complexidade temática, narrativa e conceptual infiltradas no espírito um pouco mais crítico e analítico. Comigo também foi assim. O prazer da leitura aos 12 não estragou o gozo obtido aos 21. Qual o melhor?   A inocência terá as suas vantagens, mas o domínio de si também as segura bem.








Lê-se claramente que o início desta viagem pela fantasia galáctica e interior em modo escrito começou aí pelo século XIX com escritos de H.G..Wells e Jules Verne.
A minha iniciação neste mundo misterioso começou cedo mas afogou-se logo no desinteresse. No início dos anos sessenta havia bibliotecas intinerantes pelo país fora, cortesia da fundação Gulbenkian e o panorama em muitas terreolas era este:


Na carrinha Citroën diligentes funcionários, um motorista e um ajudante, paravam junto a escolas, à hora de saída e acolhiam as crianças interessadas em ler livros, previamente avisadas pelas professoras -"está aí a biblioteca e quem quiser ler ..."- dirigiam-se ao funcionário que solícito perguntava o que queriam ler, mostrando sugestões de leitura, consoante a idade aparente. Com menos de dez anos ainda não eram sugeridos livros de Júlio Verne, mas com doze já era de rigor a oferta das "vinte mil léguas submarinas" ou da "viagem ao centro da terra", para além da história da volta ao mundo em oitenta dias.
Confesso que não me interessavam por aí além, por um motivo prosaico: para quê ler histórias de ficção quando a realidade actual já era mais estranha que tais histórias escritas quase um século antes?
Quando se mostravam imagens das expedições lunares para quê ler a história da putativa ida ao planeta um século antes? E quanto tínhamos imagens do interior de submarinos da II guerra mundial que interesse tinha saber como seria o batiscafo que Júlio Verne imaginara?
Era a guerra que me interessava: os aviões, tanques e mesmo submarinos mas da época não os de cem anos antes em que ainda não existiam tais artefactos.

Acho por isso algo pueril e de memória falsa que alguém venha dizer que delirou com tais relatos do arcaísmo ficcional, como o fazem certos marretas que escrevem em jornais. Mas não só...porque o erudito Umberto Eco escreveu em 2004 sobre A Misteriosa Chama da Rainha Luana, consagrado aos temas da memória de infância e dos livros que tinha e leu, destacando os de Verne sobre as histórias de ficção científica em memória da biblioteca do avô. Não ficou por aí, claro, uma vez que a biblioteca do avô era uma autêntica caverna de um ali babá intelectual. Sorte a dele, com tal Eco.


Por mim, que tinha uma biblioteca  familiar com uma dúzia de livros, se tanto, tinha que desenrascar para nutrir a curiosidade.
A Gulbenkian serviu-me durante os primeiros anos. Depois comecei a escrever às editoras e a pedir-lhes catálogos. Mandavam-nos sem cerimónia, se calhar por pensarem que ali estaria um bom comprador. Engano ledo e cego...que durou os anos que levaram a descobrir o logro. Nesse tempo recolhi os sucedâneos da coisa real e anotava o que gostaria de ler e ter em colecção.

A Bertrand era das mais solícitas e quase todos os trimestres enviava o catálogo e adereços em envelopes pardos que adorava ver chegar pelo carteiro da aldeia. Bem haja a gente da Bertrand, de sempre e de agora. Quando lá vou, ao Chiado,  ainda cheiro uma parte do odor da minha juventude dos setenta e nunca falho a visita por isso mesmo: mergulhar nas boas memórias do tempo.

Os livros de Verne eram dos que se editavam regularmente pela Bertrand.
Em 1969 o catálogo mostrava isto, como mostra a preferência pelas histórias do Strogoff  ou do Sandorf ( na janelinha recortada espreitam imagens do catálogo de 1972:


 Verne não me satisfazia aos 12 e aos 21 já tinha mergulhado de cabeça nessa idade de ouro da ficção científica em forma de desenho e ilustração.

Nas idas regulares a essa Bertrand no início dos setentas, para buscar os Tintins, nacional e original belga,  alguns já com historietas sobre o futuro desenhado descobria outros caminhos para esse devir da imaginação.
A mesma Bertrand colocava então nos escaparates este género de livros como mostra o catálogo de Outubro de 1972:


Este tipo de imagens e temática interessava-me mais que as histórias de Verne. O que mais me impressionou, logo em 1973 foi este: que maravilha de realismo fantástico e sonho controlado:


Simultaneamente o interesse pelos nomes envolvidos conduziu-me a uma revista, em brasileiro e que em Outubro de 1973 tinha esta capa:


A Planète original, lançada em 1961, tinha como director Louis Pawels que escrevera em tandem com Jacques Bergier o livro acima mostrado, em 1959.

A história da revista foi contada em resumo no Libération de 21.9.2006, aquando da recensão do livro que a conta:


Por isso quando encontrei num alfarrabista esta recolha dos primeiros números arrecadei-a (por nove euros):



Fascinava-me o relato de "tudo o que era estranho e não era estrangeiro" à revista e por isso em 1974, antes do 25 de Abril já estava preparado para o que viria a seguir.

Em Dezembro de 1971 uma revista brasileira, Realidade publicou várias páginas sobre banda desenhada com particular incidência em clássicos do género. Uma das páginas era esta, com um autor então desconhecido, Phillipe Druillet, um francês que viria dali a quatro anos a fundar com outros uma revista notável e marcante neste género ( Métal Hurlant):


Esta revista aliás tinha mostrado o verdadeiro início da nova bd de ficção futurista, apresentando o autor Jean-Claude Forest, com a bd Barbarella, ainda nos anos sessenta. Foi esta bd que inspirou depois Druillet a fazer os seus desenhos mais futuristas.


Em 1974 a revista francesa Pilote, já nos seus últimos fôlegos como revista de crianças e jovens, publicou em 14.3.1974 este número especificamente consagrado ao género:



Trazia um pequeno glossário sobre a temática e imagens fantásticas dessa ficção desenhada:




A partir de 1974 foi a explosão dessa ficção desenhada na Europa e que acompanhei em tempo real.

Durante todo o ano de 1974 fiquei exposto a publicações que ainda não conhecia directamente porque não apareciam por cá. É o caso da revista Pilote, cujos números anteriores a tal época não apareciam por cá.
Logo em Junho de 1974 a revista Pilote mudou de aspecto. Passou a formato A4 e com mais páginas, mais cara e mais adulta. A bd era para 21 e já não tanto para os 12, como o Tintin. Deixei o Tintin logo ali e comecei outra aventura, na ficção mais científica.



Nessa altura até os Pink Floyd planavam na publicidade...vindos do lado escuro da lua.


Pilote Hors-Série Junho 1975


Ainda em Junho de 1974 surgiram no escaparate vários volumes de recolhas de antigos números da revista Pilote. O primeiro que comprei, muito por causa de da transformação de Gir em Moebius, foi o 65 que abrangia os números do ano de 1973 e logo a seguir um mais antigo, o 63 abrangendo a segunda metade do ano de 1972.
As experiências desenhadas evocavam já abertamente a fantasia heróica de uma ficção ancorada na ciência de um futuro entrevisto.
Esta imagem é do Pilote de 10.5.1973 e nunca tinha visto nada semelhante até então. Lembra inapelavelmente a história e iconografia do filme recente Interstellar, com décadas de avanço.


 Em 1975, logo em Fevereiro apareceu na revista Rock&Folk que comprava já com regularidade, este anúncio  intrigante:


E em Setembro já ia nisto e eu sem ver as revistas por cá...porque de facto nunca apareceram nos circuitos de distribuição normal que conhecia, o que era exasperante.


Só em Julho de 1976 consegui pôr a vista em cima de uma delas, vinda directamente de Paris. Já ia no nº 7 e era espectacular, desde a capa até à última página:






Foi aí que entrevi toda a estrutura imaginária do que muitos anos depois veio a ser o filme Blade Runner

Nunca vira nada igual.
Nos meses e anos a seguir foi por aqui que orientei as minhas viagens neste tipo de ficção. Ainda em 1976 outra experiência, numa espécie de revisitação de Jules Verne, nesta história de Tardi:


Em Novembro de 1975, a Rolling Stone deu-me a conhecer o perfil de Philip Dick de quem só anos mais tarde li alguma coisa:




Muita desta temática foi explorada em filmes, nas últimas décadas, mas já tinha visto antes o esboço gráfico das histórias.



Em finais de 1978 os americanos começaram a publicar esta revista dedicada a assuntos do género e similares, uma nova Planète, desgarrada da filosofia de Teillhard de Chardin que aquela incorporava, mais sofisticada e graficamente perfeita: Omni.


Os temas eram simplesmente fantásticos. Alguns literalmente.




 No número de Outubro de 1985 publicou estas imagens de revistas do tempo dos "pulp", as publicações em papel de terceira para a idade de ouro dos...12.


Este tema, o mais fantástico de todos e que concita a minha atenção desde então ( compro todas as revistas que vejo sobre o assunto...) é pouco conhecido entre nós, mas vale a pena saber do que se trata: um lençol que está em Turim, à guarda da Igreja Católica e que pode ser nada mais nada menos do que a primeira relíquia da cristandade: o sudário em que Jesus Cristo foi amortalhado.



O assunto apareceu logo no primeiro número de Outubro de 1978 mas não dei por ele, nem vinha mencionado na capa.

Em 1978 apareceu nos quiosques uma revistinha em formato A5 com o título improvável de Propaganda e dedicada à mesma temática alargada e em modo de reader´s digest destas matérias. A revista provocava-me uma inveja saudável porque tinha acesso às revistas todas que me interessavam na época e que não lia mas folheava, incluindo a Omni, mas também a Esquire, Outside, New Times, Interview, High Times, Future Magazine, Penthouse e outras, como a Rolling Stone que comprava.

O número 6 de Dezembro de 1978 com esta capa, republicou o artigo da Omni...


 Logo em Janeiro de 1979 outra revista, no caso a Rolling Stone pegou no mesmo tema e deu-me a conhecer o estado da arte, nessa altura, relativamente ao Sudário que alguns acreditam ser verdadeiro e representar efectivamente a imagem de Jesus Cristo, post mortem.



Nunca mais larguei o assunto que tem suscitado ao longo de décadas grande debate, desde que em 1931 foi revelada esta foto:


A última vez que foi publicada em revista que comprei já foi em 2010 na revista Stern:


Este é o tema mais fantástico de todos, para mim: o Sudário pertenceu a Jesus Cristo? A resposta da "Ciência", para já tem sido inconclusiva e o Vaticano não se mostra muito interessado em submeter a mais testes "científicos" a validade do Lençol, mas...nem todas as respostas se encontram na Ciência...




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