Expresso de hoje:
O fenómeno de Fátima tem sido ultimamente glosado por diversos autores. Já li dois e falta-me um terceiro.
O livro de Len Port, um estrangeiro radicado pelos Algarves, é o mais interessante, porque tem um contexto histórico que ajuda a compreender melhor o assunto e passa para o nosso tempo a propósito da divulgação do "terceiro segredo de Fátima".
Ambos, porém, são cépticos na aceitação do maravilhoso que tal implicaria e procuram explicações avulsas para o "milagre do Sol", algumas tão abstruzas que suscitam logo reservas de monta.
Lendo os livros e conhecendo os factos relatados na época, a sensação que perdura é a de faltar explicação racional completa, para o que sucedeu durante o ano de 1917 naquele local da Cova da Iria e redondezas.
Por mais que tentem arranjar explicações racionais, lógicas ou naturais para os acontecimentos, permanecem as perguntas de sempre: aquelas crianças inventaram tudo? Estavam a mentir? Para estas duas perguntas não há resposta satisfatória e por isso mesmo, o mistério permanece porque os factos não fogem muito do essencial: algo aconteceu naquele ano, naquelas circunstâncias na Cova da Iria. E como tal foi referenciado a Nossa Senhora, a explicação racional falha nos pressupostos, porque é mesmo uma questão de Fé. Ou se acredita ou não.
O que dizem os relatos daqueles pastores que viram algo nesse local é desconcertante: uma imagem de mulher, muito bela, com idade de adolescente e cerca de metro e meio de altura, com reflexos de imenso brilho e a pairar por cima de uma árvore. Apareceu assim várias vezes e sugeriu naquelas crianças ser a mãe de Jesus. O que lhes disse foi entendido pelos mesmos em conformidade com o que acreditavam e tinha cariz religioso, católico e pedia orações, terços rezados. Era isto que os pequenos pastores entendiam e foi isso que disseram.
Uma das mensagens do Evangelho é simples: "pedi e recebereis". Rezar é algo importante para um católico ou cristão. A mensagem de Fátima é essa e é uma mensagem contra o ateismo por ser contrário à nossa essência, na medida em que se acredite que fomos criados por um Deus. Se Deus existe, quem não acredita Nele é necessariamente um ente mais pobre e desviado da realidade. Nunca será um inimigo de um crente porque nunca o poderia ser. Mas os ateus em boa parte são inimigos dos crentes e isso é uma questão que provoca perplexidade. Tudo o que decorre das guerra religiosas, como a que vivemos actualmente e vivemos ao longo dos séculos, provêm de algo que nunca poderia ser de Deus. De onde virá, então? A guerra aos "infiéis" ou a perseguição a outros "fiéis" decorre de um instinto de sobrevivência que usa a ideia de Deus para se legitimar? Não sei.
A Igreja Católica tomou para si, como facto em Fátima, o principal: a devoção à mãe de Jesus Cristo, como mãe de Deus, faz-se nesse local porque aquelas crianças testemunharam algo em 1917 que as transcende e a nossa capacidade de entendimento do que é transcendente socorre-se da Fé que alguns já não têm.
Não será muito mais que isto, o essencial e que as pessoas simples e humildes entendem e os teólogos não, apesar de proclamarem um apelo a uma Razão. "No princípio o logos, a razão e Deus é razão. Para mim se Deus é razão, devemos estar na Igreja com dimensão crítica", diz o padre missionário, "professor em Coimbra". Apetece remeter para o Evangelho e citar passagens em que se fala na humildade dos simples e na prosápia dos letrados. "Em verdade vos digo..."
Deus é Fé. Não é razão nem pode ser e quando muito a razão pode ajudar um entendimento com Fé. Quem a perdeu, provavelmente não acredita em Deus e quem vive para espalhar a Fé, não a tendo, é um pobre diabo, a merecer alguma compaixão cristã, mesmo que se julgue em patamar muito superior.
Quem acha que Deus é razão, o que pode pensar quando diz o Credo, na parte em que se afirma acreditar que Jesus Cristo "ressuscitou ao terceiro dia e subiu ao Céu, onde está sentado à direita de Deus Pai"?
Há alguma razão que nos leve a aceitar tal coisa? Enfim, há padres que deviam meditar mais e não falar com propósitos que os desmereça, principalmente se são figuras da Igreja e teólogos.
Por outro lado, este padre fica muito triste com o comércio religioso à volta de Fátima. Não se percebe bem porquê. À volta do Vaticano, a escassos metros da entrada principal da basílica, estão bem organizadas lojas de "vendilhões do templo". A arte que está no interior foi paga no tempo em que foi realizada. Miguel Ângelo não fez a "Pietá" de borla e Bernini também não trabalhou de graça no baldaquino.
As pessoas que se arrrastam e sangram no recinto do Santuário não são muito diferentes daquelas que usam cilícios atados para se lembrarem do sofrimento físico. E se o fazem com o sentimento de Fé, mesmo que outros o não compreendam, não deveria merecer vitupério de ninguém e muito menos de um padre.
Um padre que acredita que os pastorinhos de Fátima tiveram visões, deve poder dizê-lo. Na verdade outros o disseram antes, como um padre da Lixa antes de 25 de Abril de 1974. E os ateus de sempre não dizem outra coisa, pensando e justificando que foi o cónego Formigão que inventou tudo.
Proclamar que "é evidente que não apareceu em Fátima", para quem a seguir fala no Papa e na devoção a Maria é carente de razão, para quem acredita nela e provocador no mau sentido. O padre que isto diz não sabe, apenas julga que sim.
Há razões que a razão desconhece, já não sei quem disse.