quinta-feira, março 19, 2020

Mata-bicho 3: os marretas argonautas

Com a leitura do Público e Sábado de hoje surgiram duas referências interessantes ao caso do bicho que interessa matar.
A primeira, no Público, é este apontamento de Nuno Pacheco:


A menção ao artista brasileiro Raul Seixas convoca-me logo a procurar a fonte. No caso, um disco de 1977 intitulado O dia em que a terra parou.
Tenho a reimpressão de 1988 e que contém, além do tema, Maluco Beleza que me levou a comprar o disco, com esta capa e com a letra em causa no artigo:


Na Sábado aparece o artigo habitual de um marreta que tem saudade de uma série de bolso da Livros do Brasil, já dos anos 50 e que tinha o título de Colecção Argonauta.


Escrutinando o artigo adivinha-se que Pacheco Pereira apreciou bem o tempo do salazarismo dos anos 50 até meados dos 60, altura em que leu para "alimentar o monstro".
Foi nessa década prodigiosa de alimento ao monstro que este velho marreta, leitor de muito papel mas de parca aprendizagem, leu os primeiros cem volumes de bolso daquela colecção.
O tema da  colecção era a "ficção científica" de livros estrangeiros, alguns traduzidos em modo assassino do espírito da letra do autor. "Argonauta" remete para a mitologia.

Confesso que não li tal acervo ficcional de base e quanto à temática despertei para a mesma através da banda desenhada de revistas francesas como a Pilote e principalmente a Métal Hurlant que apareceu no início de 1975.
Da colecção daqueles livrinhos que nunca li, guardei um. Este com o nº 309 e  que já pertence à série azul, posterior a 1982. É de um autor, Philip K. Dick,  que descobri noutra revista, a Rolling Stone, em Abril de 1975. E confesso que não o li integralmente. Nessa altura preferia ver os desenhos de Moebius a prenunciar a série do Incal.


O marreta Pacheco ( lembra a personagem de Jim Hansen, sempre a embirrar com o Trump) também gostava de banda desenhada mas devido à diferença etária, com cerca de uma década que a diferencia da minha geração, só jurava pelos Cavaleiro Andante e outros que tais, na tal década de 50.

Recorda por isso O Enigma da Atlântida que lera na tal Cavaleiro Andante, com a historieta publicada no ano de 1956 e seguinte, como mostra o número 258 de 8 de Dezembro desse ano:


A seguir, ou seja em meados para o fim dos anos sessenta desistiu da banda desenhada de expressão fancófona e já nem acompanhou o Tintin como revista, aparecida por cá em 1968 ou as séries belgas e francesas posteriores. Ou seja, perdeu uma das fases mais criativas de tal expressão que se prolongou bem dentro dos anos setenta até ao final da década e continuou ainda durante alguns anos, na seguinte.
Deu uma marretada em tal género artístico logo nos sessentas, levando com outra marretada de ficção  política que  o infectou com o terrível vírus ideológico do livrinho vermelho da China de Mao.
Obviamente nem sabe o que perdeu com a escolha azarada, mas procurou infectar toda a gente com tal vírus inoculado em manifestos e panfletos ridículos que nem a mais aperfeiçoada ficção aconselharia, prosseguindo tal fantasia cripto-científica em idade adulta, defendendo a tomada do poder com armas na mão, como um olrik de pacotilha.

De uma assentada perdeu pequenas maravilhas nos anos setenta, como estas:

Bernard Prince, com uma história de guerrilheiros sul-americanos, num Tintin de 13.4.1974:


Ou esta ainda mais antiga, de Gir, numa aventura de Blueberry de 1973:


Ou esta que foi o começo de Moebius, derivado de Giraud e que se publicou na Pilote de 11.1.1973 e que já era autêntica ficção científica como nunca os cavaleiros andantes viram algum dia...





Ou esta no Pilote de 7.2.1974 que prefigura a transformação completa de Gir em Moebius:


E no número anterior uma espantosa história curta assinada por Tardi, que me fascinou imediatamente em Abril de 1975 na livraria Bertrand e me fez comprar o recueil Pilote nº 70:


Depois disto apareceu a revista Métal Hurlant em Fevereiro de 1975 e a banda desenhada franco-belga nunca mais foi a mesma coisa:



A ficção científica para mim começou assim, nessa altura de 1976. Não precisei de esperar para ver Blade Runner porque já tinha visto isto:



Os marretas ideológicos poderiam ter aprendido um pouco mais com o espírito do Cavaleiro Andante, animado por  Adolfo Simões Müller, um despretensioso colaborador do salazarismo a quem afinal este marreta ideológico presta homenagem involuntária... sem lhe ter captado o espírito. Vale a pena saber quem era Adolfo Simões Müller que aqui conta a sua história de vida.


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