sábado, abril 29, 2017

O Sol, um polícia e a autoridade do Estado

Na semana passada o Sol colocou em destaque uma notícia sobre o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, um "alto funcionário do Estado", como dizia Cunha Rodrigues há uns anos,  mas no fim de contas um polícia que dirige um órgão de polícia criminal.

Esse polícia era colocado em causa na sua actuação como tal, por um subalterno que tendo sido apanhado em malfeitorias relacionadas com investigação criminal em processo de tráfico de droga, decidiu entregar o referido director nacional por factos que considerava dignos de censura e que teriam ocorrido em 2012.

Contou em 2016, a um juiz de instrução criminal, no âmbito de um interrogatório em que estiveram presentes os magistrados do MºPº, titulares do inquérito respectivo,  que o polícia que então dirigia a PJ, Almeida Rodrigues, solicitara por escrito a legalização de uma cidadã brasileira como contrapartida de informações cedidas por um informador, segundo escreve o jornal. Assim:


Perante a informação de tal modo confirmada pelo arguido em interrogatório, o juiz de instrução terá dito em alta voz , para aquele arguido confirmar ou não, se seria verdade que o dito polícia, director da PJ, assinara um pedido para que uma cidadão brasileira ficasse cidadã nacional por conta de uma troca, uma compensação de outra pessoa ter dado um bom serviço à polícia. Sabe-se agora que sim que assinou e fê-lo "de cruz".

Perante a confirmação do arguido, o juiz de instrução terá dito que  não se revia naqueles métodos.

Após o conhecimento deste pequeno excerto de interrogatório efectuado em 2016, o director nacional da PJ, muito ofendido com o dito do juiz de instrução, principalmente pelo facto de o Sol ter dado destaque de primeira página ao assunto, anunciou que iria fazer queixa do juiz ao órgão de disciplina do mesmo, o CSM. E tal anúncio foi publicado em primeira mão pelo Público, desconhecendo-se a fonte de uma informação que até aí seria apenas uma intenção do queixoso...

Portanto de que se queixa este polícia, que ainda é director nacional da PJ? De um juiz ter comentado algo que lhe pareceu estranho e segundo o depoimento de um arguido, eventualmente ilegal e  até criminoso .e comprometedor para o Estado de Direito

Como isso, deveria perguntar o Sol e o Público, antes de publicarem fosse o que fosse sobre o assunto e não dar largas ao voyeurismo a tudo o que envolve um juiz, no exercício do seu múnus e por isso mesmo enquanto órgão de soberania?

Pois, o que o arguido interrogado contou poderia mesmo ser uma ilegalidade e eventualmente um crime.
Em primeiro lugar é estranho que um polícia, director nacional da PJ tenha sido o requerente de algo num processo de inquérito que é dirigido pelo MºPº. Se alguém devesse requerer fosse o que fosse, eventualmente seria o MºPº e tal lhe deveria ter sido comunicado. Foi? Alguém perguntou ao polícia em causa? Tinha delegação de competência concreta para tal, a PJ?
Em segundo lugar, a revelação de prática de um eventual crime ou mera irregularidade passível de procedimento disciplinar ( um director da PJ não está isento disso...) não deveria suscitar qualquer reserva do magistrado que dirige nesse momento o acto processual, no caso o interrogatório do arguido? Deveria o mesmo ficar calado e reservado, sem tecer comentários que lhe aprouvessem e fossem pertinentes, como eram?

O polícia ofendido, director da PJ pega num pormenor que lhe parece importante: afinal o que o seu subordinado contara ao juiz não era correcto, porque se tratava da legalização de estadia temporária em território nacional e não da concessão de cidadania nacional. E refere que assinou de cruz o ofício que lhe pediram para assinar, numa assunção de competência rara que deveria ter uma consequência, associada às demais: demissão, já!

As demais são estas: um polícia que dirige um opc, entalado por um subalterno no âmbito de um processo, perante afirmações de perplexidade do juiz que interrogou aquele, decide processar o juiz.

Isto não é apenas bizarro. É mais complexo que isso e carece de explicações que certamente o tempo dará...
Nem no tempo de Fernando Negrão o polícia-magistrado que dirigia a PJ quando Cunha Rodrigues era PGR e que foi apanhado a revelar segredo de justiça em directo, estas bizarrias aconteciam. Cunha Rodrigues colocou-o então no devido lugar: "um alto-funcionário do Estado", apenas. E não o que ele julgava ser: um órgão de soberania.
Agora é pior: um polícia entende processar um órgão de soberania, fazendo uma caramunha por um mal que terá praticado.

E ninguém se incomoda.
Será que o komentador Lopes, ao menos,  irá pronunciar-se sobre este assunto que lida com o "Estado de Direito"?

Ah! E já me  esquecia: o MºPº, segundo se lê no Sol não dá razão alguma ao polícia Almeida Rodrigues. O MºPº entendeu não extrair certidão para outro inquérito relativamente à actuação da PJ, no caso concreto, "depois de analisar de forma integrada todos os elementos constantes do inquérito".
Nada mais.  E por isso é abusivo escrever o que o Sol escreve, até se saber que elementos foram esses analisados "de forma integrada".  Pode muito bem ser a ausência de comportamento criminal, derivado do equívoco que o inspector-arguido relatou no interrogatório...


Questuber! Mais um escândalo!