terça-feira, abril 11, 2017

Morreu uma helenista antiga

Morreu Maria Helena da Rocha Pereira,uma helenista de tomo. Tinha 92 anos. Em tempos que já lá vão cheguei a mencionar o nome da helenista portuguesa que se formou em Oxford, nos anos cinquenta ( Salazar...) e que afeiçoava o estudo dos clássicos gregos.
Na altura fi-lo em homenagem à Gulbenkian, entidade que mostrava à generalidade do povo que lia e não frequentava faculdades de Letras, o que era a cultura, incluindo a clássica greco-latina.

Em Março de 2009, o Expresso publicou uma entrevista com a mesma que aqui foi citada, com a transcrição de uma passagem e um comentário:

 "A cultura grega nunca foi para mim algo enterrado historicamente. Por isso trabalhei bastante sobre a sua presença na literatura portuguesa contemporânea, verificando que os melhores poetas contemporâneos têm um sentido profundo do helenismo: Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, Miguel Torga, etc. (...) Vejo sempre tudo através dessa mediação ( a cultura grega e latina como mediação para observar o mundo contemporâneo) e verifico que há características positivas e negativas dos tempos actuais que também existiram na Antiguidade. Ao contrário da ideia dos historiadores de que a História não se repete, há algo que se está a repetir: a perda dos padrões éticos, como no final do Império Romano."

O que Maria Helena da Rocha Pereira ensinou e ensina é muito simples: a cultura e conhecimento da Antiguidade clássica continuam a fazer sentido nos dias de hoje. Excepto para os teóricos de tretas e sociólogos de algibeira que fizeram os nossos programas de ensino ao longo das últimas décadas.
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A  Gulbenkian publicava nos anos sessenta e setenta uma espécie de boletim informativo de índole cultural sobre tais matérias e um de 1967 tinha estes textos que todos então entendiam:



As primeiras ideias gerais sobre a cultura greco-romana, com iconografias variadas e sobre a evolução do teatro, poesia, história, filosofia, literatura em geral e autores em particular, foi aí que muitos as viram e leram.
Com destaque particular para a cultura clássica, os temas suscitavam curiosidades em quem a teria e abriam portas para os livros de base que se recomendavam.
Hoje e numa altura em que se questiona a oportunidade e validade do ensino dos temas da cultura clássica, tal como eram ensinados há décadas atrás, os boletins da “biblioteca” eram uma espécie de guia que já não há.
Nesses tempos recuados, em que alguns ainda hoje perscrutam os sinais de uma longa noite, politicamente estrelada por Salazar e Caetano, quem mandava nas “bibliotecas” e na Gulbenkian, não escondia a cultura clássica de quem a quisesse entender. O que também se reflectia no ambiente cultural geral.
E assim, podiam facilmente encontrar-se em catálogos livreiros, obras sobre o classicismo greco-romano. A editorial Aster, anunciava em 1969, no seu catálogo, uma obra mestra: Paideia, de Werner Jaeger, académico alemão, falecido em 1961, aluno da escola hegeliana e que saiu da Alemanha durante a guerra, fixando-se nos Estados Unidos . A Paideia de 1969 custava…300$00( como comparação, a editora Ulisseia vendia nessa altura o livro de Céline, Viagem ao Fim da Noite, a 65$00 e hoje vende-o a 19 euros) e era certamente livro recomendado nas faculdades de Letras. Ainda o será, hoje? Parece que sim, mas será essa obra uma referência para quantas pessoas, em Portugal?
Para Maria Helena da Rocha Pereira sê-lo-á, certamente. Como o seria para o padre Manuel Antunes, António José Saraiva ou Paulo Quintela, Vitorino Nemésio e alguns outros vultos que marcaram o ambiente cultural português na segunda metade do séc. XX.
Aquela especialista em Antiguidade Clássica e professora na Universidade de Coimbra, e que nos anos setenta e oitenta dirigiu a publicação da série de clássicos gregos e latinos na editora Verbo, disse em 6 de Fevereiro de 2006, ao Público que “É preciso não esquecer que a ciência actual assenta na ciência grega, principalmente, e também a própria teoria política parte da antiguidade grega e depois tem acrescentos- digamos assim- da antiguidade romana.” E ainda disse que “temos um grupo, quer em Coimbra, quer em Lisboa, de classicistas de grande qualidade.”
Pois seja! Só teremos a ganhar em ver as obras que de lá sairão!
Dantes, nos anos sessenta, os críticos e recenseadores literários, escreviam nos jornais com referências a essa cultura de base helénica e com a naturalidade de poderem ser compreendidos. Hoje, é raro, parecendo que a elite classicista se reúne em secretos conciliábulos universitários.
O que é que terá mudado, nestes anos, para que os cultores dos clássicos, se fiquem já pelas seitas e nem sequer apareçam nos jornais, em suplementos culturais?
Segundo um autor alemão, Dietrich Schwanitz,( Cultura, d.quixote, 2004) o que mudou foi o cânone de leituras que dantes ligava o estudo dos clássicos entre a escola e a Universidade.E sugere abertamente o regresso da transformação da expressão escrita que “ é muito mais exigente no que toca aos requisitos lógicos, ao ordenamento das ideias, à correcção sintática, à estrutura do texto e ao nexo entre as frases e a plausibilidade geral”.
Segundo o autor, o ensino transformou-se num reino de trevas, onde reinam a insegurança e a grande confusão e se experimentam sempre modelos novos. E como um dos remédios possíveis, apresenta uma metafórica referência a um dos mitos gregos: Medusa, uma das górgonas, tem um olhar mortífero; porém, se for confrontada com um espelho, mata-se a si mesma!

Ponham espelhos nos edifícios do Ministério da Educação!

 O Público de hoje também traz o obituário. Este, insípido como de costume. Sem brilho "porque as coisas belas são difíceis":


Diz um editor, José da Cruz Santos, que "sempre me surpreendeu que uma pessoa desta envergadura nunca tivesse recebido o prémio Camões ou o prémio Pessoa".

Pois a surpresa não será assim tanta se soubermos quem foram os jurados desses prémios ao longo dos anos...

Questuber! Mais um escândalo!