Morreu Maria Helena da Rocha Pereira,uma helenista de tomo. Tinha 92 anos. Em tempos que já lá vão cheguei a mencionar o nome da helenista portuguesa que se formou em Oxford, nos anos cinquenta ( Salazar...) e que afeiçoava o estudo dos clássicos gregos.
Na altura fi-lo em homenagem à Gulbenkian, entidade que mostrava à generalidade do povo que lia e não frequentava faculdades de Letras, o que era a cultura, incluindo a clássica greco-latina.
Em Março de 2009, o Expresso publicou uma entrevista com a mesma que aqui foi citada, com a transcrição de uma passagem e um comentário:
"A cultura grega nunca foi para mim
algo enterrado historicamente. Por isso trabalhei bastante sobre a sua
presença na literatura portuguesa contemporânea, verificando que os
melhores poetas contemporâneos têm um sentido profundo do helenismo:
Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Miguel Torga, etc. (...)
Vejo sempre tudo através dessa mediação ( a cultura grega e latina como
mediação para observar o mundo contemporâneo) e verifico que há
características positivas e negativas dos tempos actuais que também
existiram na Antiguidade. Ao contrário da ideia dos historiadores de que
a História não se repete, há algo que se está a repetir: a perda dos
padrões éticos, como no final do Império Romano."
O que
Maria Helena da Rocha Pereira ensinou e ensina é muito simples: a
cultura e conhecimento da Antiguidade clássica continuam a fazer sentido
nos dias de hoje. Excepto para os teóricos de tretas e sociólogos de
algibeira que fizeram os nossos programas de ensino ao longo das últimas
décadas.
.
A Gulbenkian publicava nos anos sessenta e setenta uma espécie de boletim informativo de índole cultural sobre tais matérias e um de 1967 tinha estes textos que todos então entendiam:
As primeiras
ideias gerais sobre a cultura greco-romana, com iconografias variadas e
sobre a evolução do teatro, poesia, história, filosofia, literatura em
geral e autores em particular, foi aí que muitos as viram e leram.
Com
destaque particular para a cultura clássica, os temas suscitavam
curiosidades em quem a teria e abriam portas para os livros de base que
se recomendavam.
Hoje e numa altura em que se questiona a
oportunidade e validade do ensino dos temas da cultura clássica, tal
como eram ensinados há décadas atrás, os boletins da “biblioteca” eram
uma espécie de guia que já não há.
Nesses tempos recuados, em que
alguns ainda hoje perscrutam os sinais de uma longa noite, politicamente
estrelada por Salazar e Caetano, quem mandava nas “bibliotecas” e na Gulbenkian, não escondia a cultura clássica de quem a quisesse entender. O que também se reflectia no ambiente cultural geral.
E assim, podiam facilmente encontrar-se em catálogos livreiros, obras sobre o classicismo greco-romano. A editorial Aster, anunciava em 1969, no seu catálogo, uma obra mestra: Paideia, de Werner Jaeger,
académico alemão, falecido em 1961, aluno da escola hegeliana e que
saiu da Alemanha durante a guerra, fixando-se nos Estados Unidos . A Paideia de 1969 custava…300$00( como comparação, a editora Ulisseia vendia nessa altura o livro de Céline, Viagem ao Fim da Noite, a 65$00 e hoje vende-o a 19 euros) e era certamente livro recomendado nas faculdades de Letras. Ainda o será, hoje? Parece que sim, mas será essa obra uma referência para quantas pessoas, em Portugal?
Para Maria Helena da Rocha Pereira sê-lo-á, certamente. Como o seria para o padre Manuel Antunes, António José Saraiva ou Paulo Quintela, Vitorino Nemésio e alguns outros vultos que marcaram o ambiente cultural português na segunda metade do séc. XX.
Aquela
especialista em Antiguidade Clássica e professora na Universidade de
Coimbra, e que nos anos setenta e oitenta dirigiu a publicação da série
de clássicos gregos e latinos na editora Verbo, disse em 6 de Fevereiro
de 2006, ao Público que “É
preciso não esquecer que a ciência actual assenta na ciência grega,
principalmente, e também a própria teoria política parte da antiguidade
grega e depois tem acrescentos- digamos assim- da antiguidade romana.” E ainda disse que “temos um grupo, quer em Coimbra, quer em Lisboa, de classicistas de grande qualidade.”
Pois seja! Só teremos a ganhar em ver as obras que de lá sairão!
Dantes,
nos anos sessenta, os críticos e recenseadores literários, escreviam
nos jornais com referências a essa cultura de base helénica e com a
naturalidade de poderem ser compreendidos. Hoje, é raro, parecendo que a
elite classicista se reúne em secretos conciliábulos universitários.
O
que é que terá mudado, nestes anos, para que os cultores dos clássicos,
se fiquem já pelas seitas e nem sequer apareçam nos jornais, em
suplementos culturais?
Segundo um autor alemão, Dietrich Schwanitz,( Cultura, d.quixote, 2004)
o que mudou foi o cânone de leituras que dantes ligava o estudo dos
clássicos entre a escola e a Universidade.E sugere abertamente o
regresso da transformação da expressão escrita que “ é
muito mais exigente no que toca aos requisitos lógicos, ao ordenamento
das ideias, à correcção sintática, à estrutura do texto e ao nexo entre
as frases e a plausibilidade geral”.
Segundo o autor, o
ensino transformou-se num reino de trevas, onde reinam a insegurança e a
grande confusão e se experimentam sempre modelos novos. E como um dos
remédios possíveis, apresenta uma metafórica referência a um dos mitos
gregos: Medusa, uma das górgonas, tem um olhar mortífero; porém, se for confrontada com um espelho, mata-se a si mesma!
Ponham espelhos nos edifícios do Ministério da Educação!
O Público de hoje também traz o obituário. Este, insípido como de costume. Sem brilho "porque as coisas belas são difíceis":
Diz um editor, José da Cruz Santos, que "sempre me surpreendeu que uma pessoa desta envergadura nunca tivesse recebido o prémio Camões ou o prémio Pessoa".
Pois a surpresa não será assim tanta se soubermos quem foram os jurados desses prémios ao longo dos anos...