sábado, dezembro 08, 2012

O caso Medina Carreira e o segredo de justiça

Conta o Diário de Notícias de hoje: "Medina Carreira usado como nome de código" , ou seja que o nome do comentador televisivo foi apenas utilizado por um dos arguidos no processo, eventualmente Francisco Canas ( o "eventualmente" é meu...) para afinal identificar outro cliente.
Informa ainda o jornal ( Carlos Rodrigues Lima) que nada foi apurado em casa e no escritório de Medina Carreira que justificasse ou corroborasse qualquer suspeita sobre o eventual envolvimento daquele no esquema montado pelos arguidos, aparentemente uma rede de exportação de capitais nacionais para a Suíça, eventualmente ( volta a ser meu...) em fraude fiscal e ainda mais eventualmente em branqueamento de capitais. É natural que assim seja porque a investigação penal em Portugal destina-se a recolher prova indiciária contra o suspeito ou a favor do mesmo. É isso que caracteriza o nosso sistema. O MºPº em Portugal não tem interesse directo em perseguir alguém criminalmente só para apresentar números, como nos EUA. Os procuradores não são eleitos...
Os crimes catalogados, particularmente o de branqueamento, porque pressupõe a prática de outro crime-base, são de molde a estragar a reputação de alguém como Medina Carreira que tem feito um percurso mediático de denúncia da corrupção geralmente associada a estas operações financeiras para longínquas offshores.
Não obstante, aos investigadores, isentos e objectivos como têm e devem ser, estas considerações devem pesar mas o dever é que tem mais força. Parafraseando um dito antigo de Aristóteles,  "amicus Socrates sed amicus veritas",  se há indícios de prática de crime em investigação contra quem seja, manda o dever que assim seja. Legalmente, tal é a expressão mais lídima do princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei.
Portanto, nem Medina Carreira deveria ficar admirado nem outros que tais. Admiração poderia vir se a investigação recuasse em casos que tais, como sucedeu no passado, ainda bem recente, numa afloração de um equívoco princípio de oportunidade ou quiçá de pura denegação de justiça que é outro crime ( deixar de proceder contra alguém sabendo que há indícios para tal e a lei a tal obriga).
E não se diga que uma investigação que dá "tiros no escuro", como o D.N. classifica a operação, deveria merecer maior atenção de quem investiga. Talvez sim e talvez não. Sim, se houver tempo e meios para tal; não, se a urgência e os indícios forem aparentemente seguros, como foram noutros casos.
O caso pode melhor ser apreciado pelo próprio jornalista Carlos Lima, cujo nome também poderia confundir-se no "caso Duarte Lima", porque assim constava nos papéis daquele Canas como Carlos Lima, precisamente...

O problema de fundo e de base, portanto não é esse. É o da famigerada violação de segredo de justiça. É evidente que se a operação decorresse no mais completo segredo não havia notícia, não havia Medina Carreira na televisão a explicar-se profusamente ( e bem, violando também o segredo de justiça, mas neste caso justificadamente porque é assim mesmo que alguém deve fazer, e ao contrário de alguns, como José Sócrates, Medina atacou logo mediaticamente com a segurança de quem não deve) e não haveria especulações nem reuniões urgentes do conselho distrital da ordem dos Advogados.
Conta o mesmo jornal que este conselho distrital de Lisboa se reuniu muito preocupado com estas incursões judiciárias no mundo da advocacia de negócios, particularmente em escritórios. É este o verdadeiro motivo da preocupação dos membros desse Conselho. E não por causa de Medina Carreira que como o próprio diz já não exerce há mais de dez anos. É por causa de outros que agora estão com as barbas de molho.
No entanto, como não o podem exprimir com a veemência exclusiva que os preocupa arranjaram outro pretexto e naturalmente o mesmo de sempre: a violação de segredo de justiça. Sagrado, intocável, intangível como meta duradoura mas utopia salvífica para estes preocupados de sempre.
Dizem que se chegou a uma "rebaldaria". Um verdadeiro "PREC na Justiça". E que "tem que acabar".

Vejamos. Segundo o jornal, as investigações destinam-se a apurar indícios suficientes de fraude fiscal e branqueamento de capitais e o processo chamado Monte Branco inclui equipas da Autoridade Tributária que neste caso funcionam como verdadeiros órgãos de polícia criminal, com os poderes inerentes.

Ora se o problema é o segredo de justiça, como apresentam sempre à cabeça dos protestos encapotados, surgiria inevitavelmente a pergunta: o que preocupa os preocupados, com a eventual violação? A eficácia da investigação ou o bom nome dos investigados? Evidentemente que é sempre este último aspecto, o que aliás tem menor relevância na construção do princípio processual. Isso é dito pelos teóricos e até pelos que se esqueceram que já o foram.
Por exemplo, Cunha Rodrigues, no Público de 31 de Janeiro de 1996:


Outro exemplo, Germano Marques da Silva:

Como se pode ler nesta entrevista publicada nos anos 2000 no Público, GMS ( que considerou as escutas fortuitas a José Sócrates no Face Oculta, nulas por não terem sido previamente autorizadas por quem de direito e agora no caso de Passos Coelho nada disse...) afirma algo que parece evidente naquela acepção: o segredo de justiça deve ceder perante a liberdade de informação e até dá um exemplo: "O processo Casa Pia está em segredo de justiça há um ano. A sociedade portuguesa não aguentava, penso que seria mesmo muito mau que a comunicação se limitasse a dizer, durante um ano "consta que há um processo a correr, nada mais acontecerá".
Tal como diz GMS "as pessoas precisam de saber" coisas relativamente a factos da vida pública nacional. Tais factos são por exemplo estes, os de fraude fiscal associada a exportação ilegal de capitais, geralmente da responsabilidade de quem tem muito dinheiro.
Deverá preservar-se estritamente o segredo de justiça nestes casos, sempre que por qualquer motivo é violado? A resposta fica no vento mas deve atender-se ao sítio de onde sopra.
O sítio da Ordem dos Advogados, neste caso, não é lugar de bom vento porque advogam em causa própria. Alguns deles estão inseridos no esquema de exportação de milhões para paraísos fiscais, em fraude fiscal, pelo menos. E querem segredo de justiça para isso, é? Querem ficar acima da lei? Parece que sim.

Se houvesse jornalismo de investigação em Portugal, como deveria existir, regular e atento,  tais casos deixariam de ser usados como arma de arremesso contra a Justiça, porque outros galos cantariam. Como não há, o jornalismo de investigação faz o papel do cuco e põe os ovos no ninho dos outros, para estes os chocarem.
As fontes de informação judiciária dos jornalistas, como muito bem sabe o meu amigo Carlos Lima, são essenciais, primordiais, fundamentais. As notícias adquirem-se assim por essa via principal. E nem sempre o deveria ser porque há outras fontes e possibilidades de investigação. As fontes dos jornalistas, nestes casos, deveriam ser como as escutas no processo penal, simples meios de prova para se chegar ao facto, por outras vias.
Porém, o problema, a meu ver, prende-se com a direcção dos próprios jornais e no caso, do D.N. Alguma vez o jornal publicaria uma reportagem extensa sobre o modo como Joaquim Oliveira adquiriu poder e posição mediática em Portugal, por exemplo?  É que neste caso nem precisariam de violar qualquer segredo de justiça...

Por outro lado, o aspecto prático da violação do segredo e a sua investigação, agora exigida por aquele Conselho da Ordem dos Advogados de Lisboa também merece considerações.
Sabe-se que num caso como este, com buscas em mais de vinte lugares simultaneamente, o número de pessoas envolvidas é da ordem das várias dezenas. Qualquer uma delas pode ter relatado factos ocorridos no decurso das buscas. E note-se que não foi violado o aspecto mais importante do segredo de justiça: aparentemente os buscados não souberam previamente que o iriam ser...
E se qualquer dessas pessoas pode ter relatado factos ocorridos, dando a conhecer publicamente os factos que atingiram Medina Carreira ( e também um antigo presidente do Benfica, tendo o Correio da Manhã optado por o colocar em evidência de primeira página, em detrimento daquele) naturalmente chegariam ao conhecimento público porque inequivocamente eram e são notícia.

Em Portugal tal fenómeno é inevitável  por mais denúncias preocupadas que os advogados façam, sempre que se vêem ameaçados. Mas surge outra pergunta pertinente: será que os advogados guardam sempre o dever de guardar segredo de justiça, designadamente depois das operações policiais que atingem os seus clientes?
E em termos deontológicos qual será mais grave: violar segredos de justiça ou comentar abertamente processos ainda em fase de reserva e que portanto não o devam ser?
Quem é o advogado que respeita esta regra processual e estatutária? Há algum, para exemplo?
A Ordem não está preocupada com isto? Se está nunca dei conta.

18 comentários:

Silva disse...

E se isto não passou duma primeira tentativa de calar ?!
Não poderá ser uma eventualidade a considerar ?
Sempre existiram "lacaios" para tudo!
E nós temos dado por isso ultimamente . Ou não ?

josé disse...

Não me parece porque não acredito em teorias de conspiração que vão contra a explicação simples dos factos.

Neste caso toda a gente fez o que devia. Até Medina Carreira.

Conviria é que não andasse agora a explorar o efeito e a sugerir que poderá ter havido cabala.

Floribundus disse...

exposição 'muito óptima'

para nome de código não escolheram gente séria e honesta como o boxexas e o sôzé fugitivo.

o defunto dn dos anúncios é normalmente veículo para este tipo de notícias. dizem sempre respeito a quem não alinha 'em nome da rosas'.

os comentadores, tal como muitos politicos de esquerda, manifestam excessivo subdesenvolvimento intelectual e falta de hábitos de trabalho (devem ter nódoas negras nos joelhos, por duas ordens de razões)

não tem a ver com este texto
quando andei no liceu dizia-se 'mais bem preparado', agora dizem 'melhor'.
'feitios!' dizia o meu querido amigo Faria Sousa

Kaiser Soze disse...

Também não sou o maior apologista de teorias da conspiração demasiado elaboradas mas foi o mesmo Medina que viu o programam subitamente cancelado por causa da referência, expressa, à Maçonaria.

Não acredito em bruxas mas...

Mani Pulite disse...

Para mais o Sol anda muito preto e Relvado.....

Silva disse...

Nestas coisas também tenho as minhas dúvidas . Recordemos por exemplo o bloguista do Portugalprofundo António Balbino Caldeira e a inesperada visita á sua casa em Alcobaça às 7 da manhã do dia 24 de Outubro de 2004 feita por dois inspectores da Polícia Judiciária e um procurador-adjunto , por causa da suspeita do gravíssimo crime de...desobediência simples !!!
No que resultou , e o porquê da chose, creio não estar ainda esquecido !
Tudo a bem da justiça ?

José disse...

Pois...mas quem defendeu então o António Caldeira? Alguém o chamou para contar o caso na tv?
Alguém se preocupou em indagar concretamente as circunstâncias de ta acontecer?

Houve alguém da Ordem dos Advogados que reunisse de emergência para tratar o assunto?

José disse...

O que se passou então foi um abuso. E a queixa-crime que António Caldeira apresentou foi arquivada por um procurador-geral adjunto de Coimbra.

Sei bem quem foi...

José disse...

Mas o despacho deste último poderia ter sido sindicado na altura. E não foi. Se o fosse talvez as coisas assumissem um contorno diferente.

Silva disse...

Caro José , o senhor sabe melhor do que eu , que o objectivo era similar ! Tanto aqui como ali , o importante era tentar "amordaçar" .
Diferenças de trato , existiram realmente ! Mas isso não acontece consoante o grau de importância (ou de incómodo !) , dos protagonistas ?!

josé disse...

Silva:

Não me parece. Conheço as pessoas envolvidas num e noutro caso e posso dizer que não são coisas similares.

Ali, no caso de António Caldeira não tenho dúvidas que sim, que era mesmo para amedrontar. Afinal, a queixa partiu mesmo do então primeiro-ministro e certos magistrados/as do DCIAP deixaram-se levar por isso, por esse relevo da personagem de opereta que deveria ter sido tratado como qualquer outra pessoa, com uma diferença: não era pessoa de bem, nesse aspecto.

Neste caso de Medina Carreira é completamente diferente porque os magistrados envolvidos ( Rosário Teixeira e Carlos Alexandre) tanto quanto sei não se pautam pelos mesmos critérios que aqueles /aquelas.

Parece-me mesmo um caso muito diferente.

Silva disse...

Obrigado José .
Vamos tentar acreditar que sim ,que são casos diferentes .
O que não podemos esquecer , no caso de Medina Carreira , é que a justificar-se , dava um jeitão a alguma gente , razão que só por si suscita dúvidas em muitos !!
Cumprimentos .

Unknown disse...

Tanta conversa para mistificar o que não é mistificável. E que tal perguntar apenas como é possível tanta incompetência de juízes, procuradores e polícias/inspetores. Ou a falta de tempo e de meios justifica esta palhaçada toda? E todos aqueles que, sem terem o poder do Medina, lhes aconteceu o mesmo e nunca se puderam defender? Aliás, com tanta falta de tempo e de meios, pena é que, no meio da correria, não lho
façam a si. Passava logo a ter outra visão dos acontecimentos.
Justificar uma atrocidade destas com a falta de tempo e de meios, é que, palavra de honra, é mesmo de de quem tem lata.
Mas, provavelmente, a questão é mais séria e pertence à categoria dos que sabem de antemão que coisas destas não lhes acontecem...

Carlos Rodrigues Lima disse...

continua em grande forma!!!

Abraço


Carlos Rodrigues Lima

josé disse...

José Carmona:

Que quer que lhe responda se apenas argumenta com preconceitos?

Se digo que não me parece que tenha havido violação de segredo de justiça passível de ser esclarecida é porque tal me parece.

Se responde que houve tanta incompetência de magistrados etc etc que sabe V. de competência nestas matérias? Ou é apenas para se dar uns ares de entendido?

josé disse...

Para dar alguma dignidade à discussão permito-me colocar aqui o artigo atinente às formalidades da busca.

Artigo 176.º
Formalidades da busca
1 - Antes de se proceder a busca, é entregue, salvo nos casos do n.º 5 do artigo 174.º, a quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga.
2 - Faltando as pessoas referidas no número anterior, a cópia é, sempre que possível, entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro ou a alguém que o substitua.
3 - Juntamente com a busca ou durante ela pode proceder-se a revista de pessoas que se encontrem no lugar, se quem ordenar ou efectuar a busca tiver razões para presumir que se verificam os pressupostos do n.º 1 do artigo 174.º Pode igualmente proceder-se como se dispõe no artigo 173.º

E que mais é preciso para tal? Isto:

Ac. TRL de 10-04-2012, CJ, T', 2012, pág.262: I. Apesar de a intervenção do juiz nas buscas domiciliárias ser de dimensão exclusivamente garantística, e não de valoração das provas, o juiz não poderá prescindir da análise de que os indícios da prática do crime existem e de que a busca é mio de obtenção de prova, em concreto, idóneo e necessário para o que com ela se pretende, numa ponderação da inevitável colisão de direitos em presença. II. A defini~ção do objecto da busca, quando esta incida em escritório de advogado ou em local onde este faça arquivo, impõe um maior cuidado, mas não implica que, encontrando-se assente em pressupostos que redundem na sua adequação e proporcionalidade, tenha de revestir forma diferente de outra qualquer. III. Tal busca tem a particularidade de ser presidida pessoalmente pelo juiz, que avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados, para que este, ou um seu delegado, possa estar presente. IV. Pese embora o objecto da busca tenha de estar minimamente concretix«zado, incluindo as razões para a mesma, não se impõe que, previamente à diligência, se dê o mesmo a conhecer ao advogado ou ao representante da Ordem dos Advogados, limitando intoleravelmente a sua utilidade e eficácia. V. A faculdade de reclamação prevista no artº72º do EOA é plenamente acautelada através da circunstância do juiz sobrestar na diligência quanto aos documentos em que seja suscitada a preservação do segredo profissional, e não constitui, em si mesma, razão que consubstancie prévio obstáculo ao deferimento da diligência.

Então se a própria lei ( depois de 2007) obriga a que se entregue ao buscado os elementos do despacho que a determinou e que devem conter os factos mais relevantes do motivo porque se fazem as buscas, como é que será possível, depois de ela ter ocorrido, que os jornalistas não obtenham cópia desse mandado de busca com o teor do despacho lá contido?

Assim é que os jornalistas sabem dessas coisas e seria interessante comparar o teor de notícias do Sol, por exemplo, a propósito das buscas co Face Oculta com isto que acabo de referir.

Parece-me que o que o jornal então relatou estava já tudo nesses despachos e depois das buscas realizadas não é possível manter segredo de justiça algum porque são muitas as pessoas envolvidas e o modo de investigação desse crime de violação de segredo de justiça pouco mais permite que o interrogatório de pessoas...que podem mentir.

Portanto, antes de argumentar com incompetências é bom saber isto. E outras coisas também, já agora.

E podemos perguntar porque é que os media não esclarecem isto?
Será porque são muito competentes a informar?

josé disse...

Quanto ao caso Medina Carreira já escrevi tudo o que devia: MC é um cidadão como os outros, com uma diferença de vulto: tem acesso aos media e pode defender-se como se defendeu. E fez muito bem.

Portanto o estrago na imagem pode ser nenhum ou até redundar em crédito a seu favor.

Agora vir defender que o mesmo não devia ser objecto de busca porque era pessoa notória e portanto devia existir maior cuidado em relação ao mesmo...isso é incrível e injustificável legalmente.

Formador disse...

Ex. Srs em PORTUGAL o juiz e DEUS
Na minha terra nos lhe chamávamos mamões porque apanhavam as castanha de todos os castanheiros menos nos deles porque não tinham, porque castanheiros dão se mal com o cheiro a doutor, por isso la dizia o povo longe da sogra e do doutor, por que produzem mais debaixo da terra, como as batatas...
TAMBEM FUI ALVO DO ART. 176, se souberem como se pede a indeminização para ser restituída a honra agradeço.
Pois haverá por ai rosas e laranjas a serem remessadas contra as Portas…
geral@mrj1.com

O Público activista e relapso