Um estarrecido Dias Loureiro foi entrevistado pelo DN no dia seguinte a saber-se que um processo de inquérito em que o mesmo era visado tinha sido arquivado no DCIAP. A entrevista aparece logo, mesmo antes do visado ler o despacho de arquivamento, de 101 páginas que o repórter Paulo Tavares pelos vistos já tinha em seu poder antes do visado ( por isso é que lhe refere o número exacto de páginas) .
Durante a entrevista, um Dias Loureiro revoltadíssimo dispara a eito contra alguém que terá dado tal despacho antes de o dar a conhecer a ele e só identifica outro conhecedor do teor do mesmo: o seu advogado, Proença de Carvalho segundo tudo indica. Pois, deverá perguntar a este quem deu o despacho ao repórter do DN, jornal de que o mesmo advogado é administrador. Isso, antes de insinuar seja o que for, com o faz na entrevista.
Que é esta, nestas duas páginas que interessam para o caso, das quatro em que se estende nas respostas a perguntas colocadas a jeito do entrevistado responder. É legítimo que o leitor se interrogue quem encomendou o frete e é legítimo suspeitar sobre quem seja.
Dias Loureiro defende-se menos mal e o argumento essencial é este: o MºPº andou oito anos a investigar factos relacionados com negócios efectuados por conta da SLN/BPN e no fim nada encontrou de criminoso, arquivando o processo mas deixando no ar do despacho, ainda a pairar sobre o arguido, suspeitas sobre tais crimes, não desvanecidas. É isto que Dias Loureiro não suporta no despacho e afirma ir batalhar para recuperar uma putativa honra perdida.
Pelo meio deixa as habituais alusões negativas ao MºPº, que o dito advogado Proença de Carvalho também ousa propalar de vez em quando e fá-lo sempre encostado a uma peregrina ideia sobre democracia que nesse entendimento dispensaria investigações a certas pessoas acima de toda a suspeita. Nesta ideia subjaz o entendimento orweliano e muito conhecido sobre a igualdade dos porcos nesta pocilga que é a sociedade lusa de negociatas.
O problema que Dias Loureiro não percebe ou faz que não percebe é este mesmo: porque é que Dias Loureiro foi suspeito da prática de crimes de burla, fraude fiscal e branqueamento de capitais?
É isso que o despacho de arquivamento de 101 páginas deverá dizer.
Ora Dias Loureiro e a sua sombra Proença de Carvalho, neste como noutros casos similares, entendem que é demais tudo o que passe para além da palavra arquive-se. E de preferência num segredo de justiça absoluto.
Haverá exagero neste entendimento? Vejamos, com uma imagem do CM de hoje, na tal aliança espúria do " o conluio descarado e evidente entre jornais e algumas pessoas" e que afinal é tão só o exercício sadio de um direito à informação que todo o cidadão deve ter:
Comecemos primeiro pelo segredo de justiça. Seria possível manter em absoluto segredo de justiça um caso destes?
Os problemas de Dias Loureiro com a justiça começaram concretamente em 2009, como relata a revista Visão de 13.5.2015:
Em 1 de Julho de 2009, Dias Loureiro foi constituído arguido, no
Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), do Ministério
Público (MP). Interrogado pelo procurador Rosário Teixeira, sairia do
DCIAP com Termo de Identidade e Residência, optando o MP por não o levar
ao juiz de instrução Carlos Alexandre - embora estejam em causa
suspeitas da alegada prática dos crimes de burla e falsificação de
documentos, no negócio Redal/Biometrics. Logo naquele dia, Dias
Loureiro, defendido pelo advogado Daniel Proença de Carvalho, afirmou
não ter cometido as ilicitudes que lhe apontam.
Dias Loureiro e Proença de Carvalho esperavam mesmo que este caso ficasse em absoluto sigilo? Não esperavam e se fosse noutros casos viriam dizer que a democracia exige "transparência". Assim, como lhes toca a eles, fazem de mortos na consciência cívica e indignam-se hipocritamente.
Este caso surgiu por causa do BPN. Nessa altura, o caso BPN assumia foro de grande escândalo porque havia motivo para isso. Afinal, um banco que concentrava em cargos de responsabilidade e chefia alguns próceres do cavaquismo da primeira metade dos anos noventa era um cóio de ilegalidades e negócios ruinosos e ainda por cima fraudulentas algumas práticas, pelo menos à luz do direito bancário ( contabilidade paralela e banco fantasma em Cabo Verde).
Dias Loureiro era um dos responsáveis, no BPN e SLN. Não pode esquecer tal coisa nem pode deitar areia para os olhos de pessoas pouco habituadas a olhar de frente para estes fenómenos.
A revista Visão em 13.5.2015, após um elogio público de Passos Coelho a Dias Loureiro, por ocasião da inauguração da queijaria do amigo Jorge Coelho de Contenças, comentou assim:
O seu currículo político era de luxo: governador civil de Coimbra,
secretário-geral do PSD, destacado ministro (primeiro dos Assuntos
Parlamentares, depois da Administração Interna) em governos de Cavaco
Silva. Até tudo acabar em desgraça para Dias Loureiro, a ponto de, em
maio de 2009, sair pela porta pequena do Conselho de Estado, para o qual
fora nomeado membro em 2006. Em fundo, um negócio obscuro em que
interveio como administrador do grupo SLN/BPN, que resultou num "buraco"
superior a €38 milhões, e, após a nacionalização daquele banco, em
Novembro de 2008, em mais um prejuízo para os contribuintes pagarem.
E continuava a contar a história que agora Dias Loureiro procura de algum modo branquear, na entrevista explicando o negócio como sendo "simplicíssimo de perceber":
Como accionista e administrador da SLN/BPN, Dias Loureiro pôs à
consideração dos seus pares, em 2001, um negócio milionário. Tratava-se
da venda da Redal, que ele mesmo geria em nome do grupo, e que fornecia,
em regime de concessão, água e electricidade à capital marroquina,
Rabat. Em campo, a fazer o necessário trabalho de lóbi, estava Abdul
El-Assir, um intermediário libanês (de reputação no mínimo duvidosa,
ver-se-ia depois) e amigo de Dias Loureiro. Havia pressa e um comprador
interessado - a francesa Vivendi. Já após o colapso do BPN, o
ex-presidente do banco, Oliveira e Costa, relacionaria, na comissão
parlamentar de inquérito, dois negócios. Disse que, com a entrada em
cena de El-Assir, houve pressão para que o grupo adquirisse uma
tecnológica em Porto Rico, a Biometrics (sem qualquer actividade). Ou
essa compra se concretizava, afirmou o ex-banqueiro, ou o amigo libanês
de Dias Loureiro deixava de diligenciar em Marrocos para a venda da
Redal.
A Redal seria mesmo vendida e a Biometrics comprada, para
alegadamente produzir uma nova máquina concorrente das atuais ATM. A SLN
adquiriu a tecnológica, depois vendeu-a por um dólar a um fundo do BPN,
o Excellence Assets Fund (transação supostamente validada por escrito
por Dias Loureiro), para, de seguida, a Biometrics e o fundo serem
comprados por uma offshore panamiana de El-Assir chamada La Granjilla.
No fim das contas, desapareceram €38,7 milhões. Aparentemente, sem deixar rasto - e com o Estado a cobrir o "buraco".
38 milhões de euros é muito dinheiro, principalmente para quem nos anos oitenta ainda era estagiário de advocacia, pobre e sem meios a não ser a política para onde entrou e tentou fazer o seu melhor. E pelos vistos assim terá sido, porque não é nesse aspecto que a crítica se fará, por aqui.
38 milhões que nos saíram do bolso, não do bolso de Dias Loureiro ou Oliveira e Costa.
Já a Parvalorem (empresa-veículo criada pelo Ministério das Finanças
para gerir os activos tóxicos do BPN) diz estar em campo com uma
"estratégia agressiva" para recuperar o que for possível dos €35,4
milhões (com juros de mora) de empréstimos do banco a três sociedades de
El-Assir (La Granjilla, Miraflores e Gransoto), nunca pagos pelo amigo
libanês de Dias Loureiro. A actuação incide em operações de resgate por
execução hipotecária de imóveis em Espanha (dois em Madrid e um em
Cádis), através das quais a Parvalorem espera recuperar 59% do valor dos
créditos concedidos pelo BPN em Novembro de 2002 às sociedades detidas
ou controladas por El-Assir, e que o libanês se esqueceu de pagar.
Saldam-nos os contribuintes portugueses.
Sabe-se que
investigadores tentaram penhorar Dias Loureiro. Mas, analisando o seu
património, terão encontrado imóveis registados em nome de familiares ou
de empresas sediadas em offshores. Mesmo as contas bancárias do
ex-conselheiro de Estado não ultrapassariam, em saldos médios, os cinco
mil euros.
Dias Loureiro achou que não tinha nada a ver com a dívida ao BPN e que não seria do seu património que sairia o dinheiro para pagar a sua parte e fez o que os empresários chico-espertos deste país fazem sempre: fogem com os bens pessoais enquanto podem, colocando-os em nome de outras pessoas, geralmente familiares. E ainda gozam depois com isso.
Bastava isto para Dias Loureiro ter vergonha, estar caladinho ou pedir desculpa ao país. Mas não é esse o caso, como se vê e ainda há mais:
"Empresário bem-sucedido"? Vamos ao concreto - e os prejuízos
acumulam-se. A DL-Gestão e Consultadoria, a holding pessoal de Dias
Loureiro (de que é administrador único e não tem registo de
funcionários), declarou vendas, em 2013, de €124 mil, 97% das quais
realizadas no exterior. O prejuízo, porém, ascendeu a €253 mil,
superando duas vezes o valor das vendas. E o passivo atingiu €2,2
milhões. A DL é accionista minoritária, com 27%, da Cartrack Capital,
SGPS, e da Cartrack Europe, SGPS, ambas com sede no Estoril (Cascais) e
vocacionadas para o rastreio e recuperação de carros roubados. ?A
primeira, criada em 2009, não teve actividade comercial em 2013, ano em
que declarou prejuízos de €317 mil.
Aliás, em 2013, Dias Loureiro
está em Luanda, sendo recebido pelo Presidente Eduardo dos Santos, à
semelhança dos outros membros da denominada Iniciativa de Cooperação
para a Bacia do Atlântico. A seu lado encontrava-se Tito Mendonça,
enteado de Eduardo dos Santos e filho de uma relação anterior da
terceira mulher do líder angolano, Maria Luísa Abrantes, atual
presidente da crucial Agência Nacional para o Investimento Privado
(ANIP). Da relação Eduardo dos Santos/Maria Luísa Abrantes nasceriam
Paulino dos Santos (ou Coréon Dú, na sua faceta artística de cantor) e
Welwitschea dos Santos (Tchizé).
Em Março de 2014, Dias Loureiro
tornou-se administrador da Lagoon, SGPS, SA, presidida por Tito Mendonça
(irmão de Paulino dos Santos e Tchizé, todos com negócios em conjunto).
Ou seja, o ex-conselheiro de Estado move-se agora no inner circle de
Eduardo dos Santos, e tem o trunfo da proximidade à influente presidente
da ANIP. No início desta semana, Dias Loureiro confessava, ao Expresso
Diário, que actualmente passa "a maior parte do tempo" em Luanda. Pudera!
A questão de fundo que se evidencia neste caso de Dias Loureiro é mais complexa do que parece e tem a ver com o regime que temos e algumas figuras da sua sombra permanente.
Não tem necessariamente a ver com crimes de catálogo mas com o catálogo de valores democráticos e morais que afinal perfilhamos.
Um dos pivots de toda esta trama regimental é Proença de Carvalho, naturalmente. Para entender o regime e o que sucedeu nas últimas décadas é mesmo preciso conhecer este indivíduo, o que fez, como fez e o que tal representou para o país.
Não se trata de o diabolizar embora o mesmo muito faça para tal, mas apenas de compreender como foi possível chegar até aqui, em Portugal. E não estou a falar de crimes, mas apenas de moral, de ética, de política e de valores.
Quando Dias Loureiro diz na entrevista que " a democracia é um conjunto de tradições, de costumes, é uma certa maneira de ser, é um código moral", a afirmação suscitou-me uma gargalhada imaginária, porque Dias Loureiro, tal como Proença de Carvalho acreditam mesmo nisso. O problema para todos nós é o código moral pelo qual se regem e que é um pouco diverso dos demais portugueses que não assentam em conselhos de administração como o que detém o DN. A democracia que proclamam sempre é uma farsa e é preciso dizê-lo.
Quando chega o momento de as instâncias de "supervisão" como é o Ministério Público indagarem esse código moral, na vertente mais séria e mais grave que é a de saber se foi ultrapassada a fronteira da licitude penal, costuma sempre cair o Carmo e a Trindade porque esses indivíduos se julgam noutra esfera democrática e não respeitam bem esse controlo.Preferiam ser eles mesmos a controlar tal poder de supervisão, em modo mais "democrático", entregando-o ao poder de supervisão de um Executivo, por exemplo, para evitar estas chatices. E é essa guerra que vão agora encetar, principalmente porque estão "estarrecidos" com o que sucedeu ao pobre Vara que por um prato de lentilhas vai ficar à sombra de um chilindró qualquer durante cinco longos anos.
Dias Loureiro, Jorge Coelho, Oliveira e Costa, Marques Mendes, Proença de Carvalho, além de outros, poucos, "privilegiados" da política portuguesa ( há livros de Gustavo Sampaio sobre outros facilitadores inseridos em meia dúzia de sociedades de advogados) a par de outros com responsabilidades políticas directas ( Cavaco Silva, Guterres e José Sócrates, principalmente) forjaram um regime dúctil e à sua medida e encontram frequentemente pela frente um "poder de supervisão" que sempre olhou com desconfiança para esta política de negócios em que o Estado sai geralmente a perder milhões e milhões, quando lhe cai no regaço matéria factual para investigar.
Muita dessa matéria provém de denúncias de pessoas e lugares insuspeitos ou ainda mais suspeitos como seja o da oposição ao poder que está no momento. É nessa ocasião que se junta a fome de investigação com a vontade de comer mediática e tal é um fenómeno normal, mas algo perverso, nas sociedade modernas. É um mal menor que tais facilitadores prefeririam que não existisse sequer e por isso estrebucham como é o caso, agora, de Dias Loureiro e Proença de Carvalho.
Esse "poder de supervisão" que é o Ministério Público tem sido um poder capado por esses mentores políticos que sabem muito bem o que querem e agora, mais uma vez, Dias Loureiro denota.
Os casos da banca nacional- BPN, BCP, BPP, CGD, BES e Montepio- espelham na perfeição este esquema de regime e seria verdadeiramente criminoso que a sociedade portuguesa fosse colocada à margem destes assuntos sob o pretexto do segredo de justiça ou outros que visam proteger algo que não é o que aqueles pretendem que seja.
É pena é que não se saiba mais. Por exemplo o que se passou com a CGD...
Portanto, "o conluio descarado e evidente entre jornais e algumas pessoas" é apenas um mito que deriva daqueloutro fenómeno mais real: a sociedade portuguesa precisa de saber o que se passa na sua sombra, porque é mesmo isso a essência da democracia.
E uma coisa parece certa: estas sombras estavam muito mais iluminadas no período do obscurantismo de Salazar e Caetano. Hoje, paradoxalmente a opacidade é maior mas tem um efeito visível:
Todos os que apontei eram pobres e de famílias pobre antes de arribarem ao poder político dos partidos e dos executivos.
Tornaram-se milionários em poucos anos, a partir dos anos noventa, principalmente. Com a chegada dos milhões da CEE, incidentalmente.
Tal não significa que sejam ladrões ou vigaristas. Significa apenas que enriqueceram nos negócios em que o Estado era parte.
Será que os poderes de supervisão afinal não funcionaram tão bem como deveriam, incluindo o poder mediático? Esta pergunta pertinente poucos a fazem ou querem fazer.
As dúvidas dos despachos de arquivamento devem reflectir esse fenómeno se tal sucedeu e por uma razão singela: nos processos desse tipo qualquer pessoa ou cidadão pode constituir-se assistente e sindicar, se o quiser fazer, o próprio despacho de arquivamento. E isso só é possível fundamentando o despacho com considerações acerca do que se fez, devia fazer e não foi possível fazer.
Porém, numa coisa Dias Loureiro tem alguma razão: este inquérito demorou tempo demais. Mas para se saber a razão é preciso perguntar na PGR ou consultar o processo e descobrir por si mesmo.